terça-feira, 31 de outubro de 2017

Fontes Lares ... em dia de Halloween

Uma semana depois de uma caminhada de 130 km ... uma caminhada de 9 km. Uma semana depois de um desafio a testar os limites, da porta de casa ao Santuário de Fátima non stop ... uma caminhada serena e com uma longa pausa, num outro "santuário": as "minhas" Fontes Lares.
Em terras de Vale de Espinho desde sábado, na tarde do último dia de Outubro - dia de Halloween, ou das bruxas -  as Fontes Lares chamaram-me, como tantas outras vezes. Aquele local é mágico, tem uma energia especial. Sente-se o brotar da água vinda do ventre da terra, sente-se a energia telúrica ... sente-se o peso das histórias ali vividas, das vidas a que ali ficaram ligadas...
Saí de Vale de Espinho pelo Cabecinho, rumo ao geodésico que recebeu o nome da aldeia, há muitos anos rodeado por denso carvalhal. Depois, a partir da Có Pequena, segui o velho caminho para o Seixel e a Serra Madeira. E pouco depois das três da tarde estava nas "minhas" Fontes Lares.
Apesar da interminável seca que nos assola, da fontinha "sagrada" das Fontes Lares brotava água límpida, fresca e saborosa. E ali, onde tantas vezes os mistérios me levam, onde já dormi sob as estrelas, onde dormem eternamente dois pares de botas históricas, ali, de onde se contam velhas lendas envoltas na bruma do tempo, contos aprendidos a uma lareira quase apagada ... ali fiquei quase uma hora, meditando, entregando-me ao Universo, à terra.

Fontes Lares, 31.10.2017 ... sempre as minhas Fontes Lares
Água sagrada...
Barroco sagrado...
Em entrega à Terra, ao Ar, ao Cosmos ... ao Universo
Como não hei-de chamar "santuário" àquele barroco, àquele local mágico, às pedras da velha casa, hoje em completa ruína, que viram passar os pais e avós da pequena estrela cuja Vida um dia se viria ligar à minha? Casa que eu próprio ainda conheci de pé, há mais de 4 décadas ... e onde, no que dela resta, continua o que resta das minhas velhas botas, que palmilharam léguas sem fim...

Um par de botas, as mais recentes, jazem
sobre o que foi a parede da velha casa...
E no interior, onde a vegetação invadiu o que já foi um lar,
as botas mais velhas parecem querer começar a criar vida!
O regresso foi pelos Linhares, ou Nheres, como a área costuma chamar-se na gíria local. Os campos anseiam pela prometida chuva. Que venha ela, mansa e farta! Mas, nesta prece pela água da vida, os campos de Vale de Espinho continuam contudo a respirar beleza e magia. As cores outonais, os ouriços mostrando as suas castanhas, o dia a declinar, a Lua a elevar-se no céu ainda azul, o Sol a deitar-se por trás da Malcata, numa explosão de cor ... foi neste sonho acordado que fui descendo até esta minha aldeia, que me adoptou e que adoptei ... há daqui a pouco 45 anos!

Há formas fantasmagóricas nos velhos castanheiros dos Nheres...
Way back ... através de um mundo encantado...
A Lua eleva-se no
céu ainda azul ...
... enquanto o Sol se vai recolher como sarça ardente!
Antes das seis horas estava a entrar em Vale de Espinho pelo Cabeludo ... mas o "trânsito" estava complicado... 😊 Rapidamente a noite caiu ... a noite de Halloween. Ao chegar a casa, não tinha figuras estranhas nem abóboras com olhos ... tinha, isso sim ... umas prometidas e saborosas mílharas, mais conhecidas por papas de carolo! As feitas pela minha estrela são as melhores do Universo...

Entrada em Vale de Espinho ... com trânsito complicado 😊
Ver o álbum completo
Mílharas (papas de carolo) ... uma iguaria e tanto!

terça-feira, 24 de outubro de 2017

Bobadela - Fátima non stop ... testando os limites
130 km em 27 horas e meia

Em Abril de 2012 - já lá vão mais de 5 anos - testei os limites da minha resistência na minha primeira travessia non stop de longo curso: da Malcata à Gardunha: 54 km de serra, com mais de 1800 metros de desnível acumulado, em 13 horas e 20 minutos.
No ano seguinte fiz 60 anos ... e quis dar-me a mim próprio a prenda de completar 60 km num dia; acabaram por ser 62 km, em 14 horas, da várzea de Loures à costa Oeste. Dois anos depois, nas mesmas 14 horas ... fui da Bobadela a Santarém: 72 km daquilo a que chamámos uma aventura insana; e essa insanidade sã ... criou em mim a ambição de chegar aos 100...; em Setembro de 2016, fui da Bobadela a Santa Cruz, via Estoril e Ericeira: 102 km em 20 horas.
Como já tenho dito, claro que não é este o meu ideal de caminhadas. "Eu sou lá dos montes que medem o céu", dos grandes espaços, dos paraísos perdidos em que me perco, sentindo a energia das escarpas e barrocos, das torrentes e ribeiras a pulular de som e de vida … saltando as fragas. Mas aquelas quatro "aventuras insanas" ficaram memoráveis; da última, o jornal "Badaladas", de Torres Vedras, noticiou a "proeza". Chamemos-lhe desafio pessoal, ou teste de resistência. Sem obrigação de nada ... e muito menos de provar alguma coisa seja a quem for. E como um dia tem 24 horas ... o "bichinho" continuou a roer cá dentro. Quanto é que estas sexagenárias pernas seriam capazes de percorrer num dia?...
Do desafio ao esboçar de um plano ... mediou o sonho. Santa Cruz seria repetir duas destas "aventuras", acrescentando-lhe distância. Nos meus paraísos, nos "montes que medem o céu " ... os desníveis acumulados seriam imensos. Santiago, o destino dos Caminhos a que o destino me ligou ... está lá longe; mas ... Fátima está mais perto! E Fátima passou a bailar no meu imaginário ... como destino do último dos meus desafios non stop. Da porta de casa ... ao Santuário de Fátima!

23.Out.2017, 17h55 ... 5 minutos depois começaria o grande desafio...
Uma questão de Fé? Não sei. Como costumo dizer ... não sei o que sou ... mas sei que, particularmente os Caminhos de Santiago, me têm atraído mais e mais. O "Caminho do Tejo" - Caminho de Fátima e de Santiago - já o percorri várias vezes; ainda em Julho passado fui de Santarém a Fátima com a minha Mana Paula, em dois dias. Mas o desafio agora era duplo: estabelecer novo "record" de distância percorrida num dia (24 horas) ... e fazer de casa a Fátima na modalidade non stop (apenas poucas e curtas paragens). Como 24 horas implicam uma noite, a primeira decisão era escolher a hora de partida; escolhi as seis da tarde, por forma a que a noite coincidisse com a parte mais plana e mais simples do percurso, até Santarém. E assim, às 18 horas em ponto ... estava de partida.

Alverca, 19h35 ... o Sol já se havia posto há quase uma hora...
Ao delinear esta "aventura", procurei seguir o mais possível o "Caminho do Tejo". Mas, para encurtar distância, evitei alguns troços que a aumentariam, como a várzea do Trancão, por exemplo, substituída por Pirescoxe e Santa Iria da Azóia. E anoiteceu à entrada da Póvoa de Santa Iria. A azáfama de gente a chegar dos empregos, ou à espera nas paragens de autocarro ... faziam-me imaginar o que pensariam de um peregrino que "corria" célere rumo ... sabe-se lá onde pensariam! Sim, porque nas primeiras horas eu não corria (não gosto de correr) ... mas "voava". Às 19h35 estava em Alverca ... hora e meia depois entre Alhandra e Vila Franca, quando decidi fazer a primeira paragem ... junto ao painel do Caminho de Santiago! Tinha 18,7 km em menos de 3 horas ... a uma média de 6,6 km/h

Painel do Caminho de Santiago, passadiço entre Alhandra e Vila Franca de Xira, 20h50
21h30 - Vila Franca de Xira e o Tejo
Vila Franca de Xira ficou para trás. A noite, essa ia avançando. Desde a Castanheira do Ribatejo quase até ao Vale de Santarém ... tinha a linha do combóio por companhia. Cerca de 35 km, maioritariamente por caminhos rurais encostados ao lado sul da linha, excepto na Azambuja e nas Virtudes. Pouco antes das onze e meia, junto ao apeadeiro de Vila Nova da Rainha, mandei para a família alargada a mensagem ... "Durmam bem 😊"; estava com 33 km percorridos.

Apeadeiro de Vila Nova da Rainha, 23h26, 33 km
Igreja de Virtudes, 01h40, 44 km
Caminhar de noite ... é outra forma de caminhar.
É caminhar um pouco dentro de nós próprios, é ouvir os sons da noite. Raras vezes acendi o frontal. Uma vez ou outra olhei para trás. Quem me seguia? Ninguém; só eu e as sombras da noite. Mas junto ao ramal do Setil, aí sim, havia um pequeno grupo de trabalhadores, empoleirados a trabalhar nas catenárias, quase às 3 horas da manhã. Tão ou mais espantados de me verem como eu a eles, um deles dirigiu-me a palavra: "Então, compadre, o que anda a fazer a estas horas?". Respondi-lhe: "Antes da próxima noite quero estar em Fátima ". E lá ficaram a olhar-me ... certamente pensando que tinham visto um extraterrestre... 😌. Extraterrestres não seriam certamente ... mas por volta das 4 da manhã "persegui" umas estranhas luzes vermelhas que apareciam nos campos. Quanto mais delas me aproximava ... mais as luzes pareciam afastar-se. Ainda agora estou para saber o que eram...
03h55 - Olhos na noite?...
Às cinco da manhã, passo próximo do Vale de Santarém. É então que, pouco depois, deixo o Caminho tradicional, para suavizar e encurtar a subida para Santarém ... e para o encontro combinado com a minha Mana Paula, a minha Mana dos Caminhos Ligados.
A entrada em Santarém foi assim pela EN3, rumo depois à zona do Hospital Distrital. Ainda mediaram 8,5 km, percorridos em cerca de hora e meia. A "bênção" da Paula foi assim uma bênção madrugadora ... mas acompanhada de uma surpresa; aquele cacau quente e aqueles bolinhos estavam abençoados ... e souberam-me a manjar dos deuses!
Entretanto o dia já nascera. E regressara ao Caminho. Antes das 8h estava na Portela das Padeiras, com 71 km percorridos, mais de metade da distância total. Na altura, ainda passava pelo meu imaginário a possibilidade de chegar a Fátima ao cair da luz do dia. Sabia que a parte mais exigente estava para vir ... mas também sabia que, se em Santarém tinha tido a bênção da Mana Paula, algures mais à frente iria ter a "bênção" e a companhia do Mano Zé Manel Messias 😊

07h43 ... Santarém já ficou para trás ... e o dia já nasceu!
08h42 ... e já "só" faltam 50 km para Fátima!
09h40 ... no Cantinho dos Peregrinos, do Sr. Francisco Torres, entre Azóia de Baixo e Advagar
Quando passei com a Mana Paula no Cantinho dos Peregrinos, no passado dia 30 de Junho, ela ficou encantada com o Sr. Francisco, com toda a envolvência deste Cantinho por ele construído. Pois agora, estava eu a uns metros de chegar àquele lugar emblemático ... e recebo o telefonema da Paula a perguntar-me se está tudo bem, onde estava...! Mistérios do Caminho!
Um tanque de água fresquinha, à entrada de Advagar, foi um autêntico bálsamo para uns pés que se começavam a queixar dos mais de 80 km já palmilhados e das 17 horas de marcha em cima deles. A média geral continuava ligeiramente acima dos 5 km/h ... mas eu sabia que iria reduzir. Entretanto ... o Mano Zé Manel vinha ao meu encontro ... e providencialmente encontrámo-nos numa aldeia chamada Santos. O objectivo era acompanhar-me nalguns troços, voltar atrás buscar o carro, e assim sucessivamente; por outras palavras ... uma bênção sob a forma de presença e de força. Bem hajas também, Mano Zé! A felicidade do encontro foi tal que nos enganámos à saída de Santos; erro rapidamente corrigido ... e seguido de uma pequena paragem alimentícia no Arneiro das Milhariças.

13h24 ... a caminho dos moinhos da Serra
da Cruz (Fotos: José Manuel Messias)
A subida aos moinhos da Serra da Cruz foi o primeiro declive acentuado a vencer. Ainda não era uma e meia. Depois, o rumo era Amiais de Baixo e Monsanto. Não era preciso passar nos Olhos de Água do Alviela, embora passando perto.

14h58 ... Monsanto à vista ... e a Serra de Aire lá atrás...
Entre aquelas duas povoações, às 14h44 ... eu completava 100 km desde o início, há quase 21 horas atrás! Daqui para a frente e até às seis da tarde ... tudo o que fizesse seria record pessoal de distância num dia. Mas de Monsanto para a frente ... o que faltava era "só" o troço com maiores desníveis até Fátima. Nomeadamente o temível Covão do Feto e a Costa da Azinheira ... onde os horizontes se abrem sobre Minde e todo o vale que antecede o Covão do Coelho.

Covão do Feto, 15h20 ... À Mãe...
17h15 ... Minde, vista do "miradouro" natural do alto da Costa da Azinheira
Às seis da tarde estávamos em Minde. O Mano Zé Manel entretanto já tinha ido pôr o carro em Fátima e vindo ao meu encontro. O meu "conta quilómetros" marcava 110 km ... portanto a distância percorrida nas 24 horas acabadas de completar. E para Fátima faltavam ainda ... 17 longos quilómetros. Nunca levaríamos menos de três horas, na melhor das hipóteses. Com a noite a cair...
Passa das 21h ... entramos em Fátima!
É em alturas como esta que o psicológico tem (ou não) um poder imenso. Apetecia-me levitar, andar com os pés no ar...; porque de resto, a nível muscular, estava perfeitamente bem. E é nestas alturas também que a companhia de Amigo(a)s, de Mano(a)s, tem também um poder imenso. A perseverança - eu diria até a Fé - do Mano Zé Manel, transmitiu-me a energia que me estava a faltar para o troço final. À hora de o Sol se recolher estávamos no Covão do Coelho. A partir daí, com a noite a cair, preferi optar pelo Caminho dos Valinhos, entrando portanto em Fátima pelo sul. Mas, embora plano ... aquele interminável troço foi, sem qualquer dúvida, a parte que mais me custou em todo este desafio. A sensação era, nitidamente, a de que alguém estava "do outro lado" a esticar o "tapete", a interminável recta que parecia não ter fim. O Zé Manel repetia: "pára um pouco; come; bebe água ". Eu água bebia ... mas repetia que "agora só páro no fim ". E o fim chegou às 21h30. Entrámos na área do Santuário, onde pela 4ª vez cheguei a pé ... mas desta vez a sensação foi a de estar a entrar no Céu...

Fátima, 21h30 ... e a Luz ilumina a consagração da chegada
Pensei que, a um dia de semana e àquela hora, fosse encontrar meia dúzia de pessoas. Mas ... nos ares ecoava uma "música celestial". As velas acesas e em movimento por uma multidão emprestavam ao ambiente um ar místico e mágico. Exactamente a entrarmos no recinto do Santuário ... tocam os nossos dois telefones; eram as nossas duas "estrelas" ... a quem o Universo disse que tínhamos chegado... Mistérios insondáveis do Caminho...
E foi assim, no fim desta "maratona" a que me desafiei ... que o Universo me quis receber ... e de braços abertos, como tantas vezes ... a ele me entreguei.
Não consegui entrar na Capelinha das Aparições, tal a quantidade de crentes que ali se encontrava. Mas, cá fora, ao meu modo, ao modo de quem não sabe o que é ... rezei pela Saúde, Paz e Felicidade de todos os meus entes mais Queridos. Rezar ... não é também falar com o Universo?
Agradeci também ao Universo ter trazido para o meu Caminho os Amigos que são mais que Amigos, que são Manos e Manas, uns recentes, outros vindos já da noite dos tempos. Todos os de quem falo sabem de quem falo. Assim como o Caminho não é só o chão que pisas ... também a Família não é só a que herdámos nos genes e fazemos perpetuar. O Caminho és tu mesmo que o trilhas! A Família és tu mesmo que a constróis! Obrigado Universo! Obrigado Destino! Obrigado Vida!

domingo, 22 de outubro de 2017

Na rota dos rios, levadas e poldras...
ou o paraíso no meio do inferno...

Para este fim de semana de 21 e 22 de Outubro, os Caminheiros Gaspar Correia tinham agendado a sua actividade para a zona de Oliveira de Frades e de Vouzela ... terras que foram mártires na trágica voragem incendiária do domingo anterior.
As imagens dantescas com que os media nos têm bombardeado e o cenário que fomos vendo em vastas áreas ao longo da A1 e A25, faziam-nos prever um cenário de devastação ... ou de terrorismo organizado, permitido e "fomentado" ao longo de décadas e de sucessivos (des)governos. Contudo, assim que iniciámos a primeira caminhada, em Arcozelo das Maias, sentimos que estávamos talvez a entrar ... num paraíso a meio do inferno. O percurso teve início junto à antiga estação dos caminhos-de-ferro (actual sede da Associação "Cultura") e foi uma mistura da Rota do Gaia (PRM2) com um pouco da Rota dos Rios e Levadas (PRM1).

Antiga Estação de combóio de Arcozelo das Maias, 21.10.2017
O principal motivo de interesse eram as zonas ribeirinhas do Rio Gaia, onde as paisagens verdejantes e as pequenas quedas de águas são cenários constantes. Descendo através das leiras e por caminhos agrícolas - os “caminhos dos moinhos" - chegámos ao rio Gaia e à deslumbrante queda de água da foz da Ribeira da Lavandeira, prosseguindo depois pela outra margem, onde se sobrepõem o PRM1 e PRM2, passando por cima da cascata e seguindo ao longo do rio.

Rio Gaia ... um autêntico paraíso incólume, em terras que foram mártires
Seguidamente, o trilho afasta-se do rio, subindo em direcção ao Cabeço da Raposa e descendo, novamente, às suas margens e aos bosques em galeria, repletos de carvalhos, loureiros, fetos e piscinas naturais. O som da água corrente acompanha esta aventura; com paciência e algum tempo, seria possível observar o guarda-rios que, sem descanso, patrulha as margens do Gaia.

Dir-se-ia que caminhávamos num mundo imaginário, por entre obra de fadas e duendes
Chegamos à imponente ponte do Gaia, que serve a EN 16. A montante encontra-se a Ponte de Coifas (ponte medieval da antiga estrada real), assente no espelho de água, que facilmente nos transporta para um cenário bucólico. Com uma breve passagem no chamado caminho da Rainha - estrada nacional substituída pela EN16 – terminámos a nossa primeira e belíssima caminhada.

Ponte do Gaia, na EN 16
Mais fotos do paraíso do Gaia
Terminada a jornada, rumámos às Termas de S. Pedro do Sul. À nossa volta tínhamos agora o inferno em que se transformou toda esta zona há apenas uma semana. Optei por não fotografar o inferno. A organização deste fim de semana caminheiro, a cargo de dois amigos que são filhos destas terras, esteve para cancelar a actividade, na sequência da tragédia. Mas, reconsiderando - e muito bem - optaram por mantê-la, com uma pequena adaptação na segunda caminhada. Não tenho qualquer pudor em partilhar que as palavras da Isabel, no autocarro, sobre essa primeira ideia e posterior reconsideração ... levaram-me às lágrimas; não só pelo que disse, como também pela forma como emotivamente o disse. Depois da catástrofe, as populações precisam que a Vida continue, que as pessoas venham, que a dinâmica recomece. Nos Bombeiros de Vouzela, o Grupo deixou donativos de primeira necessidade, como roupas de cama, alimentos não perecíveis, e mais. Solidariedade precisa-se ... além de uma governação que não abandone o interior e o que resta das nossas florestas.

Fataunços, 22.10.2017, 9h10 - Início
de caminhada, numa manhã gélida
E a segunda caminhada era na zona de Fataunços, curioso topónimo que terá tido a sua origem na botânica, dado que etimologicamente significa "local onde abundam fetos". Descemos em direcção a Bandavises e à ribeira de Ribamá, atravessada por um bem conservado conjunto de poldras e junto ao que resta de um imponente moinho de água. Estávamos, de novo, no paraíso.

Descida à Ribeira de Ribamá
e travessia das poldras
Seguiu-se um troço ao longo da antiga linha ferroviária do Vouga, com amplas vistas para S. Pedro do Sul e a serra ... com largas áreas devoradas pelas chamas criminosas, para depois inflectir de novo para sul, rumo a Figueiredo das Donas e à sua bem preservada calçada romana.

S. Pedro do Sul à vista
Calçada romana de Figueiredo das Donas
Já na parte final, junto à Ponte Pedrinha, cruzámos de novo a Ribeira de Ribamá pelas poldras junto ao Açude das Fidalgas, mais um dos muitos troços paradisíacos desta caminhada e deste fim de semana fabuloso. Foi, autenticamente, um lavar de vistas e de alma, no meio das imagens dantescas resultantes da tragédia do fim de semana anterior. O Universo é grande...

Travessia da Açude das Fidalgas, na Ribeira de Ribamá
Quem ajuda quem?... 😉 (Foto: António Mousinho)
Já no autocarro, dirigimo-nos a Vouzela. Eram horas de almoço ... e a actividade ia terminar com uma boa vitela de Lafões e um pequeno passeio em Vouzela ... onde mais uma vez, como em tantos outros lugares ... os Caminhos de Santiago parecem chamar-me, parecem fazer parte de mim. Parecem não ... o Caminho faz parte de nós ... e nós fazemos parte do Caminho! Trata-se, em Vouzela, da ligação entre o Caminho Principal e o Caminho Português do Interior. A Vieira de Santiago lá está, nalgumas casas senhoriais, a atestar que historicamente ali era, efectivamente, Caminho de Santiago.

Vouzela ... no Caminho de Santiago