quarta-feira, 10 de julho de 2024

Caminho Inglês (1)

Do porto de Ferrol às terras de Bruma

No domingo, 7 de julho, a caminho do Caminho, publiquei o Prólogo ao meu 15º Caminho de Santiago. Uma semana depois, com os meus três companheiros, regressámos do campus stellae com a alma cheia. Como é habitual, as crónicas escrevo-as à posteriori ... que o Caminho é para ser Vivido!

Ferrol, 08.07.2024 - Poucos minutos antes das sete da manhã, estávamos a partir da zona portuária de Ferrol
Na véspera, tínhamos chegado a Ferrol ao fim da tarde, depois de três autocarros e de reunida a equipa em Braga. Do almoço em Braga ... sobrou bacalhau à minhota mais que suficiente para o jantar dos quatro, no novo Albergue de Peregrinos de Ferrol, situado precisamente na zona portuária, no velho Muelle de Curuxeiras. E com o nascer do Sol do dia 8 ... iniciámos o Caminho.

Mosteiro de San Martiño de Xuvia, ou Mosteiro do Couto, 09h35
O Mosteiro do Couto era já meu "velho conhecido". Em 2017, quando percorri com a minha peregrina do Caminho da Vida o Caminho de Santo André de Teixido, foi ali que começámos; e quis o destino que agora, sete anos depois ... ali passássemos exactamente no mesmo dia 8 de julho!
E lá estão os marcos do peixe, símbolo do
Caminho de Santo André de Teixido
Moinho de Cornido, junto à Ria, onde o Caminho de Teixido se separa do Caminho Inglês
Esta primeira etapa contorna toda a Ria de Ferrol e Neda, desafiando os peregrinos a cruzá-la logo junto ao Mosteiro do Couto, pela velha ponte do caminho de ferro. Mas ... a tentação não nos venceu, e ainda bem, já que todo este troço é bem agradável, marginando os pequenos portos e vilas piscatórias.

... não sou Santiago... 😀
Ria de Narón / Neda: não
de Xuvia
A imponente magnólia
Ponte e Moinho de Xuvia, 11h10: ponto mais a norte do Caminho Inglês
Em Xuvia "dobrávamos" a Ria e entrávamos no concelho de Neda, célebre pelo seu afamado pão, que eu e o Joaquim Gomes saboreámos num delicioso bocadillo com um belo presunto. O rumo era agora para sul, para Fene e Pontedeume ... onde ainda em abril estivera com os "manos velhos".

Descendo a Ria por Neda e Fene, antes das 16h30 estávamos em Pontedeume, com 30 km percorridos
Muitas das críticas ao Albergue de Peregrinos de Pontedeume eram tenebrosas ... mas optámos por verificar por nós, até porque as alternativas privadas estavam esgotadas. Acabámos por discordar apenas da abertura tardia (17h30, contrariamente à informação) e do facto de também haver um período de abertura ao final da manhã ... o que faz com que às 17h30 já estivesse praticamente lotado.
Torreão dos Andrade, Pontedeume, onde se localiza
o Turismo e se faz o registo para o Albergue
Panorâmica sobre o Rio Eume, do alto do Torreão dos Andrade. O Albergue é o edifício à esquerda na 1ª foto
Igreja de Santiago, Pontedeume, 08.07.2024, 19h10
Quando da visita às Fragas do Eume com a parceira do Caminho da Vida e os nossos "manos" mais velhos, em abril passado, almoçámos, por
mera indicação de um autóctone, no Restaurante "Trinta e dous". Como gostámos bastante, quis lá levar os "manos" novos para o jantar deste primeiro dia de Caminho ... e foi mais uma vez memorável.
Um jantar "especial", no
O Caminho também são estes momentos
"Trinta e dous" de Pontedeume
... estes sentimentos ... estes sabores...😍
Pontedeume, 09.07.2024, 06h55 - O Despertar dos Mágicos ... à partida para o 2° dia de Caminho
O segundo dia acordou mais cinzento. Não houve a magia do Sol no despertar dos mágicos ... e havia previsão de chuva para a tarde. O rumo continuaria a ser para sul, para Porto Baxoi e Miño.
O Caminho
dá tudo...
Cores mágicas, na manhã do 2º dia de Caminho ... rumo à luz
Tetería Peregrino ... uma surpresa à entrada de Ponte Baxoi, um local de paragem obrigatória
Ponte medieval de Ponte Baxoi, 10h00
Estuário do Rio Lambre, em A Ponte do Porco, 11h00, a caminho de Betanzos
Quem pensa que o Caminho Inglês tem poucos desníveis está redondamente enganado ... e esta é uma das etapas com mais sobe e desce permanente. Do vale do Lambre subimos ao Pazo de Montecelo e à pequena paróquia de San Pantaleón de las Viñas, para logo descer para Betanzos.
Igreja de San Pantaleón de las Viñas, 11h30
Santuário de Nuestra Señora del Camino, Betanzos, 13h20

Cruzando o rio Mandeo, chegamos à histórica cidade de Betanzos, que já foi uma das capitais do antigo Reino da Galiza
Declarada conjunto histórico-artístico, a cidade de Betanzos situa-se numa colina sobranceira ao rio Mandeo. Para além do património construído, também se celebrizou pela sua especialidade gastronómica: a tortilla de Betanzos; depois de várias tentativas (apesar da chuva a cidade fervilhava de vida), lá conseguimos provar a iguaria ... e comprovar que é mais fofa do que as tortillas habituais.
Praça dos Irmãos García Naveira, o centro nevrálgico de Betanzos
Tortilla de Betanzos acompanhada por uma 1906 ... deu gás para o que faltava percorrer... 😄
E o que faltava percorrer eram sensivelmente 12 km até Presedo, pequena povoação dotada de albergue público de peregrinos, o que nos permitiria reduzir a terceira etapa, para deixar tempo suficiente para A Coruña. Mas saímos de Betanzos ... debaixo de chuva; mas a chuva não molha peregrinos 😜. Como recompensa ... tivemos um albergue por nossa conta. E a este peregrino deu-lhe vontade de dar à sola ... e chegou ao albergue uma hora antes dos outros três!
Saída de Betanzos debaixo de chuva ... antes
deste peregrino resolver dar à sola sozinho... 😀
Igrexa de Santo Estevo de Cos, 16h05
Albergue de Peregrinos de Presedo, 16h50 ... uma hora antes dos meus três companheiros... 😂
Pero agarda, miña xente... ainda faltaba a cea... 😉. E a cea - ou seja o jantar - viria a ser na Meson Museo Xente no Camiño. Se as referências que tinha visto eram aliciantes ... a realidade suplantou a expectativa! Trata-se de um restaurante / bar decorado ao estilo medieval, com várias obras do pintor Alfredo Erias, natural precisamente de Presedo. E se a atmosfera nos prende ... tanto a hospitalidade como a gastronomia transformam o local num ponto de paragem obrigatório para a Xente no Camiño...

E que bela cea nós comemos na Meson Museo Xente no Camiño. E que bem recebidos fomos ...
ainda por cima ao mesmo tempo que a Espanha ganhou à França nas meias finais do Europeu... 😃
No dia seguinte, a terceira etapa era curta, uns meros 11 km, até ao ponto em que completaríamos o braço direito do 'Y', ou seja ao entroncamento com o Caminho vindo da Coruña.

Imagens de uma bela manhã, ao redor do lago da barragem de Beche, 10.07.2024, 08h35
Esta bela manhã foi contudo também de alguma chuva, miudinha mas persistente. Mas às dez horas tínhamos os 11 km percorridos, e abrigámo-nos naquele que viria a ser um dos pontos mais icónicos deste Caminho: a "Casa Avelina", no lugar de As Travesas. Gerido por duas irmãs, Avelina e Carmen, principalmente esta última é um autêntico anjo no Caminho dos peregrinos, tudo fazendo para o
Chegamos à "Casa Avelina", As Travesas, 10h00
bem estar ou para a resolução de qualquer dificuldade ... além de nos oferecer desde logo galletas, rebuçados, biscoitos, uma mesa para descansarmos e, até, um banco para pôr os pés mais altos se estivermos cansados.
Embora houvesse a hipótese de apanharmos um autocarro para a Coruña em A Mesón do Vento, a cerca de 3,5 km, optámos por um táxi; sendo quatro, gastaríamos cada um pouco mais do que de autocarro ... e a Carmen logo se disponibilizou para nos chamar o táxi ... não sem antes guarnecermos os estômagos com um delicioso pão com presunto que haveria de chegar para o almoço, já na cidade de Breogán.
A "Casa Avelina" marcaria o final da primeira parte do Caminho Inglês, 72 km desde Ferrol
Estava completado o braço direito do 'Y' do Caminho Inglês
(Clique para ver no Wikiloc)
Ponto de encontro e de tão caloroso acolhimento de peregrinos, na "Casa Avelina" há bandeiras, t-shirts, crachás e todo o tipo de recuerdos que estes vão oferecendo à "santa" Carmen. Ali travámos aliás conversa pela primeira vez com um grupo de italianos que encontraríamos várias vezes até Santiago.
Quando por fim nos despedimos - con apertas e bicos calorosos - foi com a promessa que no dia seguinte lá voltaríamos, vindos da Coruña. O que não sabíamos era que lá chegaríamos mais molhados do que nesta primeira vez ... nem que haveria uma terceira vez... 😂


Escrito pós-Caminho, em 17 e 18.07.2024

1 comentário:

Zé Rey disse...

Como sempre, magnífica reportagem ❤️
Um grande abraço.