sexta-feira, 28 de outubro de 2016

As minas do deus Xalmas

Há mais de 40 anos a desbravar e a dar a conhecer as "minhas" terras raianas, de um e outro lado da fronteira, alguns locais, factos e histórias foram ficando sempre para trás. "Um dia hei-de lá ir..."
28.10.2016, 7:57h - O Sol nasce, a norte do "meu" Xalmas
Foi o caso das minas de Navasfrias, município Salmantino limítrofe dos nossos Fóios e Aldeia do Bispo. Já praticada pelos romanos, que aqui localizaram jazidas de ouro, a actividade mineira em Navasfrías teve o seu auge durante a Segunda Guerra Mundial. Tal como em Portugal, as necessidades logísticas da maquinaria bélica deram importância a um mineral pouco valorizado até então: o volfrâmio. A proximidade da fronteira proporcionou até o contrabando de mineral, canalizado para os aliados através de Portugal, fluxo que a vigilância franquista tentava evitar a todo o custo, ao mesmo tempo que se empenhava em fazer chegar o minério à Alemanha nazi.
Antes das sete e meia da manhã, estava assim a deixar o carro em Navasfrias, junto ao Águeda, bem à vista do Jálama, ou Xálima ... o "meu" Xalmas, o deus vetão das águas. Visível ao longo de quase todo o percurso, o Xalmas iria "vigiar-me" nesta caminhada a solo. E foi através de um magnífico souto de castanheiros que percorri os pouco mais de 4 km de Navasfrias até às "antiguas labores mineras", com o Sol a nascer já bastante a norte, entre o Xalmas e a Penha de Francia.

Encontrando pelo caminho "caminheiros de várias espécies, chego a La Salmantina, as antigas minas de Navasfrias
As minas de Navasfrias - recentemente reabilitadas para visitação - começaram a sua exploração em 1916, dedicando-se à extracção de estanho e volfrâmio dos filões existentes no granito. Mas a produção em Portugal foi sempre superior, o que mereceu uma atenção especial por parte das redes de contrabando. Das minas da Panasqueira, o minério era transportado para o Soito e dali para Espanha. Conforme nos conta José Manuel Campos, durante muitos anos autarca dos Fóios, "os cavaleiros do Soito carregavam os cavalos com minério, que procuravam fazer chegar a uma mina, fictícia, que ainda hoje lá se encontra, e onde nunca se explorou um grama do dito mineral; o importante era alcançá-la". Rui Amaral Paiva, em "Emigração clandestina no concelho do Sabugal", também nos relata: "punham lá pessoal a trabalhar para fazer ver que tiravam ali o estanho… mas o estanho vinha todo de Portugal; .... «toda a vida foi assim… faziam lá um buraco… e era considerado que tiravam lá o minério, mas não o tiravam…»".

Poços, galerias ... memórias perdidas no tempo, memórias de suor e labuta
As minas situam-se nas encostas do rio Rubioso, junto ao qual foi criado um aprazível parque de merendas. Algumas galerias podem ser visitadas, mediante prévia solicitação ao Ayuntamiento de Navasfrias, encontrando-se bem sinalizadas ao longo do "itinerario turístico" ali criado ... excepto na parte final. Uma placa assinala a galeria e a área recreativa "La Sentada Morales", mas na procura dessa área e de uma eventual passagem para a mina Manolita e para a serra ... vi-me no meio de denso mato, que me roubou mais de hora e meia de esforço imprevisto. Valeram as imagens ribeirinhas do rio Rubioso.

Junto ao rio Rubioso, a assinalada área de "La Sentada Morales" levou-me a belas imagens ... no meio de denso mato
A assinalada área de "La Sentada Morales" ... dá-me ideia que não passou de projecto. A mina sin nombre e a Manolita, nas encostas fronteiras, até são visíveis; ao longe, na serra, também era visível um caminho ... mas um mar de mato cerrado separava-me delas e dele, para além do mato em que já estava mergulhado. O esforço era grande, com os bastões a funcionarem como arma e os pés a ficarem por vezes presos no emaranhado de troncos e ramos. A pulseira que uso no pulso direito (um dos meus vários adereços ligados aos Caminhos de Santiago) abriu-se várias vezes; se a perder, pensei ... desisto e regresso ao carro! Mas não a perdi... J

Restos da Mina Brillante, junto ao Rio Rubioso e abaixo da Casona de las Minas
Resignado, regressei ao parque de merendas e à entrada do percurso das minas. A minha ideia original era rumar ao Puerto de Santa Clara e voltar a subir o Xalmas, utilizando um trilho que descobri nas minhas "caminhadas" na net. Mas passava já do meio dia quando deixei o vale do Rubioso.

E as Minas ficavam para trás...
Procurando o mais possível que esta caminhada fosse essencialmente por trilhos que ainda não conhecia, optei então pelo caminho que ligava Navasfrias e Payo às estremenhas Eljas e San Martín de Trevejo, fazendo parte das velhas rotas de contrabando e cruzando as Torris de Fernán Centeno, ou Torres das Ellas. Mas, ainda abaixo dos mil metros de altitude, cruzar o regato de Los Salgueros e atingir aquele caminho ainda me levou a mais um pequeno troço de corta mato... J

Belas imagens nas margens do
regato de Los Salgueros
Regato de Los Salgueros
Acima já dos mil metros ... surge a cumeada
Rumo ao vale alto de Los Salgueros
O velho caminho das Ellas vai subindo o vale do regato de Los Salgueros. Acima já dos mil metros de altitude, começava a ver a cumeada e a reconhecer a cabeceira do vale, por onde tantas vezes fiz já a travessia dos Llanos de Navasfrias ao Puerto de Santa Clara. A cumeada do Espiñazo, junto às Torris de Fernán Centeno, seria a única porção já minha conhecida nesta jornada.

Panorâmica do vale alto de Los Salgueros, à medida que subia para As Torris
Eram já duas da tarde quando entrei em terreno conhecido, junto a Los Cortaderos e à vista do Teso de la Nave e das Torris, com o Xalmas ao fundo, vigilante. Continuando a subir rumo a poente, uma hora depois estava no Barroco do Raio; só então almocei, sentado no granito imponente.

E cheguei à cumeada do Espiñazo (Torres das Ellas, ou de Fernán Centeno)
Barroco do Raio. Segundo a lenda, terá sido cortado por um raio
Sentado junto ao barroco do raio,
frente à cumeada granítica do Espiñazo
A partir do barroco do raio, acompanhei a ciclópica parede que separa os pastos de montanha estremenhos dos salmantinos. Trata-se de um muro quase megalítico, que serviu desde tempos imemoriáveis para evitar a passagem do gado entre ambas as províncias. Apenas me desviei da pared, para o lado estremenho, junto ao cume do Espiñazo e ao alto de La Carbonera, a seguir ao qual voltei a entrar em terreno desconhecido, à vista de Los Llanos e da Serra das Mesas.

La pared, o ciclópico muro de granito que separa pastos salmantinos e estremenhos
Uma "vista aérea" sobre Valverde del Fresno, da cumeada do Espiñazo
Vigilantes nos ares ... mas não,
comigo não iriam ter sorte... J
Os Llanos de Navasfrias e a Serra das Mesas, da descida de La Refiesta
Sempre com o mesmo "companheiro" de jornada, o regresso a Navasfrias foi por La Refiesta e a Cuerda de los Civiles, rumo ao Remostajo e ao Águeda, sempre por belos senderos que atravessam os soutos navasfrieños. Já passava das quatro e meia quando comecei a ver Navasfrias ao longe, mas o tempo estava sob controlo: chegaria ao términus ainda antes do pôr do Sol, ainda para mais num esplêndido dia de Outono, que mais parecia Verão. E uns minutos antes das seis da tarde estava a cruzar o Águeda; o Duster lá me esperava, no ponto onde o havia deixado mais de 12 horas antes. Tinha feito 27 km ... durinhos ... principalmente devido aos corta mato relativamente imprevistos.

Regresso a Navasfrias ... através de uma magia de cores
17:55h - O Águeda, descido da Serra das Mesas, chega a Navasfrias ... tal como eu, descido das alturas do Espiñazo
E no fim, para além dos campos de Navasfrias ... lá estava o Xalmas, vigilante...
Antes das seis e meia estava de regresso a Vale de Espinho ... e à minha arraiana... J. Para sobremesa do jantar ... tinha uma esplêndida "bola parda", uma doçaria típica das aldeias raianas, à base de leite, ovos, farinha e canela; saudades de outros tempos...

Nota: no track publicado no Wikiloc, apenas considerei os 25 km "aproveitáveis". Apesar de ter deixado uma parte do corta mato, retirei algumas das tentativas para dele me livrar e para encontrar uma eventual passagem directa para a serra.
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sábado, 22 de outubro de 2016

Tons de Outono em Vale de Espinho ... com o negro de permeio...

No passado dia 7 de Outubro, recebi a notícia de que o Vale da Maria estava a arder. O Vale da Maria corresponde a uma ribeira, afluente do Côa ... nas "minhas" terras de Vale de Espinho. Os meus sentidos despertaram logo para as memórias dos terríveis incêndios de 2009 ... em que até as minhas "sagradas" Fontes Lares arderam!
Vale de Espinho, 22.10.2016 - A caminho do Vale da Maria
Sendo habitual virmos passar este início de Outono ao nosso "retiro", na tarde do próprio dia em que chegámos eu tinha que ver, com os meus olhos, a extensão da praga que agora tinha caído sobre o Vale da Maria. Chegámos, almoçámos ... e fui. A "minha" Malcata já está pintada com as cores do Outono, apesar de as alterações climáticas estarem a retardar a época da castanha. Transposto o Côa, rapidamente comecei a ver a mancha negra que parecia escorrer do Cabeço da Pelada. "Comecei a ver um fumozinho, como se alguém estivesse a fazer uma pequena fogueira", disse-me o João ... o construtor do meu refúgio nestas bandas. "Mas o fumo logo aumentou e desceu a Pelada",  continuou...; "como é que o fogo desce com aquela rapidez, se nem estava vento ?". Segredos e mistérios de uma nova "indústria"...

As cores são as de Outono ... mas, na encosta para a Pelada ... também há o negro...
Receava ver desaparecida a magia daquele vale que tão bem conheço, que já tantas vezes palmilhei. O vale onde, em Maio de 2013, guiei uma romagem de saudade para tantos naturais destas terras, alguns que há mais de 50 anos não percorriam campos e lameiros que lhes foram familiares. Contudo, se por um lado a visão dantesca de um mundo calcinado entristece sempre, valeu-me a pobre consolação de a área ardida ser bem menor do que imaginara. O vale propriamente tinha sido poupado. O fogo restringiu-se à encosta ENE do Cabeço da Pelada, entre esta e as zonas adjacentes à Ribeira do Vale da Maria.

Vale de Espinho ... para lá do inferno que passou por aqui...
Contornei a área ardida, na encosta. Pouco mais de uns 21 hectares de pinhal. Também a cabeceira do vale foi poupada, a Fonte Moira ... mas não o velho chouço, que tantas histórias teria para contar.

As cabeceiras do Vale da Maria e a Fonte Moira escaparam às chamas ...
... mas não o velho chouço que guarda
histórias de vidas e de gentes
E no meio do inferno negro
... o milagre da vida que renasce!
De novo no vale, junto à ribeira, procurei esquecer a encosta calcinada. Procurei ouvir apenas o cantar da água saltitante, beber os tons quentes de um Outono já chuvoso, mas ainda demasiado ameno. Por entre as brumas e o regresso de fortes aguaceiros ... voltei ao meu retiro raiano.

Lameiros da Ribeira do Vale da Maria. Não olhando para a encosta da Pelada ... a magia continua...!
E de regresso ao "ninho"
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Localização da área ardida, na encosta entre o Cabeço da Pelada
e a margem esquerda da Ribeira do Vale da Maria