domingo, 24 de agosto de 2014

Entre vales, cântaros e lagoas da Serra da Estrela

Companheiro de "aventuras" desde há quase dois anos, amigo cimentado na vivência dessas "aventuras", irmão no Caminho da Aventura rumo a Santiago e às terras do "fim do mundo" ... assim apresentaria quem me lançou o desafio para participar numa "aventura" por entre vales, cântaros e lagoas da Serra da Estrela. Estando eu na "minha" Vale de Espinho, depois da "aventura" em Gredos, não podia recusar ... nem queria recusar!
Briefing para uma caminhada entre vales, cântaros e lagoas
da Serra da Estrela - 23.Agosto.2014, 8:00h
E assim, antes das oito horas de ontem, sábado, lá estava junto ao Covão da Ametade, ao cimo do vale glaciar do Zêzere. O organizador e os participantes foram chegando, uns já conhecidos destas andanças ... outros passados a conhecer. O objectivo era um percurso circular que incluía a subida ao Cântaro Gordo, a descida à Lagoa dos Cântaros e ao vale da Candeeira, regressando ao Covão da Ametade para um convívio à volta de um churrasco ... e acampando no Covão da Ametade, já que o "programa" da actividade prosseguiria, hoje, com uma segunda caminhada.
A primeira "etapa" desta digressão por entre vales, cântaros e lagoas da Serra da Estrela foi a subida do Covão da Ametade ao Covão Cimeiro, que reúne as várias linhas de água que constituem as nascentes do Zêzere. A sudoeste ergue-se imponente o Cântaro Magro e a impressionante fenda da "Rua dos Mercadores", em direcção à Torre. A norte, por cima de nós, o nosso objectivo: o Cântaro Gordo.

Covão Cimeiro, visto da subida para o Cântaro Gordo


Subida do Covão da Ametade ao Covão Cimeiro
A "épica" subida ao Cântaro Gordo
Os Cântaros Gordo, Magro e Raso são afloramentos graníticos que atingem respectivamente 1875, 1978 e 1916 metros de altitude. Visíveis de muitos pontos da Estrela, os Cântaros devem a sua origem à existência de grandes afloramentos rochosos pouco fracturados, rodeados por zonas de grande fracturação, com consequente maior sensibilidade à força erosiva da água e do gelo. A "Rua dos Mercadores", por sua vez, corresponde a um filão de rocha dolerítica, material de composição mineralógica semelhante ao basalto; menos resistente aos factores erosivos que o granito encaixante, originou uma fenda profunda e estreita entre paredes abruptas.

O Cântaro Magro e a Torre, vistos do Cântaro Gordo
Do Covão Cimeiro ao Cântaro Gordo ... são quase 300 metros de desnível. A subida foi demorada, com os ramos de giesta a ajudarem providencialmente. Mas a "conquista" do Cântaro compensa bem o esforço: a panorâmica gira 360º, com o Covão Cimeiro agora aos nossos pés; para noroeste, a Lagoa do Peixão; a norte e nordeste, percebe-se o vale da Candeeira, a "desaguar" no vale do Zêzere; para lá deste, o maciço dos Poios Brancos. Ao fundo, fechando o horizonte ... o "meu" Xalmas recorta o seu perfil contra o céu azul.

No cume do Cântaro Gordo (Foto de João J. Fonseca)
Lagoa do Peixão, do Cântaro Gordo
Os "heróis", no cume do Cântaro Gordo (1875m alt.)
Do Cântaro Gordo descemos à Lagoa dos Cântaros; de novo mais de 250 metros de desnível...! E um ligeiro engano levou-nos a descer directamente, em vez de seguir a crista rochosa uns metros a norte. A progressão foi assim pelo meio de mato por vezes mais alto que nós...; até o participante de raça canina tinha dificuldade em avançar ... mas foi o primeiro a banhar-se nas águas da Lagoa dos Cântaros...J

E vamos descer para a Lagoa dos Cântaros
"Eu também sei apreciar a paisagem"...
Descida "épica" para a lagoa dos Cântaros
Lagoa dos Cântaros
Sobre a Lagoa dos Cântaros (Foto de João J. Fonseca)
A "praia" da Lagoa dos Cântaros levou vários participantes ao banho, enquanto esperávamos pelos mais retardatários, ainda "perdidos" na descida. Eram já três da tarde, começando a tornar-se tarde para o churrasco no Covão da Ametade a tempo de convivermos à luz do dia. Decidimos assim cancelar a descida ao vale da Candeeira e regressar pelo trilho sobranceiro à parte alta do vale do Zêzere.

Na "praia" da Lagoa dos Cântaros
Ao fundo o vale da Candeeira, o vale do Zêzere e os Poios Brancos
Os três Cântaros, da esquerda para a direita, Raso, Magro e Gordo
Às cinco da tarde estávamos de regresso ao Covão da Ametade. Depois ... um belo convívio, animado por uma bela morcela, entremeada, um belo arroz de feijão e outras iguarias ... que durou até o entardecer passar a anoitecer. E a noite no Covão da Ametade é sempre mágica: em completa escuridão, por entre as árvores vêem-se as estrelas e as constelações, numa verdadeira viagem no espaço e no tempo. Por volta das seis e meia da manhã, o chilrear dos pássaros anuncia que os alvores de um novo dia estão próximos, apesar de faltar ainda mais de uma hora para o nascer do Sol.

"Sei ou não sei?"...
Regressamos ao Covão da Ametade ...
... onde acampamos para uma noite mágica!
Hoje, a jornada prosseguiria nos Cornos do Diabo e ribeira da Caniça, numa caminhada em tudo semelhante à que fiz em 2012 com amigos ligados ao Clube de Montanhismo da Guarda. Eu ... regressei à "minha" Vale de Espinho, já que amanhã regressaremos à "home base"...
Por entre vales, lagoas e cântaros
(álbum completo)

quinta-feira, 14 de agosto de 2014

À conquista da Serra de Gredos...

Em Abril de 1999 - há 15 longos anos - fiz com a minha "pequena arraiana" uma primeira incursão na Serra de Gredos; a muita neve não nos permitiu contudo chegar sequer à Laguna Grande. Depois, há bem menos tempo, em Janeiro de 2013, curiosamente com muito pouca neve ... avistei o Pico Almanzor dos mais de 2400m de altitude dos cumes da Serra de Béjar.
11.08.2014 - Vai começar a subida ... à conquista de Gredos
Ora, há muito que Gredos me chamava. Alcançar os quase 2600 metros do Pico Almanzor era o objectivo principal ... mas o restante circuito, que acabei de conhecer em três fabulosos dias, acabou por relegar a subida àquele emblemático cume para isso mesmo: emblemático. As panorâmicas, a sensação de liberdade e de pertença à montanha, encontrei-as e saboreei-as mais na Portilla de las Cinco Lagunas, por exemplo, no espectacular sobe e desce permanente, nas cores da água daquelas lagoas glaciárias, na fabulosa panorâmica do Pico Morezón sobre o Circo de Gredos, na espectacular descida que acompanha o barranco do Mananzial de Las Pozas, na própria dureza dos trilhos ... num autêntico reino de pedra e de cortes profundos, pela mão da água.

Prado de Las Pozas, 1920m alt.
A "porta" de entrada no coração de Gredos é na pequena aldeia de Hoyos del Espino, de onde se acede à chamada Plataforma, situada já acima dos 1700 metros de altitude. Ali termina a estrada ... ali começa a "aventura"...! Depois de uma viagem de 500 km desde Lisboa ... passava já das quatro e meia da tarde quando começámos a subida. Três quilómetros e uma hora depois, ultrapassávamos os 2000 metros, chegando pouco depois à Fuente de los Cavadores, de bela e apetitosa água fresca, e ao ponto cimeiro desta caminhada de abordagem, aos 2180 metros. O trilho passa a debruçar-se para a Garganta de Gredos, imenso barranco vindo da Laguna Grande, que se situa no fundo do impressionante Circo glaciar dominado pelo Almanzor. Nesta descida de Los Barrerones ... surgiram-nos imponentes os dois primeiros exemplares de cabra montês de Gredos (Capra pyrenaica).


E em Gredos ... somos brindados
com as cabras selvagens e os corços!
Laguna Grande e Circo de Gredos
Três horas e pouco de caminho ... e estávamos no Refúgio Elola, que nos iria receber para as duas noites seguintes. A experiência de refúgios de montanha transportou-me no tempo para a aventura do Monte Perdido Extrem. Para a minha arraianazinha, contudo, foi o baptismo desta vivência de camaratas comunitárias, da privação dos "luxos" de água quente, ou mesmo de papel higiénico nos sanitários; ria-se a bom rir...! O Refúgio Elola é no entanto uma referência em Gredos, base para a maioria das "aventuras" que melhor caracterizam o coração da Cordilheira Central Ibérica.



As nossas instalações no Refúgio Elola
x


À conquista do Almanzor
Terça feira era o grande dia da "conquista" dos quase 2600 metros de altitude do Almanzor. Dominando o Circo de Gredos, o cume situa-se bem perto do Refúgio Elola ... 650 metros acima dele...! Dada a dureza da jornada que se esperava ... a "aventura" foi feita a solo; a minha pequena teve, portanto, um dia de completo descanso no refúgio.

12.08, 7:40h - O Almanzor acorda com os tons da manhã que desponta...
O astro rei nasce sobre os altos do Morezón
Há que subir...
A caminho da Portilla del Crampón (2544m alt.)
Do Refúgio Elola ao cume do Almanzor são sensivelmente 2 km; inclinação média ... 32% ... com troços a ultrapassar os 45%. Estamos no reino da pedra, com as agulhas graníticas dos Hermanitos e Las Navajas apontadas ao céu. Ao chegar à Portilla del Crampón ... o horizonte abre-se para poente; ao fundo, a Serra de Béjar ... e adivinham-se as "minhas" serras da Gata e das Mesas...

Portilla del Crampón (2544m alt.): o Cuerno del Amanzor em primeiro plano e a Serra de Béjar ao fundo
O "ataque" final ao Almanzor ... é com tracção aos 4 membros! Por estreitos corredores entre as rochas e usando pequenas escarpas para subir, chegamos ao pequeno cume, a 2592 metros de altitude, onde 4 pessoas cabem dificilmente. Estava conquistado o Pico mais alto da Cordilheira Central Ibérica ... estava derrotado o "mouro" Almanzor!

Cume do Almanzor, 2592m alt.
Vista aérea...
Do Almanzor às Cinco Lagunas
Uma vez conquistado o Almanzor, passada a cumeada do Venteadero havia duas hipóteses: regressar à Laguna Grande descendo ao Ameal del Pablo e pelo Canal de los Geógrafos ... ou prosseguir para norte, tentando chegar às Cinco Lagunas, o outro grande circo glaciário do maciço de Gredos. Adivinha-se qual a opção tomada ... e em boa hora a tomei. Tratou-se de um percurso bem duro, mas fabuloso!

E afasto-me do Almanzor, rumo a noroeste
Pouco depois do meio dia estava assim a subir o Pico del Gütre, passando ao lado da Galana, que, com os seus 2572 metros, é o segundo cume de Gredos. Pouco mais baixo (2549m), o Pico del Gütre é contudo um espectacular miradouro natural para o circo lagunar, desde a próxima e mais alta Laguna del Gütre às Cinco Lagunas propriamente ditas: Cimera, Galana, Mediana, Brincalobitos e Bajera.

Pico de La Galana (2572m alt.)
Cinco Lagunas, vistas do Pico del Gütre (2549m alt.)
Descer ou não às Cinco Lagunas era outra opção a tomar. Na vertente por baixo de mim havia um neveiro bem inclinado ... nada convidativo ... mas a análise da carta topográfica no GPS dizia-me que ligeiramente mais a noroeste tinha uma portilla por onde talvez fosse possível descer ... mais de 300 metros de desnível em menos de 500 metros...! Um grupo de 4 espanhóis que seguiam para poente confirmou-me essa possibilidade, e com eles fui até à Portilla de Las Cinco Lagunas ... uma autêntica plataforma para "mergulhar" directamente para as lagoas!

Não era a mim
que procuravam...
Portilla de Las Cinco Lagunas, 2360m alt. ... de onde se "mergulha" sobre o Circo lagunar
Dez minutos depois das duas da tarde estava nas margens da Laguna Cimera. A cor e a transparência das águas, o reflexo das montanhas contra o azul do céu ... toda aquela envolvência me levava mais uma vez às palavras de Pessoa ... "do vale à montanha, da montanha ao monte, cavalo de sombra, cavaleiro monge, por penhascos pretos, atrás e defronte, caminhais secretos"...

A beleza selvagem das Cinco Lagunas
Ao fundo da Laguna Bajera, a 2050 metros de altitude ... esperava-me uma autêntica "montanha russa" de regresso ao Refúgio Elola. Sabia que tinha de voltar a subir aos 2350 metros da Portilla del Rey ... mas só ao olhar para a vertente à minha frente tive a noção da real inclinação: os 300 metros de desnível, em pouco mais de 500 metros de subida, por cascalheira resvaladiça ... levaram-me o melhor de uma hora! Mas, mais uma vez, a panorâmica sobre as lagunas e, ao chegar à portilla, para o vale do Gargantón ... compensam largamente o esforço.

Subida para a Portilla del Rey, 2320m alt.

Praderas del Gargantón
Atravessado o Gargantón ... nova subida para o Cerro de los Huertos, de onde começo a avistar a Laguna Grande. E às seis da tarde, com apenas 11 km percorridos em 9 horas de caminhada, estava de regresso ao "nosso" refúgio ... onde a minha arraiana me esperava com alguma ansiedade, já que o helicóptero que eu havia avistado tinha sido afinal para resgate de um acidentado na montanha.

Regresso ao Refúgio Elola, com 9 horas de caminhada e mais de 2000 metros de desnível acumulado...
Regresso à Plataforma de Gredos, pelos Altos del Morezón
O terceiro dia de Gredos era o do regresso ... mas no regresso à Plataforma, onde o carro havia ficado, ainda havia tempo para subir aos Altos del Morezón, a leste da Laguna Grande. Informações recolhidas aqui e ali na net, indicavam-me ser aquela cumeada a de melhores panorâmicas sobre o Circo de Gredos ... informações que se vieram plenamente a confirmar.

13.08, um novo dia... 7:35h - A Lua ainda está activa sobre o Almanzor
Assim, pouco depois das oito e meia da manhã deixámos o Refúgio Elola, pelo caminho feito dois dias antes, até à zona dos Barrerones. Aí, enquanto a minha pequena arraiana seguiu directamente o caminho da plataforma, eu inflecti para sudeste ... subindo nova vertente pedregosa e íngreme. E com cerca de hora e meia de marcha, estava de novo a 2366 metros de altitude, num autêntico miradouro natural para a Laguna Grande, o Circo de Gredos e o Almanzor; lá em baixo, junto à lagoa, lá estava de novo o Refúgio que nos tinha servido de guarida. Para leste, a panorâmica abria-se a perder de vista, percebendo-se ao longe as alturas da Serra de Guadarrama.

Despedida da Laguna Grande
De novo o Circo de Gredos e o Refúgio Elola,, do cume do Morezón (2366m alt.)
E ao fundo, a nascente, a Serra de Guadarrama
E quando eu pensava que a partir do Morezón seria só a descida simples ao encontro do caminho da Plataforma ... eis que se me depara uma vertente lindíssima, a Cuerda del Refugio del Rey, que acompanha o Mananzial de Las Pozas, a zona mais verde e mais rica em água das várias que atravessei.

Cabras selvagens de Gredos, em Navasomera
Descida do fabuloso vale do Mananzial de las Pozas
Regresso à Plataforma de Gredos, 2 dias depois ... com a alma e a vista cheias...
Quinze minutos depois das dez horas estava no caminho da Plataforma; quinze minutos mais e cheguei ao estacionamento ... onde a minha arraianazinha ainda não tinha chegado. Calmamente, ao ritmo dela, veio a apreciar o caminho feito dois dias antes em sentido contrário ... e às 11 horas estávamos juntos e a terminar esta espectacular incursão pela Serra de Gredos ... que muitos mais trilhos tem para nos mostrar...

Serra de Gredos
(álbum completo)
Um último adeus a Gredos, já da estrada para El Barco de Ávila. O Almanzor destaca-se imponente.
De Gredos e em pouco mais de duas horas ... viemos para as terras raianas da nossa Vale de Espinho!