sábado, 21 de junho de 2025

👣 Caminho do Mar e dos Apóstolos (2)

De Teixido a Monfero... polas Fragas do Eume, coas memorias de San Rosendo...

Oitavo dia de Caminho... 18 de junho. Em San André de Teixido, o dia acordou limpo e sereno. Tínhamos cumprido a primeira meta... venerado o primeiro "apóstolo". A Madalena escreveria...
Sobre San Andrés de Teixido, 18.06.2025, 09h50
O caminho vai entrando em nós devagar
Como água a correr, decidida, ao passar...
Tudo rola...envolve, encanta e pisca o olhar
Num silêncio de passos, o esforço a calcar
Como balde no poço, sedento a afundar...🙏
Até Porto do Cabo, a etapa era das mais curtas, pouco mais de 15 km... pelo que nos demos ao luxo de sair mais tarde... depois de um belo pequeno almoço na Casa Rural de San Andrés de Teixido. Convinha ter forças para subir a íngreme ladeira para o Chao do Monte, de onde se tem a imponente panorâmica da foto acima e onde se encontrava um numeroso grupo de geólogos, algo admirados com dois septuagenários de mochilas às costas... e a quem pedimos para nos tirarem a foto.
Estávamos no Camiño Vello a San Andrés de Teixido... mas agora em sentido contrário, rumo a sul
Capela de S. Roque de Reboredo, 10h50
Ao fundo o mar e ria de Cedeira ... e uma
pausa e descanso... tínhamos tempo de chegar...
Porto do Cabo e rio do mesmo nome, 15h10
E a nossa casa em Porto do Cabo. Não, não havia morcegos🦇...
O Caminho do Mar segue aqui o Camiño Vello de San Andrés de Teixido. Já por aqui tinha passado em 2017, com a minha peregrina do Caminho da Vida, quando pela primeira vez conhecemos Teixido.
Em Porto do Cabo, a "Casa do Morcego" foi o nosso "albergue", com direito a jantar e pequeno almoço (deixado preparado)... e à simpatia do casal de proprietários. O nome da Casa? Sim, havia morcegos... mas antes das obras de reabilitação e transformação em Casa Rural. No dia seguinte, o Camiño Vello havia de nos levar a Xuvia e a Neda, onde o Caminho do Mar se funde com o Caminho Inglês.
Ermida de Liñeiro (ou Capela da Fame) e Embalse
de las Forcadas, 19.06.2025, 08h30 / 08h50
Trabalhadoras incansáveis, naquela manhã enevoada do 9º dia de Caminho
Capela de Santa Lucía (penúltima foto) e Igreja de Santo Estevo de Sedes, 11h55 / 12h10
Sempre para sul, o Caminho dirigia-se agora a passos largos para o Río Grande de Xuvia, que depois acompanha até à foz, na Ria de Neda e de Ferrol. Quando no ano passado me deliciei com a Ponte e Moinho de Xuvia... não imaginava o paraíso que agora se nos deparou a montante.
Río Grande de Xuvia, entre a Presa do Rei e o Muiño de Xuvia, 19.06.2025, 14h00 / 14h40
Ao chegarmos ao Moinho de Xuvia... estávamos no Caminho Inglês, que percorri o ano passado e que a Madalena também já tinha percorrido. Mas não se lembrava da grande magnólia existente junto à ponte e que a deliciou 😊
Na magnólia de Xuvia, 14h45
14h50, no Albergue de Peregrinos de Neda: finalmente outros peregrinos!...
Desde Ribadeo, só tínhamos visto a rapariga espanhola que ia e vinha de Viveiro para etapas soltas do Caminho do Mar e da Rota do Cantábrico. Em Xuvia e em Neda, assim que entrámos no Caminho Inglês... já se viam peregrinos. No Albergue, conhecemos um jovem casal italiano que tinha começado em Ferrol, com uma ainda mais jovem peregrina... em carrinho de bebé!
Neda e a ria, vistas do Paseo de Xuvia, quando fomos jantar - 19.06.2025, 20h45
Em Neda termina o Caminho do Mar, ou melhor, junta-se ao Caminho Inglês. Mas no dia seguinte continuaríamos no Caminho dos Apóstolos, já que os "apóstolos" ligados a este Caminho são três: Santo André (de Teixido), São Rosendo e, claro... Santiago. O mar... esse iria ficar definitivamente para trás. Ao contrário contudo do Caminho do Mar, o Caminho dos Apóstolos não está homologado pela Catedral de Santiago. Como referi na introdução, este projecto nasceu das informações recebidas essencialmente do amigo Roxelio - o miñoto do norte 😁- que faz parte de um grupo que reune os dados históricos para o implementar. De certo modo, esta segunda parte do nosso Caminho seria portanto um Caminho "de aventura", ou "à aventura" - un Camiño por descubrir - tal como o meu primeiro Caminho de Santiago, actualmente Caminho da Geira e dos Arrieiros.
E o dia começava pela fabulosa
Senda do Belelle, 20.06.2025, 07h00 / 08h30
Um desbobinar e desbravar do paraíso, 08h30 / 12h00
A Senda do Belelle tinha-me sido referenciada pelo Roxelio como a ligação mais natural de Neda ao concelho de A Capela e às memórias de San Rosendo. Percurso sinuoso, com desníveis acentuados... mas fabuloso! Dir-se-ia que estávamos de novo no paraíso, atravessando fragas máxicas nunha Galicia máxica. Nalguns pontos, contudo, a senda precisa limpa, inclusive junto às belíssimas cascatas próximas da antiga Central Hidroeléctrica que alimentava a cidade de Ferrol. O escarpado do terreno e a muita vegetação escondem parcialmente a fervenza... que se ouve muito mais do que se vê.
12h30 / 13h10 - Próximo de Formariz, comemorámos os 200 Km de Caminho... incluindo um refrescar nas águas do Belelle
Neste aprazível local deixámos o Belelle, rumo à Capela de Nosa Señora das Neves, acompanhando agora sempre que possível a GR55, a que me referi na introdução. A GR55 intitula-se o Camiño Medieval a San André de Teixido... mas não passa nem em Porto do Cabo nem em Xuvia, onde há evidências históricas de peregrinações medievais de e para Teixido. Pelo menos a norte de A Capela, a GR55 (que viríamos a constatar que por vezes não tem quaisquer marcações) é fundamentalmente baseada no percurso dos senhores feudais da zona, para cobrar os tributos dos camponeses.
E às 14h30 estávamos em As Neves, junto ao Cruzeiro e à Capela de Nosa Señora das Neves
As Neves e o Concello de A Capela guardam amplos testemunhos da vida e obra de San Rosendo... o segundo "apóstolo" deste nosso Caminho. De família nobre, nasceu S. Rosendo no ano 907 em Santo Tirso, recebendo desde cedo uma formação intelectual pouco comum naquela época. Foi uma figura marcante da história religiosa e política da Península Ibérica no século X,
Interior da Capela de Nª Sª das Neves
tendo fundado o Mosteiro de Celanova, um dos centros beneditinos mais importantes da Galiza, e o Mosteiro de San Xoan de Caaveiro, ali... nas Fragas do Eume. Não sendo obviamente um dos Apóstolos de Cristo, San Rosendo foi Apóstolo por toda a Gallaecia. Já o "víramos" como Bispo de San Martiño de Mondoñedo, na segunda etapa deste nosso... Caminho dos Apóstolos.
No final do Séc. XIX, o Mosteiro de Caaveiro encontrava-se em estado avançado de ruína. Várias relíquias e objetos litúrgicos foram recolhidos pela Igreja. No entanto, não foi atribuído grande valor à alba, ou túnica, de San Rosendo, considerando-a de menor importância ou de autenticidade duvidosa, pelo que a peça não foi levada para nenhum centro eclesiástico. Acabou por ser recolhida pela comunidade local, que a guardou na sua Capela dedicada à Virgem. A Capela de Nosa Señora das Neves tornou-se assim um relicário, preservando a alba de San Rosendo num armário belíssimo... aberto apenas em ocasiões especiais.
É aqui que entra o Roxelio, que nos esperava em As Neves. Através da sua influência, o Roxelio conseguiu não só a chave da Capela, como também que pudéssemos ver aquela relíquia... a alba de San Rosendo. Moitas grazas, Roxelio... es extraordinario!
Que privilégio! Somos das poucas pessoas
que já viram a Alba de San Rosendo !
A Virgem Maria e San Rosendo, na Capela de As Neves
Foi com natural emoção que vivemos aquele privilégio. Como a Madalena tinha escrito ... O caminho vai entrando em nós devagar ... mas naquele momento sentimos que o reconhecimento oficial do
Caminho dos Apóstolos... talvez tenha nascido ali. E assim fomos pensando no quilómetro e meio que faltava até ao já meu conhecido Hotel Fraga do Eume. O Roxelio ofereceu-se para nos levar as mochilas no carro... o que naturalmente dispensámos. As mochilas fazem parte do nosso corpo...
À porta do Hotel lá estava o cartaz que já conhecia: "Caminho dos Apostoles". Ahh, "Caminho Irlandes", também, mas... "o nome é cousa miña", dizia-me o Roxelio em fevereiro. "Chamarlle Caminho Inglés resultame contra natura... son protestantes...", acrescentara.
Desta vez não tinha a companheira do Caminho da Vida, nem os "manos velhos" com quem conheci o Roxelio em abril de 2024... nem tinha os mais de 50 "gasparitos" que ali alojei em agosto seguinte... mas tinha uma Amiga... uma Peregrina que aceitou o meu desafio para este Caminho do Mar e dos Apóstolos... receosa... insegura... mas que a cada dia ganhava a confiança de chegar a bom porto.
Igreja de Santiago de A Capela, 21.06.2025, 07h50
O dia seguinte era o primeiro dia de verão; o solstício tinha sido há poucas horas. E no dia seguinte cruzaríamos as Fragas do Eume.
E é todo um brilho de verde luxuriante
Que nos veste, nos acompanha, nos agarra
Nos faz estrada, nos troca, nos amarra...
Nos lê história, pintura, dança de viajante
No cansaço nos acalma, se senta junto
Canta...para quê pressa, amigo te pergunto... 🙏🌿
(Madalena Estácio Marques)
Antes das 09h00 estávamos a chegar ao Mosteiro de San Xoan de Caaveiro, 21.06.2025
O Mosteiro de San Xoán de Caaveiro é um dos mosteiros mais antigos e emblemáticos da Galiza. A sua história está profundamente ligada à figura de San Rosendo, que o fundou no ano de 934 para reunir os numerosos eremitas que viviam dispersos nas fragas. Foi isento da autoridade do arcebispado de Santiago, tornando-se uma Real Colegiata, com seis cónegos. Românico com elementos barrocos posteriores, foi inicialmente beneditino, passando no século XII à Ordem de Santo Agostinho. A partir de 1800, o mosteiro foi abandonado e entrou em ruína. Foi declarado Monumento Histórico-Artístico em 1975 e pertence à Deputación da Coruña, que promoveu a sua recuperação e restauro.
Mosteiro de San Xoan de Caaveiro, em pleno Parque Natural das Fragas do Eume, 21.06.2025, 09h05
Embora haja um posto de informação, como o percurso não é ainda oficialmente Caminho de Santiago não há sello para carimbar as credenciais, como também não o conseguimos na Capela de As Neves. É importante que esse pormenor não seja esquecido no processo de homologação do Caminho dos Apóstolos, certificando a passagem dos peregrinos por aqueles históricos locais.
Envolto pela densa floresta das Fragas do Eume, o Mosteiro de Caaveiro ergue-se num promontório rochoso de difícil acesso, o que lhe confere um ar místico e isolado...
Mas o Mosteiro de Caaveiro não é apenas um lugar de história e espiritualidade. Envolvido por uma das últimas florestas atlânticas autóctones da Europa, foi também sempre um espaço fértil para lendas e mitos populares que atravessam os séculos. Conta-se que, quando Deus criou os rios da Galiza, prometeu que o primeiro a chegar ao mar receberia uma recompensa divina. Os rios Eume, Sor e Landro partiram juntos da Serra do Xistral. Durante a noite, o Sor acordou primeiro e traiu os outros, partindo sozinho rumo ao mar; o Landro, ao perceber a traição, também partiu. O Eume, ao acordar e ver-se abandonado, ficou furioso e lançou-se pelas fragas, abrindo vales e desfiladeiros até ao mar. Desde então, conta-se que o Eume, tendo ganho a corrida, reclama uma vida humana por ano.
Outra tradição oral fala de uma luz misteriosa que, em noites de nevoeiro, brilha sobre as fragas, na zona do eremitério, como se fosse uma vela acesa no altar. Alguns dizem que é a alma de São Rosendo a proteger o seu Mosteiro...
Ponte de Santa Cristina, sobre o Eume, abaixo do Mosteiro de Caaveiro, 21.06.2025, 09h30
Cruzado o Eume na Ponte de Santa Cristina, seguimos ao longo da margem esquerda pelo Camiño de A Ventureira, também já meu conhecido do reconhecimento e da actividade com os "meus" Caminheiros Gaspar Correia, em agosto passado. Dir-se-ia que estávamos... no reino da magia...
Pola maxia silandeira das fragas da beira esquerda do Eume, onde o tempo se detén e a natureza fala en segredo... 💖
As Fragas do Eume são conhecidas como terra de meigas e de espíritos da floresta. Muitos visitantes relatam uma sensação de encantamento, como se estivessem a entrar num mundo encantado. Há quem afirme ter ouvido vozes ou cânticos entre as árvores. Diz-se que duendes e espíritos protectores habitam a floresta e que aparecem apenas a quem caminha com o coração puro...
Ouvimos o cântico das águas e dos bosques, mas não vimos os duendes e os espíritos da floresta...
O traçado da GR55, que desde As Neves coincide com o percurso aconselhável do Caminho dos Apóstolos, sobe a vertiginosa encosta da margem esquerda do Eume entre duas linhas de água que o alimentam: o Rego da Vaca (ou de Rodeiro) e o rio Parrote (ou Rego de San Bartolomeu), já no Concello de Monfero. Mas... não vimos qualquer indicação, nem qualquer trilho, antes do lugar de O Parrote. Existem vários testemunhos da sua existência no Wikiloc, todos já com alguns anos; já deve ter existido, ou provavelmente ainda existirá, mas como trilho de montanha para percursos de um dia... muito diferente de um Caminho com todo o nosso mundo às costas...
Ponte de O Parrote, sobre o Rego do mesmo nome, afluente da margem esquerda do Eume, 10h20
Não existindo ali o GR55 (ou sendo tão diminuto que não o vimos, nem quaisquer indicações) e uma vez estudadas as cartas disponíveis no Locus... a opção só podia ser o vertiginoso empedrado que sobe desde a margem do Eume no lugar de O Parrote. A jornada, que já não era curta e tinha razoável altimetria, teria certamente mais uns 2 km. Mas... Santiago foi-nos abrindo um belíssimo trilho, que parcialmente não consta das cartas, com uma subida mais gradual... e reduzindo até ligeiramente a distância. O Universo é Inteligente! Será este, naturalmente, o percurso aconselhável como Caminho.
À descoberta de um Caminho... que nos foi "aberto" por Santiago
E assim, ao meio dia estávamos na minúscula aldeia de As Cortizas, já a sul das também pequenas aldeias de O Rodeiro e O Redondo. Do Roxelio tínhamos trazido tortilla... e mais uma vez a hospitalidade e simplicidade das populações rurais rapidamente nos deu uma sombra e duas cadeiras
Almoço em As Cortizas, 12h00
para o nosso almoço. Sozinha, uma humilde aldeã ofereceu-nos água... e confessou estar numa depressão que se mostrava evidente.
Pouco depois das 12h30 estávamos na GR55; tínhamos ido ao encontro do percurso previsto, por um belo trilho e sem aumento de distância. O destino era agora Monfero.
Mosteiro de Monfero, 21.06.2025, 14h07
O Mosteiro de Santa María de Monfero é um dos mais notáveis mosteiros medievais da região, com uma história rica que atravessa séculos de espiritualidade, arte e cultura. A sua origem remonta ao século X, quando existia no local uma ermida dedicada a S. Marco, e herdando portanto o impulso monástico que São Rosendo ajudara a estabelecer na região. Reconstruído em 1134 por iniciativa de Afonso VII, passou a integrar a Ordem de Cister 13 anos depois, numa linhagem monástica diferente da beneditina de São Rosendo, mas com valores semelhantes de austeridade e de oração.
Quando chegámos, o Mosteiro tinha fechado ... 7 minutos antes... 😢
O mesmo Universo que nos havia brindado com uma bela alternativa à ziguezagueante subida do vale do Eume... não quis que pudéssemos visitar o Mosteiro de Santa María de Monfero. Esperar pela reabertura, às quatro da tarde? O calor, as poucas sombras e a perspectiva de terminarmos a etapa às seis ou mais, ditaram que prosseguíssemos... sem blasfemar; o peregrino agradece, não exige...
Igreja de San Fiz de Monfero, 15h05
... e, pouco antes, numa pausa de descanso... com 2 amigos
Casa Rural "Graña da Acea", 15h30
Para esta 11ª etapa, tínhamos reservado alojamento na Casa Rural "Graña da Acea", uma antiga casa de lavoura do Séc. XVII convertida pela família. A simpática proprietária já antes me tinha informado não haver nada nas proximidades, pelo que, a nosso pedido... fez-nos um opíparo jantar de tortilla; e...
ata o Godello brillou con luz propia... foi pura maxia embotellada... 😋
Jantar na Casa Rural "Graña da Acea": um brinde à Amizade, à Saúde, à Felicidade... um apelo à Paz! 🙏
Estávamos a menos de 90 km de Santiago! Faltavam-nos 5 etapas! Mais do que isso... no dia seguinte, em Betanzos, iríamos entrar em definitivo no Caminho Inglês. O Caminho do Mar e dos Apóstolos, na sua vertente "à descoberta"... estava a chegar ao fim... ou ao ω que antecede um novo α ...

(Crónica escrita entre 04 e 06.07 e publicada a 06.07.2025)                   
Crónica anterior                                                          Continua em breve