domingo, 20 de novembro de 2016

Magia outonal, nas terras asturianas de Muniellos

Há 12 anos, em Agosto de 2004, com a minha companheira de Vida e de "aventuras", vindos das "nossas " tierras de Somiedo, tínhamos planeado "perdermo-nos" na magia do bosque de Muniellos, no concelho de Cangas de Narcea ... no Paraíso Natural de Astúrias.
Estivemos mesmo na pequena aldeia de Moal, às portas de Muniellos. Mas, embora portadores da necessária autorização para visitar Muniellos, um protesto dos mineiros de Cangas de Narcea impedia as visitas ... alterando-nos os planos para aqueles dias; Muniellos teve de continuar a guardar os seus segredos. Nove anos depois, em Outubro de 2013, era suposto que outra "aventura" Somedana continuasse também para aquele santuário natural ... mas dessa vez a previsão de muito mau tempo dissuadiu-nos. Muniellos deveria estar verdadeiramente encantado! No entanto, um velho ditado sempre me aconselhou a não desistir ... e não há duas sem três! E assim, 12 anos depois da primeira tentativa ... acabei de conhecer Muniellos e as terras de Moal, Oballo e Rengos, numa autêntica explosão outonal de cor, uma magia onde em cada recanto se nos deparava uma nova perspectiva, uma nova sensação, uma nova vontade de permanecer em êxtase, em comunhão com uma Natureza pura e benfazeja. E fi-lo na companhia de oito outros amantes dessa comunhão, incluindo dois dos "manos" com que as "aventuras" dos últimos anos - e a magia dos Caminhos de Santiago - abençoaram a minha Vida.

Moal, concelho de Cangas de Narcea, Asturias - Casa
Xuaquín, que nos receberia para estes dias no Paraíso
Falando de magia ... que dizer de uma previsão meteorológica que assustava até a mana Cristina ... mas que se transformou em dois dias magníficos para caminhar, em que as únicas gotas que sobre nós caíram foram as do nevoeiro de montanha, sexta feira, aos quase 1500 metros de altitude das Lagunas de Muniellos? E que dizer da caminhada de sábado, em que, depois do Sol claro e das amplas panorâmicas que os horizontes nos abriram ... mal a acabamos e recolhemos aos aposentos assistimos a um dilúvio acompanhado de ventos fortes, que transformaram os ares numa dança de folhas outonais? Decididamente ... os deuses celtas, os duendes asturianos, a magia esteve connosco!
Muniellos ... o bosque encantado!
Situado no extremo sul ocidental de Astúrias, Muniellos faz parte do Parque Natural de las Fuentes del Narcea, Degaña e Ibias. É uma zona de montanha, com altitudes que oscilam entre os 680 e os 1640 metros, no Pico de la Candanosa. O Monte de Muniellos constitui o coração da Reserva e compreende a cabeceira do Rio Muniellos, afluente do Narcea. Instalados na muito acolhedora Casa Xuaquín - "Una casa típica de aldea, con el encanto de antaño y las comodidades de ahora"- às 9 horas de sexta feira estávamos em Tablizas, com a necessária autorização para visitar a Reserva Natural Integral de Muniellos. Declarado Reserva da Biosfera pela Unesco há já 16 anos, Muniellos é o maior carvalhal de Espanha e um dos maiores e melhor conservados da Europa. Só é permitido o acesso a um máximo de 20 visitantes por dia. Percorrer aqueles trilhos no Outono é uma experiência única, de um colorido hipnótico ... pelo que nos deixámos literalmente hipnotizar por Muniellos.

Início da ruta larga de Muniellos, 18.Nov.2016, 9h15. Era o início de uma explosão de cor e de magia!
Explosão de cor, de sons, de brumas, de magia indescritível, à medida que íamos subindo os bosques
O dia estava tudo menos soalheiro ... mas as nuvens que pareciam confirmar os previstos aguaceiros iam percorrendo os céus para leste. À medida que subíamos - por piso com muita pedra, por vezes inclinado, com a ajuda de corda no Paso de Fuenculebrera - as brumas preenchiam os pontos mais altos, mas deixando-nos sempre ver o vale, as encostas, o matizado dos ramos e das folhas multicolores. Dir-se-ia que daquelas ramagens e brumas, a qualquer momento poderiam sair xanas e nuberos, ou quaisquer outras figuras da riquíssima mitologia asturiana.
Antes do meio dia estávamos a mais de 1200 metros de altitude (tínhamos começado a 660m), no cruzamento para as Lagunas de Muniellos, cruzando uma das muitas linhas de água que descem céleres para o vale e que se juntam para formar o Rio Tablizas, ou Muniellos. Talvez imbuído da energia emanada daquela envolvência mística, percorri todo esse troço a boa velocidade, até à primeira das três lagunas principais, a Laguna de la Isla. As lagunas de Muniellos são lagoas glaciares de altitude, a primeira das quais com uma pequena ilha, como o nome indica, situadas sensivelmente entre os 1300 e os 1450 metros de altitude.
Chegar às Lagunas de Muniellos, por entre a densa vegetação, as encostas que vão do colorido da folhagem ao branco das diversas cascalheiras que aqui e ali parecem ter sido espalhadas por forças titânicas ... é fazer parte de um romance saído da pena de Tolkien ... ou de um sonho que no entanto está ali bem real, aos nossos pés, olhos e sentidos.

Laguna de la Isla, junto à margem e vista da cascalheira de acesso às restantes Lagunas de Muniellos
A subida às restantes lagunas não é propriamente fácil, como aliás quase todo o percurso não o é. Na Laguna Fonda desemboca-se ao fim de um estreito túnel de vegetação; nova cascalheira e estamos na maior, a Laguna Grande. Dos 9 "expedicionários" ... apenas 5 lá chegaram. Dir-se-ia que estávamos nos céus, ou entre uma terra que libertava os seus mistérios e um céu de onde só então sentíamos caírem pequenas gotas de água "benta". Mas, infelizmente ... tínhamos de regressar.

Laguna Fonda - das encostas liberta-se cor, neblinas, vida ,,, mistérios ... magia
Laguna Grande (1454m alt.) - Reflexos de um sonho...
E as brumas desceram sobre a Laguna Grande - Os 5 "expedicionários" das alturas
O regresso  faz-se pelo mesmo percurso até ao cruzamento das lagunas. Depois ... é um autêntico desbobinar de formas fantasmagóricas, de árvores cobertas de musgos e líquenes, de fungos multicolores, de águas rápidas saltando de declive em declive, ao longo do curso do rio Muniellos.

Descida do vale do Rio Muniellos ... ou será que tínhamos entrado no Paraíso?...
Tablizas, Recepção da Reserva Natural Integral de Muniellos: tínhamos terminado uma caminhada pelo Paraíso!
Poucos minutos depois das 16h30 estávamos de regresso a Tablizas, com 20 km percorridos e a alma lavada. À minha terceira tentativa ... o paraíso de Muniellos tinha-me revelado os seus segredos! Depois, na Casa Xuaquín ... repouso, banho (a ordem das parcelas é arbitrária... 😋), convívio (pois ... embora com peso exagerado de net... 😧) ... e um opíparo jantar para os nove convivas. Sim, porque os meus "manos" Cristina e Zé Manel são dois exímios "cozinheiros"... 😊
Oballo e Peña Ventana ... em dia abençoado!
Ao delinear esta incursão a Muniellos, e tanto mais que a nossa autorização era para sexta feira, procurei encontrar uma caminhada que complementasse a visita àquele Santuário da Natureza.
Moal, pouco depois das 8:30h - Começa outro dia de sonho!
Há 12 anos, quando da primeira abordagem às terras de Narcea, tinha percorrido o Bosque de Moal ... mas isso seria de certo modo repetir, em ponto pequeno, a caminhada do dia anterior. Assim, procurando também que no sábado não precisássemos sequer de mexer nos carros, uma pesquisa na net (e nas cartas, claro) deu-me a ideia necessária para um percurso a norte de Moal que, embora com altitudes menores, teria características mais de montanha, passando pelas aldeias de Oballo e Larna e pelo cume que domina aquela zona, Peña Ventana. O dia amanheceu quase soalheiro, com grandes troços de céu azul, embora as previsões continuassem a apontar para a possibilidade de aguaceiros ... principalmente às quatro da tarde. E assim, começámos a caminhar à porta mesmo da Casa Xuaquín, por um caminho rural que atravessa a estrada de Ibias e sobe à aldeia de Oballo (Oubachu, em asturiano). E à medida que subíamos ... as panorâmicas abriam-se como que num autêntico anfiteatro natural, pintado pelas cores do Outono.

"Por donde camina el oso" ... só foi pena não termos visto nenhum...
Moal, a "nossa" aldeia, vista da subida da encosta para Oballo (Oubachu)
Memórias perdidas no tempo... (Oballo)
E o Sol brinda-nos com um autêntico dia abençoado pelos deuses!
Na aldeia de  Oballo ... de nove passámos a dez! Um simpático jovem Labrador Retriever de pêlo negro começou a acompanhar-nos ... e não mais nos largou! Como me lembrei do "meu" fiel Mastín, que comigo fez 21 km a pé, entre La Cueta de Babia e Valle de Lago, há 3 anos, nas terras mágicas de Somiedo, das quais aliás não estávamos muito longe! A este fiel amigo ... baptizámo-lo de Black... 😋

Entre Oballo e o cume de Peña Ventana
E até o Black fica extasiado nestas paisagens de sonho
Um abrigo natural ... para vestir mais uma camada!
Para cima, sempre para cima...
Pelas onze e meia da manhã estávamos no cume de Peña Ventana, a 1374 metros de altitude. Uma altitude não muito elevada, menor que a das Lagunas de Muniellos, mas a panorâmica era de 360º à volta ... e não tivemos dúvidas do porquê da toponímia daquela Peña. Estávamos, literalmente, nos céus. Para sul e sudeste, nalguns cumes e encostas viam-se tímidos vestígios de neve. Fotos de grupo ... e a jornada prosseguiu para norte, para zonas mais protegidas do vento.

Peña Ventana (1374m alt.) ... uma ventana aberta 360º em redor. Ao fundo, a sudeste, laivos de neve.
Uma descida vertiginosa conduziu-nos ao Llano de Cruces, primeiro por terreno pedregoso, depois por autênticos tapetes verdes. Esse Llano, já a pouco mais de 1100 metros de altitude, foi o local eleito para o almoço e repouso. Repouso ... se o Black deixasse, já que ele queria comer tudo e todos... 😋.


Descida de Peña Ventana para o Llano de Cruces, o ponto mais ao norte do percurso

Llano de Cruces: o local do almoço ... e das exibições
do "nosso" Black (Fotos à direita: António Saraiva)
Inúmeros caçadores surgiram também naquele Llano, em veículos todo-o-terreno, dispondo-se ao longo do trilho em que descemos para a encosta leste de Peña Ventana. Uma batida aos javalis? Provavelmente. E o nosso objectivo era agora a pequena aldeia de Larna, descendo em sucessivos lacetes, com amplas panorâmicas sobre o vale do Narcea e cruzando diversos regueros que lhe alimentam a margem esquerda. Durante a descida ... novos amigos: três simpáticos cavalos vinham comer à mão ... mas desde que a mão não tivesse luvas! E às duas da tarde atravessávamos Larna.

Descida do Llano de Cruces para Larna e o vale do Narcea ...
... ao encontro destes três simpáticos amigos. Já havia convívio ... entre três espécies!
Por entre a ramagem dos bosques da encosta leste de Peña Ventana, surge a pequena aldeia de Larna
De Larna regressámos a Oballo, mais uma vez por belos trilhos em sobe e desce, sobranceiros ao vale do Narcea e carregados de castanheiros; houve quem enchesse uma mochila! Ao fundo, no vale, Pousada de Rengos e vestígios da actividade mineira que se desenvolveu nestas terras, essencialmente nas últimas décadas do século passado. E pelas três e meia da tarde, antes mesmo de revermos Oballo, tínhamos Moal e a "nossa" Casa Xuaquín à vista! Pois ... e o que fazer ao Black?

Atravessamos terras de castanheiros. Ao fundo, Pousada de Rengos
Moal à vista ... mas ainda faltava bastante para lá chegar
Grande grupo este, sem dúvida! Dez caminheiros experientes. Sim, dez ... o Black também conta!
Pelas quatro horas estávamos de regresso a Oballo. E agora, o Black? À porta da casa que nos pareceu ser a dele, tinha um largo balde de água que esvaziou sedentamente ... mas a seguir continuou a acompanhar-nos na descida final para Moal! Decididamente ... o Black queria ser nosso!
Oballo, 15h50 - Estávamos de regresso ao início do círculo. Agora era só descer até Moal.
Nunca nos cansamos de reter imagens...
Moal ... e a "nossa" Casa Xuaquín
Tínhamos percorrido 19 km, diferentes dos da véspera, como previsto, mas tínhamos vivido igualmente uma magia outonal. Uma explosão, uma overdose de cor, como lhe chamou a minha mana Cristina!
O "nosso"  Black ... em merecido descanso
E se na sexta apenas tínhamos sido regados por gotículas de nevoeiro, sábado não caiu uma única gota ... até ao exacto momento em que entrámos em casa! A partir daí ... o céu desfez-se em bátegas de água e soprou fortes ventos que faziam bailar as folhas outonais! Coincidências...! Quanto ao Black ... era afinal conhecido da nossa anfitriã da Casa Xuaquín. Entre Moal e Oballo ... é pelos vistos frequente ser ele a escolher o poiso. Bem ... e o nosso jantar? Na véspera tínhamos confiado nos nossos "cozinheiros" ... no sábado optámos pela gastronomia asturiana. E assim, sob conselho da nossa anfitriã, fomos jantar à "Casa Grabelón", na aldeia de Gedrez ... e não nos arrependemos!

A gastronomia é uma componente importante nestas
actividades: jantar na Casa Grabelón, Gedrez
A magia estava, assim, a chegar ao fim. Vivemos quatro dias de consolidação e de construção de Amizades. "Happiness is only real when shared "; Chris McCandless tinha razão...! Fomos uma equipa de nove elementos; os dois únicos que pessoalmente não conhecia ... ao fim de minutos tinha a sensação de os conhecer há anos! De nove?! Não ... de dez ... o Black também conta! A esta hora deve estar a relatar aos amigos as "aventuras" que viveu com nove portugueses humanos, que lhe apareceram numa manhã de sábado...! A ele e a todos os que construíram estes 4 dias ... bem hajam!
Ver o álbum completo
Bosque de Muniellos (Sexta feira) a ruta larga
Moal - Oballo - Peña VentanaLarna - Oballo - Moal (Sábado)
O coming home, domingo ... foi bem regado toda a manhã. Os mesmos deuses que nos brindaram com dois dias magníficos para caminhar ... lançaram-nos 300 km de chuva, das terras de Narcea às terras de Chaves. E para um almoço transmontano e um passeio flaviense ... fomos de novo contemplados pela trégua das chuvas. Só o Black não poderá ler, infelizmente, estes escritos para memória futura ... esquecemo-nos de ficar com o endereço de e-mail ou o facebook dele... 😋

Chaves, 20.Nov.2016 ... para fechar a digressão 
E ... o vídeo destes 4 fabulosos dias...