domingo, 7 de julho de 2024

Caminho Inglês (Prólogo)

Nos portos galegos acentuábanse por centos os peregrinos das Ilhas Británicas... dos Países Baixos... dos Mares do Norte...

Nos primeiros séculos do fenómeno jacobeu, aqueles que decidiam fazer uma peregrinação a Santiago de Compostela a partir das Ilhas Britânicas, da Holanda ou da Escandinávia, tinham de atravessar o Mar do Norte e/ou o Canal da Mancha, para depois seguirem um longo percurso
por terras francas, navarras, castelhanas e galegas, numa viagem perigosa e cheia de riscos. Diante disso, algum armador resolveu aproveitar os avanços náuticos da época para reabrir as antigas rotas comerciais com a Península Ibérica (atravessadas alguns séculos antes pelos drakkars vikings e normandos) e transformá-las numa nova rota económico-espiritual na qual, além de tecidos ingleses, vinho, carne ou azeite galego, transportavam também passageiros, geralmente grupos de peregrinos burgueses, comerciantes ou rentistas, em busca da salvação das suas almas. A opção resultava numa viagem muito mais curta e segura, com viagens marítimas e terrestres, refeições e um guia no seu próprio idioma.
Assim, ao longo dos séculos XII a XV, centenas de peregrinos ingleses, irlandeses, galeses, escoceses, bretões, holandeses, alemães e nórdicos desembarcavam diariamente nos portos galegos, a maioria em Ferrol e na Corunha. Os navios pagavam taxas alfandegárias significativas ao Capítulo da Catedral e ao Tesouro Real, não apenas pelas mercadorias, mas também por cada passageiro transportado, transformando este negócio numa enorme fonte de renda para a Cúria Compostelana e para a Coroa.
Assim o relatou o grande viajante e peregrino William Wey em 1456, depois de quatro dias navegando de Plymouth para o porto da Corunha, em cuja baía contou 84 navios ancorados, 37 deles com a bandeira inglesa: "No porto havia muitas pessoas da Inglaterra, País de Gales, Irlanda, Normandia, França, Bretanha e outros lugares". Após a viagem marítima, os navios esperavam 7 ou 8 dias, que dedicavam à transferência e carregamento de mercadorias; enquanto isso, os grupos de peregrinos deslocavam-se a Santiago (a pé, em caravanas de carroças ou em cavalos alugados), onde faziam as suas oferendas ao Apóstolo, retornando depois ao porto para zarpar de volta ao seu país de origem.
                                                                                                                                                     (Fonte: gronze.com)
A caminho do Caminho...
Não somos ingleses ou nórdicos, nem estamos a atravessar o mar cantábrico, mas somos quatro peregrinos que vamos "desembarcar" do autocarro em Ferrol, mais logo ... para começarmos amanhã o Caminho Inglês. Dez anos depois dos Caminhos de Santiago terem entrado na minha Vida, aos 60 anos ... 14 Caminhos de Santiago depois ... cá estou de novo, aos 70 anos, a caminho do Caminho ... a caminho do α que se seguirá sempre ao ω. E quem são estes quatro peregrinos? Bem ... o autor destas linhas, o amigo Joaquim Gomes e o "mano" Zé Manel Messias, ambos companheiros do
Caminho de Assis, além de outros Caminhos e outras "aventuras"; e a "mana" Cristina, que além também de outras "aventuras" ... percorreu comigo, há 10 anos, o "Caminho da Aventura" ... o meu primeiro Caminho de Santiago.
Braga, 07.07.2024, 13h10 ... uma vez reunida a equipa para o Caminho Inglês
Uma vez desembarcados na Ibéria, o Caminho Inglês é por natureza um Caminho curto. Desde Ferrol são sensivelmente 112 km e desde A Coruña pouco passa dos 70 km. Muitos peregrinos actuais aproveitam para realizar os dois traçados. Foi também essa a minha opção, adoptada igualmente pelos meus companheiros de equipa ... na qual não se inclui a peregrina do meu Caminho da Vida; os desníveis do percurso, seguindo o mais possível as rotas históricas, seriam penosos para ela.
Mas voltemos precisamente à história: a chegada de peregrinos por mar aos portos galegos diminuiu a partir do século XVI, como consequência das ideias de Martinho Lutero e da ruptura de Henrique VIII com a Igreja Católica. As tradicionais querelas entre Espanha e o Reino Unido ajudaram ao declínio, especialmente a guerra de 1585 a 1604, com os ataques de Francis Drake a cidades costeiras e o desastre da "Invencível Armada". A rota marítima destinada aos peregrinos do norte foi assim declinando gradualmente, até que nos séculos XVIII e XIX praticamente deixou de ser utilizada. À semelhança de outros, o Caminho Inglês só foi recuperado e sinalizado nos anos 90 do século passado, graças às associações de peregrinos e à colaboração de várias câmaras municipais e outras.

Quanto a nós ... amanhã iniciaremos o Caminho, em Ferrol. Para nós 4 portanto ...  Bo Camiño  !

(Continua para as etapas)                           

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