quinta-feira, 31 de maio de 2018

Marcha Atlântica, do Espichel à Caparica

O Clube Associativo Santa Marta do Pinhal (CASMP) organiza há dois anos consecutivos uma Marcha Atlântica entre o Cabo Espichel e o Cristo Rei. No último dia de Maio, a minha Mana Cristina pegou nesta ideia ... e desafiou 3 Amigos para a acompanharem 😊. O projecto, ligeiramente mais curto, acabava na Costa da Caparica, implicando a logística de deixar um carro em cada ponta do percurso.

Santuário de Nossa Senhora do Cabo (Espichel), 31.05.2018, 8h15
Assim, pouco depois das 8 da manhã estávamos os quatro destemidos caminheiros, prontos para nos lançarmos à aventura. Tínhamos um desafio especial, dentro do desafio: saber se seria possível passar a Lagoa de Albufeira; a maré vazia era às 10h30...

Ermida da Memória, Cabo Espichel (Foto: J. M. Messias)
Descida à Praia dos Lagosteiros ... e subida à Pedra da Mua
As cores e os perfumes, os sons do mar ao longo de uma belíssima manhã de Primavera, faziam-nos querer ser gaivotas, agradecendo ao Universo dar-nos dias assim. Para mim ... o ano bem poderia ter apenas Outono e Primavera, o adormecer e o renascer...

Entre a ponta dos Lagosteiros e o parque "Campimeco", numa sucessão de paisagens ... que me lembravam a Irlanda
Obrigado Universo! (Foto: J. M. Messias)
A seguir ao "Campimeco", optámos por descer à praia. Tínhamos recebido a confirmação de que a Lagoa estava aberta, mas que se passava bem, embora a vau. Foram contudo mais de 5 km de areia, onde a progressão é sempre fastidiosa, amenizada pelo voo dos muitos Fernão Capelos.

Ao longo da praia, entre a foz do Rio da Prata e a Lagoa de Albufeira (Foto: Cristina Ferreira)
A sempre bela Lagoa de Albufeira ... que era preciso ultrapassar
Algum atraso inicial e as características do terreno ditaram que chegássemos à Lagoa ... mais de duas horas depois da maré baixa. Mas a ligação entre a Lagoa e o Mar não oferecia dificuldades, embora obrigando-nos a descalçar e à passagem com água pelos joelhos ... almoçando nas dunas, logo a seguir à "aventura". Depois ... continuaria a progressão para norte.


Travessia da Lagoa de Albufeira ... "remando" contra a maré a encher...
(Foto da esquerda: Cristina Ferreira)
Passava das duas da tarde quando deixámos a lagoa para trás. O Espichel, contudo, vigiava-nos sempre, a sul, enquanto a norte a Serra de Sintra se aproximava, bem como as arribas fósseis da Mata dos Medos e da Caparica.

O Cabo Espichel vigia-nos a sul, enquanto a norte a Serra de Sintra se aproxima...
E entramos nas arribas fósseis, a caminho da Fonte da Telha (Foto de cima: Cristina Ferreira)
Eram quase seis da tarde quando chegámos à Praia do Rei. Depois de umas "loirinhas", durante um troço seguimos pela linha do mini-comboio da Caparica, mas depois ao longo das praias da Rainha, da Mata e da Saúde, até à Costa, assistindo ao ocaso gradual do astro-Rei e às lides da tradicional arte Xávega, tipo de pesa artesanal cujas origens se perdem na noite dos tempos.

Brincando aos comboios 😊 (ao longo da linha do Transpraia, o mini-comboio da Caparica)


O Sol desce sobre as praias da Caparica, enquanto avançamos para norte
e as redes são recolhidas por artes que têm séculos de história

x
Às 19h00 estávamos ... a matar a sede pela última vez. E meia hora depois terminávamos, junto aos Bombeiros da Caparica, onde nos havíamos encontrado mais de 12 horas antes. Depois ... havia os abraços e as despedidas, até à próxima "aventura" ... e havia que ir buscar o outro carro. Obrigado Cristina, Zé Manel, Arménio! Foi um belo dia de Marcha, com o Atlântico como tema.
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quarta-feira, 23 de maio de 2018

Das terras de Ourém às terras do fim do mundo (4)

Em Maio de 2016, culminando o Caminho Francês, eu e a Paula percorremos os Camiños da Fín da Terra, no sentido Santiago - Muxía - Fisterra. Em Maio de 2017, igualmente a dois, complementámos o Caminho do Salvador e Primitivo com a ligação Santiago - Fisterra. Ora ... faltava portanto fazer este Epílogo no sentido Santiago - Fisterra - Muxía; foi a nossa opção para o Caminho 2018. O Pedro ... tinha também o sonho de conhecer os Camiños de Fisterra e Muxía, pelo que desta vez éramos três.
Adeus Santiago, ao nascer do Sol, 18.05.2018, 7h30
De regresso aos Camiños da fín da terra
Fisterra, 20 de Maio
Antes das 7h da manhã do meu 20º dia de Caminho estávamos a deixar Santiago, pelo nosso já bem conhecido percurso que cruza o rio Sarela. Meia hora depois despedíamo-nos das torres da Catedral, com o Sol a nascer.
acordam os melros, sempre presentes nos meus Caminhos...
Com o Sol ... também
Ponte Maceira, Rio Tambre, 18.05.2018, 11h00
Negreira, 13h20 ... onde um banco de jardim conheceu
o meu almoço e da Paula em 2 anos consecutivos 😉
Ponte Maceira, Negreira, uma tarde quente como há um ano ... e pouco depois das quatro estávamos em Vilaserío, de volta à Casa Vella, o rústico Albergue onde igualmente há um ano havíamos ficado.

Pois ... no dia anterior não tinha lavado roupa 😜  E na
Casa Vella, com a abuela que já conhecíamos ... e a neta
No dia seguinte faríamos a maior etapa de sempre dos nossos Caminhos de Santiago: 41 km, entre Vilaserío e Cee ... já com Fisterra no horizonte. Há um ano, a marginal de Cee, a praia, a baía, tinham encantado a Paula; por outro lado, a longa etapa permitiria que, ao seu 24º dia de Caminho (meu 22º) e ultrapassados os 600 km percorridos ... chegássemos cedo ao "fim do Mundo"!

O despertar dos mágicos, na manhã mágica de 19 de Maio
E os melros
acompanham-me...
Ao longo do rio Xallas ...
... entre Olveiroa e Hospital, 19.05.2018
E chegamos à bifurcação Fisterra / Muxía, 19.05, 14h15
Verdes são os campos...
Capela de Nossa Senhora das Neves, entre Hospital e Cee, 19.05.2018, 15h15
Para sul, o Monte Pindo ... o Olimpo Celta!
16h20 - E, de repente ... ao fundo o Cabo Fisterra
O "fim do Mundo" à vista!
E vamos descer para Cee
Descida para Cee, com quase 40 km já percorridos, 19.05, 16h30
Em Cee alojámo-nos n'A Casa da Fonte, um bom Albergue, gerido por um simpático casal que se conheceram nos Caminhos de Santiago. Ao jantar, comunitário, conhecemos um grupo de italianos que voltaríamos a encontrar em Fisterra e até, um deles, já de novo em Santiago, no regresso. E no dia seguinte o Sol nascia para mais um despertar dos mágicos ... a Caminho do "fim do Mundo".

Mais um despertar dos mágicos, sobre a baía de Cee, 20.05.2018, 7h30

⏪ S. Roque, Península de Corcubión ...
       com o fín da Terra à vista, 20.05.2018, 8h30

Praia do Sardiñeiro ... aproximando-nos de Fisterra, 9h10 ⏬
Punta do Sardiñeiro, 9h50 - Com Fisterra e o Cabo atrás de nós
Atravessada a longa e bela praia Langosteira, antes das 11 horas estávamos a entrar em Fisterra. Fazendo jus ao belo dia de Sol, o Albergue Ara Solis iria receber-nos. A Paula e o Pedro optaram por deixar a mochila, eu optei por continuar com a minha até à ponta do Cabo. Mas o facto de ser domingo, ou de estar um magnífico dia de Primavera, ou as duas razões juntas, contribuíam provavelmente para a multidão de automóveis, autocarros e turistas a caminho do Cabo e no Cabo ... diminuindo muito o peso daquele mítico e fabuloso local. Nos dois anos anteriores, igualmente em Maio, a "invasão" era bem menor. Felizmente, desta vez ... o nosso Caminho terminava em Muxía.

Cabo Fisterra, Km '0', 20.05.2018, 12h00 ... onde tudo acaba ... onde tudo recomeça!
Apesar da multidão, claro que vivemos a nossa chegada ao Cabo Fisterra, ao Km '0', que aliás o Pedro não conhecia. Peregrinos e turistas misturavam-se, perscrutando o mar, seguindo o voo das gaivotas ... recordando Caminhos anteriores. Era a minha sexta chegada a pé a finis terrae.

Finis terrae ... a entrega às forças do Universo
Era meio dia e meia hora quando regressámos a Fisterra. E a Mana Paula há muito que sonhara voltar ao "Pirata", onde um ano antes nos tínhamos deliciado com polvo e peixe fresco. E ... lá estavam os italianos que tínhamos conhecido em Cee e a quem tínhamos recomendado aquele excelente e acessível restaurante. É assim o Caminho...
Um almoço internacionalista, n'"O Pirata" de Fisterra
Depois do almoço, uma rápida passagem pelo Albergue ... e descobrimos que Fisterra estava em festa. E nem parecia que havia quem já tivesse palmilhado mais de 600 km para ali chegar...


Depois disto ... foi mesmo preciso descansar um pouco... 😊. Até mesmo porque o pôr do Sol ... era às dez da noite. À semelhança do ano passado, o nosso Ara Solis, o nosso templo do Sol, seria na Praia do Mar de Fora, onde a multidão seria muito mais pequena do que havíamos visto no Cabo. Jantámos no também já nosso conhecido "Âncora" ... e seguiu-se um espectáculo de brilho e de cor...


Também Fernão Capelo segue o seu Caminho...
Praia do Mar de Fora, Fisterra, 20.05.2018, entre as 21h35 e as 22h00: Ara Solis ... o Templo do Sol
Muxía e Nosa Señora da Barca ... fín do Camiño
Muxía, 21 de Maio
O epílogo dos Caminhos de Santiago, nas terras do "fim do mundo", pode ter como meta Fisterra ou Muxía. Desde há milénios, em Finisterre o Homem confronta-se com o fim, com o seu Fim, tão bem representado pelo pôr do Sol no imenso oceano sem horizonte. O culto e o "segredo" de Fisterra é portanto muito anterior a Santiago. Em 2016, não esquecendo Muxía, Fisterra apontou-se-me como destino final do meu Sonho, o Sonho do Caminho Francês. Em 2017 não fomos a Muxía; quis mostrar à Paula a "verdadeira" entrada de Fisterra ... e lá terminámos também o Caminho do Salvador / Primitivo. Este ano, 2018 ... este ano a Paula quis terminar o nosso Caminho em Muxía ... e em boa hora ambos atendemos ao chamamento. Nosa Señora da Barca esperava-nos, aos dois e ao Pedro.

21.05.2018, 7h00: O dia nasce cinzento sobre Fisterra, da qual nos despedimos rumo a norte
Entre Fisterra e Muxía, cruzamo-nos frequentemente com Peregrinos em ambos os sentidos. Estávamos a percorrer, em sentido contrário, o mesmo percurso de 2016, rumo à Praia de Rostro, Lires, Xurarantes ... e Muxía. 31 km ... até ao Santuário de Nosa Señora da Barca.
Praia Arnela, Castromiñán, 21.05, 8h05  ⏫
⏪  Igreja de San Martiño de Duyo, 21.05, 7h20
Ao longo da costa de Castromiñán e da praia de Rostro, rumo a Lires
Catedrais verdes, até à Baía de Lires
Pouco depois das duas da tarde estávamos a descer dos montes sobranceiros ao facho de Lourido para a praia do mesmo nome ... com Muxía já ali. O excelente Albergue Arribada era o nosso eleito, mas, à semelhança de Fisterra ... a Ponta da Barca era o nosso destino.

Pela Praia de Lourido ... entramos em Muxía ...
... e chegamos à Ponta da Barca e ao Santuário de Nosa Señora da Barca, 21.05.2018, 16h00
Fisterra tem, muito antes da devoção a Santiago, a adoração ao Sol, aos cultos pagãos. Muxía é um fín do Camiño mais Mariano. Relata a lenda que o Apóstolo Santiago, quando da sua evangelização destas terras do "fim do mundo", estava em oração quando viu chegar do mar uma barca toda de pedra, aparelhada com uma vela também de pedra. Na barca viajava Nossa Senhora, que vinha confortá-lo, já que estender a Fé em terras tão longínquas estava a revelar-se uma tarefa que superava as forças do discípulo. A Mãe de Deus voltou à Terra Santa, mas deixou naquelas costas a barca (a pedra de abalar) e a vela (a pedra dos cadrís) milagreiras.

Ponta da Barca ... fín do Camiño ... entrega ao Universo
Pedra dos cadrís, sob a qual se deve
passar, para receber a bênção da Virgem
A pedra de abalar (a pedra que abala cando quere...) quebrou-se com um temporal em 1978. A pedra dos cadrís mantém-se intacta. O nome deriva da sua aparente forma de rim. O fiel que queira receber a bênção da Virgem deve passar por baixo da pedra, numa manobra que tem um claro simbolismo de renascimento, ou revivificação, como o bebé que nasce abrindo caminho nos quadris da mãe.

Frente ao mar, o Santuário de Nosa Señora da Barca perpetua as lendas e as memórias das terras de Muxía
O templo actual é uma construção barroca do Séc. XVIII, sobre restos de uma Ermida românica do Séc. XII ou XIII. No Dia de Natal de 2013, um raio provocou um incêndio que destruiu grande parte do Santuário, incluindo o retábulo principal do altar. Em Novembro de 2002, a Costa da Morte tinha sofrido outra tragédia, com o naufrágio do petroleiro Prestige. Pouco mais de um ano depois, uma monumental escultura passou a simbolizar a ferida aberta pela consequente catástrofe ecológica.

No Km '0' de Muxía, junto ao monumental monolito
"A Ferida", alusivo à tragédia do Prestige
Muxía e a Ponta da Barca são lugares mágicos e místicos. Para muitos, é esta a meta final do Camiño; o filme "The Way" transmite aliás essa versão. Muxía e a Ponta da Barca foram, também para nós, o fín do Camiño. Tinham sido 25 dias desde Santarém até ali, para a Paula e Pedro ... para a Paula desde a porta da sua casa; 23 dias desde Fátima para mim ... ou 26 dias desde Santa Cruz ... há três anos. O meu segundo mais longo Caminho de Santiago, depois do Francês.


Muxía, vista do terraço do Albergue Arribada, 21.05.2018, 18h15
E ... 3 Peregrinos no último jantar do Camiño, no Albergue Arribada, 19h35
No dia seguinte, 22 de Maio ... o autocarro Muxía - Santiago era bem cedo. Pouco depois das 6h30 estávamos na paragem. Ia começar ... o regresso.

Muxía, à luz do amanhecer do dia depois do último. 22.05.2018, 6h35
O regresso ... num portal entre dois mundos...
Lisboa, 23 de Maio
De regresso a Santiago ... a cidade pareceu-nos um portal entre dois mundos, duas dimensões.
Caminhos ligados ... ligados por
Santiago ... por S. Francisco de Assis
... pelo Universo.
Ali, naquele mundo em que ainda estávamos, naquele fim que não é mais do que um início, brindámos ao Caminho, brindámos às emoções, à Amizade ... à Vida! Mano Zé Messias, sem fisicamente lá estares ... estavas lá, estiveste lá! Mana Paula, pelo 3° ano consecutivo ... foi e será sempre um privilégio caminhar contigo e terminar um Caminho contigo. E, Pedro ... o Caminho Primitivo juntou-te a nós ... no Caminho Português conhecemo-nos um pouco melhor ... o futuro ... o Caminho o ditará.
No resto do dia 22 e na manhã do dia 23 ... despedimo-nos de Santiago. Mas não era um adeus ... era só um até breve...
Última noite em Santiago
22.05.2018, 22h20
Ver o álbum completo
(860 fotos)
Santiago ... ficou para trás. E Fátima, de onde parti 25 dias antes, também ficaria. Em Fátima despedi-me da Paula ... sem a qual os meus Caminhos não seriam os mesmos. Obrigado por existires ... obrigado por seres quem és!
Pouco depois das oito da tarde do dia 23 de Maio estava de regresso ao "ninho". E, no ninho - onde unha estrela me agardava - continuaria outro Caminho. Uma Peregrinação a dois, a quatro, a oito, a dez ... porque o Caminho é a Vida ... e é Vivê-la na partilha, com todos os que Amamos! Ultreïa!

Unha estrela me agardava
... e com o membro mais novo do Caminho...
Casa ... Ninho ... Caminho de Santiago
Os números que fizeram este Caminho:

- 23 dias a andar (Paula e Pedro 25);
- 630 km percorridos
(Paula e Pedro 690);
- 27 km de barco (Ruta Traslatio);

Desnível acumulado:
9557m D+ / 9865m D-
A cabaça e a vieira de Santiago - que todos os dias passavam da mochila para a cabeceira da minha cama - regressaram à sua base no meu "ninho". O futuro voltava mais uma vez a ser passado ... ou o Sonho voltava mais uma vez a ser futuro. Para trás ficavam vivências, sentimentos, alegrias, desilusões, aprendizagens ... um turbilhão de emoções ... até que o Sonho dê lugar ao próximo Camiño...

23 dias ... 630 km percorridos (mais 27 km em barca) ... a concretização do Caminho Santa Cruz - Ourém - Santiago - Fisterra - Muxía ... um caminho que, há três anos, o destino não transformara em Caminho
(Escrito entre 5 e 10 de Junho de 2018, após o regresso do Caminho)