domingo, 28 de outubro de 2018

No paraíso do Alto Águeda e Payo

Continuando em Vale de Espinho, depois da "aventura" em que levei mais de 30 aficionados às "portas do céu" ... o "deus" Xalmas guiou-me numa "aventura" de 32 km a solo, aos seus pés, em terras do Alto Águeda e do seu afluente Payo.
Navasfrias, 28.Out.2018, 6h55 ... com 3º abaixo de zero
Já em Março de 2014 ... de uma insónia surgiu uma caminhada de 45 km, não planeada, que me levara às terras do Alto Águeda. Mas, ao contrário da de há 4 anos e meio, esta foi estudada e gizada. O objectivo era um percurso circular a partir de Navasfrias, que me desse a conhecer o território das "tres rayas" - os limites das comarcas de Navasfrias, Casillas de Flores e Payo - e as terras por onde correm as águas daqueles dois rios. E assim, depois de uma noite mais longa uma hora, ao nascer do Sol estava em Navasfrias, deixando as 4 rodas junto à ponte do Águeda e embrenhando-me no magnífico espaço natural de El Rebollar, que integra os concelhos de Navasfrias, Payo, Peñaparda, Robleda e Villasrubias, pertencentes à Mancomunidad del Alto Águeda.

Ao longo do Águeda, entre Navasfrias e o Molino de la Orden
A parte inicial do percurso tinha forçosamente de ser idêntica à de Março de 2014. Optei apenas por um trilho ligeiramente mais a sudeste, não passando por alguns dos então visitados moinhos do Águeda. Antes das oito e com quase 6 km percorridos estava na Puente del Infierno. Já há 4 anos me interrogara sobre este curioso topónimo; um blogue de Navasfrias parece apontar para o facto de que o moleiro de um dos moinhos que ali existiram era conhecido por Tío Infierno ... vá-se lá saber porquê.

Puente del Infierno, sobre o Águeda. O
Sol ainda não "descongelara" os campos geados.
E da Puente del Infierno segui para leste, para o Valle de las Tres Rayas. Em 2014 tinha ali deixado o Águeda e rumado à Lageosa, de regresso a Portugal. Um belo trilho, ladeado de carvalhos e castanheiros, segue paralelo ao curso do rio, até às imediações do Molino del Villar.

Valle de las Tres Rayas ... pelo meio de pedras, memórias e mistérios...
Num mundo perdido, com formas fantasmagóricas: o rio Águeda junto ao Molino del Villar
500 metros a nascente do moinho do Villar e junto à estrada Payo - Fuenteguinaldo situa-se a medieval Puente del Villar, junto à foz do Rio Payo no Águeda. Por ali passava também a Cañada Real Extremeña, antiga via transumante entre as terras altas de Castela e os pastos mais temperados da Estremadura. A antiga Cañada Real constitui actualmente um percurso pedestre de grande rota - a GR187 - que entra em terras extremeñas pelo Puerto de Perales; a percorrer, um dia...

Puente del Villar, sobre o rio Águeda
Foz do Rio Payo (vindo da esquerda) no Rio Águeda (da direita), vistos da Puente del Villar
Na Puente del Villar, em plena
Cañada Real Extremeña
A partir da foz do rio Payo, o Águeda seguiu o seu curso para norte; eu rumei a sul, durante um pequeno troço inicial pela estrada Fuenteguinaldo - Payo e embrenhando-me depois de novo nos densos bosques de El Rebollar. E por entre a ramagem, de repente ... lá estava o "meu" Xalmas, o pico mítico e mágico que me guia e conduz, nas minhas "aventuras" raianas.

Por entre a luz e a cor dos bosques, perdido na sua magia ... de repente surge o Xalmas imponente!
Uma breve pesquisa que havia feito previamente na net falava-me de carvalhos centenários e numa antiga necrópole, já próximo da vila de Payo. E ali as encontrei, rochas escavadas, sepulturas antropomórficas ... descansando à luz e à guarda do deus Xalmas ... e de algum gado...

Carvalhos seculares, à
sombra do deus Xalmas
Antiga necrópole: sepulturas antropomórficas escavadas
na rocha, nos campos da Dehesa de Payo
Às onze e meia da manhã estava a entrar em Payo, com 19 km percorridos. Payo (ou Payu, no dialecto, ou fala, de El Rebollar) parecia uma povoação fantasma. Talvez poucos habitantes ... talvez efeitos de uma gélida manhã de outono e de um vento cortante. A fome já apertava, mas o único sítio um pouco mais abrigado para almoçar foi no banco encostado à Igreja.

Entrada em El Payo (ou
Payu) e Igreja, na Plaza Mayor
Qual não é o meu espanto quando, procurando entrar na Igreja ... dou de caras com os ícones de Santiago, na porta. Há tantos anos a calcorrear as terras raianas ... e não sabia que a Igreja de Payo tem como patrono Santiago Apóstolo! A Igreja estava infelizmente fechada ... mas terá sido Santiago a chamar-me para esta caminhada em terras do Alto Águeda? Quem sabe...
Igreja de Santiago, Payo, 28.Out.2018, 12h05
O Caminho não é o chão que pisas...
O Caminho somos nós...
E em Payo iniciei o caminho de regresso a Navasfrias. Era domingo e, nos campos, havia uma batida aos javalis. Avisaram-me para não sair do caminho; respondi, brincando, "yo no soy un jabali " ... mas não saí do caminho... 😊. O próximo destino era a ponte romana de El Gaz, sobre o rio de Payo.
Ponte romana de El
Gaz, sobre o rio de Payo
Estava de novo nas margens do rio de Payo, que agora ia acompanhar para norte, até aos açudes de La Pesquera e ao Charco Palo. Formadas pela retenção da água em represas outrora ao serviço de um moinho, mais tarde convertido em hidroeléctrica, sucedem-se ali autênticos paraísos ribeirinhos, em boa hora adaptados a áreas de lazer, com fontes, mesas, bancos e grelhadores. Apesar do gélido domingo, meia dúzia de pessoas e de crianças por ali andavam também a desfrutar da Natureza.

Açude de La Pesquera
e respectiva área recreativa
O rio Payo ao longo da área do Charco Palo: um verdadeiro paraíso no espaço natural de El Rebollar
Faltavam-me menos de 6 km para Navasfrias. Mas esses 6 km continuaram a ser um autêntico desfile de cores e de brilhos. Com alguma imaginação, nos carvalhos e castanheiros eu via os duendes do bosque a cantarem a alegria da Vida, do Sol ... e até da água que continua a fazer falta cair dos céus. Xalmas, deus vetão das águas ... tem de providenciar a rega destes paraísos aos seus pés.
Cruzando os trilhos do Paraíso...
14h30 ... com Navasfrias à vista e quase 32 km nos pés
Mais dez minutos e estava a cruzar de novo o Águeda e a regressar ao "bólide", que descansara em Navasfrias; e pouco depois das três da tarde estava de regresso ao meu retiro em Vale de Espinho. Nas minhas "aventuras" a solo ... tinha enchido os olhos e a alma com mais instantâneos de uma Natureza que nunca me canso de admirar.
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