sábado, 25 de novembro de 2017

Caminhos do Freixial

Desde o início de Setembro que não caminhava com os "Novos Trilhos", quando da travessia Foz do Arelho - São Martinho do Porto. Quase três meses depois ... a caminhada de hoje foi bastante mais perto, pelos caminhos do Freixial, ali entre Bucelas e o Cabeço de Montachique, na região saloia.
À saída do Freixial, 25.11.2017, 9h05
Às nove em ponto estávamos a sair do largo principal do Freixial, subindo ao longo da Ribeira do Juncal, afluente do Trancão. Um belo trilho! Às portas de Lisboa, dir-se-ia que estávamos no verde Minho, ou noutras paragens distantes.
Meia hora e estávamos na Chamboeira; mais meia hora e passávamos junto ao Parque do Cabeço de Montachique, para rumar a sul, rumo a Casainhos e Pintéus. Num dia cinzento, a esperança na chuva não passou contudo de uma morrinha leve e passageira.
Ao longo da Ribeira do Juncal. Dir-se-ia que estávamos em paragens distantes.
E os horizontes abrem-se...
À entrada de Casainhos, 10h40
Entre Casainhos e Pintéus, nem sempre a progressão foi fácil... 😊. Alturas houve em que o trilho como que formava um túnel de silvas ... alturas houve em que não havia trilho... 😛. Mas pouco depois do meio dia estávamos em Pintéus, cruzando a Ribeira de Fanhões.
Novos Trilhos ... fazendo trilho
Moinho do Murtal, Pintéus
Pintéus, pequena aldeia pertencente já à freguesia de Santo Antão do Tojal
Cruzada a Ribeira de Fanhões, em Pintéus, subíamos agora a Serra das Galegas, para o alto do Mosqueiro e a respectiva Estação Eléctrica ... junto à qual fizemos umas pequenas "derivações"; leia-se ... uns pequenos enganos no trilho 😜. Rodeámos os painéis e a Estação Eléctrica e pouco depois das duas tínhamos Bucelas à vista e o vale do Trancão, para depois rumarmos a noroeste, pela crista dos Picotinhos, passando no que resta, infelizmente muito pouco, do Forte do Picoto, pertencente à segunda linha do sistema defensivo das Linhas de Torres Vedras.

Encosta Oeste da Serra das Galegas, Fanhões: moinhos ... de estilos e séculos diferentes...
Panorâmica sobre Fanhões
E ... Bucelas à vista
Ao longo da crista dos Picotinhos, entre Fanhões e o vale do Trancão
Às três da tarde, já com 20 km percorridos, tínhamos o Freixial de novo à vista. Faltava-nos apenas descer da crista ... e atravessar zonas onde as cores do Outono se exibiam de novo no seu máximo esplendor, mesmo à entrada do Freixial, junto ao antigo Palácio do Visconde do Rio Seco, do século XVII, actualmente uma Residência Senior.

Descida da crista dos Picotinhos para o Freixial
Belas cores outonais, à entrada do Freixial
Antigo Palácio do Visconde do Rio Seco (Palácio Freixial)
E às três e meia da tarde, com um pouco mais de 23 km percorridos, estávamos de regresso ao ponto de partida. Quis o destino que, com estes 23 km ... eu ficasse exactamente com 1700 km percorridos este ano ... por fragas e pragas. Até ao fim do ano ... vamos ver quantos mais... 😊

Freixial, 15h32 ... e regressámos ao ponto de partida. No meu caso ... exactamente com 1700 km percorridos este ano...
No largo onde deixáramos os carros, uma lápide recorda-nos a vivência de Alves Redol no Freixial, entre os anos de 1952 e 1969. Ali escreveu, entre outras, a obra "Constantino Guardador de Vacas e de Sonhos". E foi junto à lápide que fizemos as despedidas ... não sem antes brindarmos a um aniversariante presente nesta bela jornada, como é tradição nos Novos Trilhos.
Ver o álbum completo

sábado, 18 de novembro de 2017

Por terras de Abu Danis (أبي دانس)

A pouco mais de um mês do fim de um Outono que continua a parecer Verão, os Caminheiros Gaspar Correia tinham a sua actividade de Novembro agendada para as terras do Sado.
Bairro do Olival Queimado, Alcácer do Sal, 18.11.2017
Durante o domínio romano, Salacia, como então se chamava Alcácer do Sal, era tão importante que os seus habitantes tinham o privilégio de cidadãos de Roma. Essa importância manteve-se durante a dominação visigótica e árabe, de tal modo que o Castelo foi um dos mais fortes da Península Ibérica nesse tempo.
A caminhada começou no bairro do Olival Queimado, ligeiramente a norte de Alcácer, caminhando em direcção ao Sado.
Ao longo da vala de irrigação, a norte
dos bairros do Olival Queimado e S. João
E chegamos ao grande Rio, o Sado, infelizmente com as suas margens muito mais baixas do que seria de esperar
Seguiu-se um percurso de quase 7 km ao longo da margem esquerda do Sado. Com uma produção média anual de seis toneladas por hectare, o cultivo do arroz é uma das principais actividades económicas de Alcácer do Sal. A actual seca tem contudo levado a uma quase total paragem, dado que a maioria dos arrozais estão fora de água. Os bandos de aves continuam no entanto felizmente a pairar sobre o rio e as suas margens lodosas e ricas em salicórnia, substituto natural do sal.

Ao longo da margem esquerda do Sado ...
... acompanhados por grandes bandos de aves voando para sul
Salicórnia (Salicornia ramosissima) planta halófita que é um substituto natural do sal
Pouco depois do meio dia e meia hora estávamos sob a ponte nova de Alcácer, a ponte do IC1. Numa caminhada sem qualquer desnível, tínhamos feito 11,1 km em menos de 3 horas, o que é uma boa média no grupo. E ali almoçámos, à vista do Sado, da cidade e do seu Castelo.

E continuamos para sul,
acompanhados pelas cegonhas
E estamos quase na velha Salacia romana, ou a Qasr Abu Danis árabe (قصر أبي دانس)
A única subida desta jornada foi precisamente para o Castelo, passando pelo Santuário do Senhor dos Mártires, um dos templos cristãos mais antigos do país, necrópole pública desde a Idade do Ferro, que foi depois uma Ermida de romagem e panteão dos Mestres da Ordem de Santiago.
Santuário do Senhor dos Mártires, Alcácer
Alcácer do Sal é aliás ponto de passagem do Caminho de Santiago vindo do sul do país, por Santiago do Cacém e Grândola.
E a nossa jornada terminou precisamente no Castelo de Alcácer, onde hoje se localiza a Pousada D. Afonso II e a Cripta Arqueológica, que visitámos. Escavada no subsolo da fortaleza e do antigo Convento de Aracaelli, a cripta oferece uma verdadeira viagem no tempo. Vinte e sete séculos de história cruzam-se numa atmosfera única, em que é possível ver vestígios de todos os povos que viveram na colina aos pés da qual se ergue a cidade e que ali deixaram a sua marca, desde a Idade do Ferro aos períodos romano, visigótico e muçulmano.
Qasr Abu Danis - قصر أبي دانس - significa literalmente o castelo do filho de Danis. Mas a estrutura terá sido mandada construir em 1191 pelo califa almóada Ya’qub Al- Mansur. Da colina do Castelo, a panorâmica estende-se sobre o Sado, da cidade aos velhos arrozais e às margens a pedirem a chuva que não vem. E ali terminámos ... a parte pedestre deste sábado Caminheiro.

Alcácer do Sal e o Sado, vista da colina do Castelo
A actividade dos Caminheiros Gaspar Correia de Novembro inclui sempre um Magusto Caminheiro ... para repor energias... 😊. Desta vez, o convívio foi na Herdade da Barrosinha. Um lanche que foi mais um jantar, onde claro que não faltaram as castanhas, e, a destacar, uma divinal sopa de castanha com tirinhas de presunto; um autêntico manjar dos deuses!
Ver o álbum completo

domingo, 12 de novembro de 2017

Cores de Outono, na Serra da Estrela

Era uma vez um pastor que, no alto da serra, todas as noites conversava com uma estrela. O rei mandou-o chamar e ordenou-lhe que lhe desse a sua estrela, em troca de muitas riquezas e bens. O pastor preferiu contudo ser pobre do que perder a sua estrela ... e ao voltar à sua cabana ouviu uma doce melodia; era a estrela a cantar! Então, o velho pastor exclamou: "de hoje em diante, esta serra há-de chamar-se Serra da Estrela."
(Fonte: Literatura Portuguesa de Tradição Oral, s/l, Projecto Vercial - Univ. Trás-os-Montes e Alto Douro, 2003)
Na serra, ainda hoje se vê uma estrela que brilha de maneira diferente das outras, como que à procura do velho pastor. É a estrela Aldebaran, a mais brilhante da constelação do Touro. Há 6 mil anos, esta estrela nascia exactamente sobre a serra no final de Abril, quando os pastores neolíticos se deslocavam para as pastagens mais altas, onde permaneciam durante os meses quentes.

Panorâmica próximo da Torre, Serra da Estrela, 11.11.2017, 8h55
Não sei se o velho pastor se chamaria João, nem se a sua companheira, se é que a tinha, se chamaria Isabel ... mas o João e a Isabel, "velhos" apaixonados pela Serra da Estrela, residentes na Covilhã e companheiros em diversas "aventuras" por outras fragas, há muito que me desafiavam, e à minha estrela, para uma actividade nesta serra que é um pouco deles. E o desafio ... teve resposta neste fim de semana que acabámos de viver, com um grupo de mais de trinta outros amantes da montanha e dos grandes espaços. A Pousada de Juventude das Penhas da Saúde foi a base em que nos reunimos na sexta à noite ... e sábado às 8h30 estávamos a iniciar uma fabulosa caminhada.
Pátria granítica...
Partindo do cruzamento junto à Torre, a 1948 metros de altitude, bordejámos as ladeiras íngremes sobre o Covão Cimeiro, as Lagoas dos Cântaros e do Peixão e o fabuloso vale da Ribeira da Candieira, para depois rumarmos a noroeste, atravessando as Chancas.
Apesar do Sol, a água das lagoas estava cristalizada à superfície, formando uma grossa camada de gelo. Contudo, o solo, ali habitualmente bem encharcado, pouca ou nenhuma água continha, como consequência da seca que nos tem assolado.

Sim ... é gelo
mesmo!...
Antes das dez e meia estávamos no geodésico do Cume, a 1858 metros de altitude. O objectivo seguinte era a Lagoa dos Conchos, ou Covão dos Conchos. À primeira vista, parece uma lagoa vulgar, mas na realidade é uma pequena barragem que desvia as águas da Ribeira das Naves para a Barragem da Lagoa Comprida, através de um túnel com 1519 metros de comprimento, construído em 1955, cuja entrada é uma espécie de vórtice, ou funil, no extremo ocidental da lagoa. O funil do Covão dos Conchos é célebre nas redes sociais, onde já foi comparado ao cenário de um filme de ficção científica, com a água a precipitar-se para o seu interior. Nas minhas anteriores "aventuras" na Serra da Estrela, curiosamente nunca se tinha proporcionado conhecê-lo ... mas o baixo nível da água não nos permitiu ver se não as paredes de betão e granito daquele "misterioso" vórtice.

Barragem do Covão dos Conchos e o seu "misterioso" vórtice ... acima do nível actual das águas... 😪
Continuando a atravessar o planalto central, ao fundo avistávamos já os Fragões das Penhas Douradas. O almoço estava "marcado" para outro local emblemático da Serra, este já meu "velho" conhecido: a Nave da Mestra. Reza a história que um juiz, o Dr. Matos, construiu ali a sua casa de férias em 1910. A construção foi concretizada pela mão-de-obra vinda de Manteigas em cima de mulas, por um caminho que ainda hoje existe, ajudada por macacos hidráulicos utilizados para levantar as pedras gigantes, incluindo aquela que constitui o gigantesco telhado da casa.

A caminho da Nave da Mestra
Covão da Nave da Mestra, visto do cimo da respectiva Fenda de acesso, ou "talisca"
Descida da Talisca, fenda natural na rocha, que dá acesso à Casa do Juiz
A Casa do Juiz e o amplo Covão da Nave da Mestra
Pouco mais de meia hora para almoçar - e alguns ainda para uma sesta... 😛 - e pouco depois das duas estávamos de novo em marcha, a nordeste do geodésico do Piornal, de novo em direcção ao Cume.

Da Nave da Mestra ao Cume ... com vultos na paisagem...
Pouco depois das três e meia estávamos próximos da estrada da Lagoa Comprida e frente à Garganta de Loriga, com 17 km percorridos. Tínhamos sensivelmente mais uma hora e meia de luz ... o suficiente para completar a jornada com um tour pela parte superior daquele mítico desfiladeiro e pelas lagoas do Covão do Quelhas e Serrano, completando quase 23 km de serra.
Sobre o Covão do Boeiro e o Covão do Meio, na espectacular Garganta de Loriga
Lagoa do Covão do Quelhas
Lagoa Serrano
Cinco e um quarto, com o Sol a por-se ... e estávamos de novo no cruzamento da Torre, de regresso aos carros. A caminhada tinha sido durinha, mas estávamos de alma cheia. Cheia de Sol, cheia de cor, cheia de Vida! E mais tarde ... ficaríamos também cheios de um magnífico jantar e convívio, no Restaurante "Varandas da Estrela", mesmo junto à Pousada de Juventude.
Rota do Sol e das Faias
Para o segundo dia deste fim de semana serrano, os nossos "pastores" João e Isabel reservavam-nos a fabulosa paleta de cores de um percurso com base em Manteigas, misto do PR11 (Rota do Sol) e do PR13 (Rota das Faias). Pouco depois das nove da manhã estávamos a sair da vila, cruzando a Ribeira das Forcadas e subindo o pronunciado vale da Ribeira de Pendil, que há 4 anos descera, no segundo dia da minha Travessia da Serra da Estrela.

Rota do Sol (PR11), 12.11.2017: Manteigas fica para trás ... rumo ao Sol
À medida que deixávamos Manteigas para trás, o vale do Zêzere apresentava-se em toda a sua imponência. E antes das onze horas estávamos junto à Capela de S. Lourenço, com as aldeias do Sameiro e Vale de Amoreira aos nossos pés, nas margens do Zêzere.

O vale glaciar do Zêzere, visto do cimo do vale de Pendil
A caminho da Capela de S. Lourenço, o Outono dá-nos uma antevisão do que vamos encontrar na Mata das Faias
Capela de S. Lourenço ... na magia dançante do Sol e de um velho carvalho
Contemplando o vale do Zêzere, do miradouro
natural junto à Capela de S. Lourenço
A seguir à Capela e ao geodésico do mesmo nome ... entraríamos no paraíso! Sim ... os paraísos ainda existem. A Rota das Faias ziguezagueia na vertente oeste da serra de S. Lourenço ... e brindou-nos com uma autêntica explosão de cores e de tons. As imagens falam mais alto que quaisquer palavras...


Rota das Faias ... uma magia de cor, de sensações, do som das folhas pisadas, do vento na ramagem ... o paraíso existe!
E regressamos ao vale da Ribeira de Pendil ...
... e a Manteigas

À uma e meia estávamos de regresso à vila de Manteigas. O fim de semana aproximava-se do fim. E, fechando com chave de ouro o que foram dois dias fabulosos ... os estômagos foram aconchegados no restaurante "Vale do Zêzere". O desafio estava cumprido! Se a alma do velho pastor que adorava a estrela Aldebaran ainda paira pelas fragas da Serra ... é testemunha do muito que estas mais de trinta almas adoraram estas duas jornadas pelas cores do Outono serrano. Obrigado, João e Isabel! Das paisagens à Amizade, ao convívio, à organização (e até à gastronomia) ... tudo foi 5 estrelas nestas Cores de Outono, na Serra da Estrela!