domingo, 18 de agosto de 2019

De Santarém ao Alviela e aos trilhos de Malhou ... num fim de semana muito especial

"Que o vento leve como uma suave brisa Amor ao teu Coração e Alma. Que se afaste de ti o que não te eleva o Espírito. Que o teu mais valioso presente seja a tua Vida."
(Rosiana Ni Carvalho, "Alma Celta")
3 Peregrinos no Caminho de Fátima, 17.08.2019 (Foto: Luís Martins)
"Que o teu mais valioso presente seja a tua Vida" é uma verdade incontestável. A Vida é uma dádiva ... e como tal deve ser celebrada. Para celebrar mais um ano, a minha mana Paula - a Irmã do Coração que o Universo trouxe ao meu Caminho - sonhou passar o fim de semana do seu 45º aniversário ... a caminhar. E convidou amigos muito chegados para a acompanharem. O Sonho passava por sair da porta de casa, em Santarém, pelo já tantas vezes trilhado Caminho de Fátima.
No "Cantinho dos Peregrinos", com o Sr. Francisco Torre
A noite seria no também já nosso velho conhecido albergue do Centro Ciência Viva do Alviela e, embora inicialmente pensasse terminar em Fátima, a Paula optou contudo por deixar o percurso de domingo ao critério do Jorge, o Amigo que o destino trouxe também ao nosso encontro há pouco mais de um ano. E por fim juntou-se o Luís ... outro nosso bom Amigo e Santiagueiro.
Bem ... e se no final da caminhada, em dia de aniversário, fôssemos brindar? E se nesse brinde, de surpresa ... aparecessem umas 30 pessoas, entre familiares e amigos? Esse foi o plano que desde cedo começou a fermentar no meu cérebro. Hoje, passado o evento ... posso dizer que preparar essa surpresa, contactar inclusivamente com pessoas que, nalguns casos, não conhecia pessoalmente, tudo às escondidas da minha muito querida Irmã do Coração ... foi uma fraga complicada, inspiradora de um misto de paixões e receios ... mas foi das fragas mais gratificantes que já vivi! O vento levou seguramente, como uma suave brisa, Amor ao Coração e Alma de todos os que participaram nesta "aventura"!
Nos Olhos de Água do Alviela, numa tarde quente de um
sábado de verão ... já se comemorava a Amizade e a Vida
O percurso da primeira etapa foi o que já nos era familiar a qualquer dos quatro. Ainda não eram 9h30 estávamos no "Cantinho dos Peregrinos". O Sr. Francisco, que já podemos considerar velho amigo, era um dos convidados para a surpresa do dia seguinte ... mas guardou galhardamente o nosso segredo. Ter conseguido contactar directamente com ele, mais de uma semana antes, tinha sido um dos meus "momentos de glória" ... e de muito orgulho. A Vida é feita, decididamente, de pequenos grandes nadas! À meia noite, na camarata do Ciência Viva, cantámos os parabéns à Paula, com 4 bolitos comprados também às escondidas ... e não só. "Não é fácil surpreenderem-me, mas vocês conseguiram-me surpreender ", dizia convicta; mal sabia o que a esperava no fim da caminhada... 😊

Nas "minhas" velhas grutas do Amiais, nascentes do Alviela, 18.08.2019, 8h00 ... 4 vultos unidos na aventura da Amizade
O domingo começou por uma incursão nos "olhos de água", as grutas da ribeira dos Amiais que constituem as nascentes do Alviela ... onde tantas e tantas vezes acampei nos meus longínquos "anos loucos" ... quando dois dos quatro agora presentes ainda não tinham nascido. Depois, o Jorge tinha delineado um percurso descendo o Alviela, ao encontro do PR4, a Rota dos Ferreiros, na freguesia de Malhou. E com que recantos paradisíacos este percurso nos deliciou!

Recantos do Alviela, entre os Olhos de Água e Raposeira (1ª e 3ª fotos: Luís Martins)
Enquanto o Alviela segue o seu curso para o Tejo, nós inflectimos para sudoeste, rumo à Rota dos Ferreiros e à aldeia de Chã de Cima, repetindo aliás em sentido contrário um pequeno troço percorrido na véspera. O percurso deve o nome à arte de trabalhar o ferro, actividade que esteve na origem do nome da localidade de Malhou, onde iríamos terminar a caminhada. Como é normal nestes dias, a Paula passou grande parte do tempo a receber telefonemas de parabéns ... muito longe de saber que passadas umas horas, poucas, estaria a brindar com alguns dos que lhe telefonaram 😋.
Água límpida e fresca sabe sempre bem...
Nos lavadouros públicos de Malhou
Ainda não era meio dia quando entrámos em Malhou, com 15 km percorridos. Com os 29 km de sábado e a deslocação final aos lavadouros onde mergulhámos os pés e regresso, completaríamos 45 km, o que, embora não tivesse sido programado ... correspondia aos anos de Vida completados pela aniversariante!
Malhou estava em festa. Desde uma corrida de carrinhos de rolamentos aos petiscos no largo central, tudo bolia. E que dizer de um grupo de jovens que, quando chegámos aos lavadouros, nos foram buscar uma minizinha para cada um? A simpatia e os gestos desinteressados ainda existem neste mundo conturbado. Deixámos-lhes depois paga uma rodada no bar da vila 😉.
Depois ... depois, a Paula tinha combinado com o pai telefonar-lhe para nos ir buscar de regresso a Santarém. Claro que o pai também era cúmplice do que se aproximava, marcado para as três da tarde na "Loja das Tradições". Petiscámos ainda em Malhou, regressámos a Santarém com calma ... e fomos fazendo tempo no Miradouro de S. Bento ... enquanto disfarçadamente eu ia sabendo por telefone e mensagens se os convivas já lá estavam ... incluindo a minha estrelita arraiana, claro 😄.
Santarém, 15h15, à entrada da "Loja das Tradições". "Paula, vamos beber um copo para brindar e celebrar?"...
O que se seguiu ... não se descreve. O que se seguiu foi vivido e sentido. Ali, em segundos, foi a explosão da ansiedade acumulada, a expectativa de como é que a Paula ia reagir, a Felicidade de lhe ver a Felicidade e a admiração estampada no rosto! É destes momentos que a Vida é feita ... como ainda há quase 7 anos vivi (vivemos) momentos idênticos para os 60 anos da timoneira da minha Vida.
"É destes gestos que a amizade é feita e em cada momento
se consolida e se fortalece. É nisto que somos grandes.
No querer e no viver.
" (Jorge Salgueiro)
Com o Sr. Francisco Torre, do "Cantinho dos Peregrinos",
na festa surpresa de quem não era fácil surpreender... 😉

 
Um grande bem hajam a todos os que responderam à chamada para este desafio. Um grande obrigado ao Luís e ao Jorge, os outros dois "guarda costas" da Paula neste seu Sonho do Aniversário a caminhar. Um grande obrigado suplementar ao Jorge, principal colaborador da logística que o evento implicou, especialmente na escolha da "Loja das Tradições". Um grande obrigado à Andreia e ao Nuno Graça, seus donos e amigos do Jorge, que reservaram o espaço para este efeito num domingo à tarde, em que supostamente o estabelecimento estava fechado. Um grande obrigado à Sandra Barreiro, grande amiga de longa data da minha mana Paula, que apesar de não poder estar presente fez questão de oferecer o esplêndido bolo de aniversário. Um grande obrigado à Rosa Vaz e à Maria Dias, também impossibilitadas de viver o acontecimento, grandes amigas também de longa data da Paula ... e minhas conselheiras na construção desta "fraga" que me propus galgar.
Um grande obrigado à mãe e ao pai da Paula, ao Sr. Monteiro, aos restantes familiares que também me aconselharam e ajudaram. O mesmo Universo que um dia me ligou à Paula … também fez com que esta surpresa tenha corrido tão bem e com tanta Alegria, Amizade e Felicidade, com a ajuda e protecção de Santiago, neste grande Caminho que é a Vida!
A mensagem em inglês que encontrámos de manhã, algures ao longo dos trilhos ... se calhar não estava ali por acaso ... se calhar era uma antevisão da bênção, da lição e da cura que todos íamos receber.

Everything is a blessing ... Everything is a lesson ... Everything is a healing

À Amizade, ao Amor e à Vida!

segunda-feira, 12 de agosto de 2019

Serra do Homem de Pedra, na VIII Caminhada da ADAVE

A ADAVE - Associação dos Amigos de Vale de Espinho - tem organizado nos últimos anos uma caminhada de verão a que chamou a "Caminhada da Saúde".
Das rotas do contrabando à nascente do Côa e aos trilhos da Malcata, as edições anteriores percorreram grande parte dos velhos caminhos que, há mais de 4 décadas, eram palmilhados todos os dias pela população, numa vida de trabalho e de sobrevivência. Não participei em todas; a última foi em 2016, em que o objectivo foram as ruínas do Sabugal velho. Para este ano, na VIII edição, a ADAVE delineou um percurso pela Serra do Homem de Pedra, a serra que, a norte, separa Vale de Espinho de Aldeia Velha e do Soito.
Pouco depois das 7h15 de uma manhã bem fresca para Agosto, estávamos a sair da sede da ADAVE, na antiga Escola Primária de Vale de Espinho. Pelo Cabeludo, seguimos para nordeste, rumo à Có Pequena e Seixel, passando perto das "minhas" Fontes Lares. Lá no alto estava o parque eólico que desde há uns anos "ornamenta" muitas das nossas serras. Apesar dos mais de 200 participantes, o ritmo era acelerado; pouco mais de uma hora depois estávamos nos 1140 metros de altitude dos cabeços Melhano e do Homem de Pedra. A atmosfera límpida dava-nos uma panorâmica de 360º, da Marofa à Guarda, Serra da Estrela, Gardunha mais ao fundo, a Malcata e as Mesas, o "meu" Xalmas, as serras da Gata e da Peña de Francia e até, ao longe, as alturas de Bejar.

A bom ritmo, Serra Madeira acima, rumo ao Homem de Pedra - 12.Agosto.2019, 7h50
O "meu" Xalmas altaneiro (foto de cima) e, ao fundo, a nordeste, a Serra da Peña de Francia
Junto à torre de vigia do Homem de Pedra, a organização tinha providenciado um pequeno almoço serrano: pão, queijo, presunto, vinho e outras bebidas. A manhã continuava fresca e ventosa, mas as iguarias prenderam ali o grupo por cerca de 40 minutos. Depois, voltámos um pouco atrás, pelo Cabeço Melhano, para já na descida virarmos em direcção ao Soito, pelo Barrocal e pela Malhada Alta.
Um pequeno almoço serrano, junto à torre de vigia e ao geodésico do Homem de Pedra (1135m alt.) ...
... com a Serra da Estrela ao fundo
E do alto do Homem de Pedra descemos rumo ao
Soito, junto ao muro da antiga quinta das Devesas
Aos 1000m da Malhada Alta inflectimos para sul, para os Urejais, tomando o caminho novo entre o Soito e Vale de Espinho. Às 10h40 passávamos de novo pela Có Pequena ... e já só faltava descer o Areeiro, de regresso a Vale de Espinho. O sino dava as onze horas quando chegámos às Eiras, com pouco mais de 15 km nos pés, percorridos à boa média em movimento de 5,1 km/h.
A sempre bela vista de Vale de Espinho do caminho do Areeiro, com as encostas da Malcata ao fundo
Mas a festa da ADAVE não ficaria completa sem o tradicional almoço, este ano na nova praia fluvial de Vale de Espinho, junto à Ponte Nova. Há pouco mais de três meses ...
(Clique no mapa para ampliar e aqui para o álbum completo de fotos)
por ali tinha iniciado o Caminho de Santiago 2019, com a minha "mana" Paula. Parabéns à ADAVE por mais esta iniciativa, que mais uma vez animou o verão de Vale de Espinho.

Almoço de convívio, finda a caminhada,
na praia fluvial da Ponte Nova

terça-feira, 6 de agosto de 2019

Autonomia em Vale de Espinho ... ou uma melodia entre avô e netas

Entre o Vale da Maria e a Pelada,
Vale de Espinho, 5.Agosto.2019, 21h20
São três da manhã; acabei de ouvir o sino de Vale de Espinho. Pela abertura da tenda vejo as estrelas no firmamento. Levanto-me. Lá em baixo estão as luzes da aldeia e os "pirilampos" vermelhos das eólicas da serra do Homem de Pedra. As minhas netas dormem. Eu já dormi, talvez ainda volte a dormir, quem sabe. A mais velha, nos seus 11 anos, de vez em quando fala, mas não se percebem aquelas palavras em língua desconhecida. A mais nova, 9 anitos, é silenciosa mas mais reboliça. Na viagem astral dos seus sonhos, o que lhes terá despertado mais os sentidos? A viagem no tempo de que lhes falei, por simplesmente olharmos as estrelas? O cantar dos ralos agora adormecidos? O piar da coruja? Ou a raposa que imaginavam ser do tamanho de um lobo e lhes declarei ser inofensiva? Daqui a 4 horas nasce o Sol, antes dele havemos de ver o lento acordar de um novo dia, vindo lá das bandas do meu Xalmas, das bandas da nascente do rio sagrado, o Côa. A casa de Vale de Espinho está apenas a 2 km. Passava das seis da tarde quando descemos os três até ao rio, para depois subirmos o Vale da Maria e o Cabeço da Pelada. Amanhã, ou melhor, daqui a umas horas, desceremos ao Moinho do Rato e voltamos ao ninho. Caminhada curta, "aventura" pequena ... mas esta é já uma das autonomias mais maravilhosas que vivi ... e que certamente ficará na memória destas duas cabecinhas que continuam a dormir, alheias ao avançar da madrugada e à subtil movimentação aparente das constelações...

Escrevi estas palavras, soltas, às três da manhã, num precoce despertar dos mágicos que depois deu lugar a novo sono, ali, entre o Vale da Maria e o Cabeço da Pelada. De um lado a Catarina, do outro a Sofia, os três na tendazita que, nestas "minhas" terras de Vale de Espinho, também já me viu dormir com a Lua e as estrelas, a solo, há 3 anos, no cimo da Ladeira Grande, como também há 4 anos, a dois, com a minha estrela arraiana, no "santuário" das Fontes Lares.
À porta de casa ... Caminho de Santiago
Agora, enquanto o tempo, implacável no seu caminhar, desenrola o fio da vida, assisto ao crescimento dos filhos dos filhos que já vi crescer. Tento transmitir-lhes o que sou, quem sou. Tento transmitir-lhes que a vida é para ser vivida ... e que para isso precisamos de sonhar. Nem todos os dias são de Sol, mas só podemos ver o arco íris se aceitarmos a chuva, colhendo o que semeamos. Tento partilhar e semear experiência, ensinamentos, sonhos ... Amor.

Estamos com as duas netas em Vale de Espinho há uma semana. A três, já as tinha levado às águas do Côa, no mágico sítio do Moinho do Rato e na nova praia fluvial da Ponte Nova. Depois, no sábado, chegaram os pais delas e o irmão, o benjamim da família, menos de 2 anos ainda. A Sofia é a que parece ter recebido mais "inspiração" caminheira ... e domingo levámo-la ao "santuário" das Fontes Lares, onde o pai também já não ia há anos. As minhas velhas botas lá continuam, assistindo à passagem inexorável do tempo e ao avanço da vegetação sobre aquelas paredes, cada vez mais transformadas em pedras soltas, que contam e cantam memórias e histórias.

No Moinho do Rato e na praia fluvial da Ponte Nova, 31.Julho.2019
Há vida nas
margens do Côa
No "santuário" das Fontes Lares, onde jazem as minhas velhas botas que palmilharam léguas sem fim, 4.Agosto.2019
Pai e filha de regresso a Vale de Espinho, 4.Agosto, 12h10
Logo na primeira pequena caminhada, 4ª feira, tinha falado às netas numa certa "ideia maluca" que despertara no canto dos meus sonhos. "Querem ir dormir uma noite na serra, com o avô?", perguntei-lhes. A Sofia respondeu logo que sim, entusiasmada;
E os 3 "aventureiros" partiam para a "aventura", 5.08, 18h20
a Catarina teve algumas hesitações: "quantos km?", "não pode ser aqui perto?", perguntou. Lá lhes incuti a ideia de que acampar algures na serra seria uma aventura bué gira, muito mais gira do que quase ao lado de casa. A Catarina, contudo, esteve hesitante até pouco antes da partida; pelo contrário a Sofia, a mais nova, umas horas antes veio-me dizer ... "avô, eu estou ansiosa por irmos acampar na serra"... 😊
E assim, pouco depois das seis horas de uma tarde bastante quente, saímos rumo ao Côa e ao Vale da Maria. Na mochila, a tenda, 2 sacos cama para os três, farnel para o jantar e pequeno almoço, 3 litros de água ... e camisolas, super recomendadas pelos pais, que à noite iríamos ter frio. E realmente ainda bem que as levámos ... para servirem de almofadas... 😅
Ribeira do Vale da Maria
Junto à ribeira, numa primeira prospecção de local para montarmos o acampamento, um rebanho de ovelhas pastava no lameiro, guardadas por um cão que veio ver quem éramos. Primeiro pequeno susto, quando ele ladrou, dizendo lá na língua dele que para além daquele portão estavam as suas "meninas".
Vamos à procura de local para acampar...
Lá lhes transmiti que a postura não era ameaçadora, pelo contrário, mas a corpulência do dito e a coleira de bicos metálicos atemorizaram-nas; expliquei-lhes a função daqueles bicos, apesar de infelizmente já não existirem lobos na zona ... e também lhes expliquei o porquê da minha palavra "infelizmente". Voltámos contudo um pouco atrás. O local até era agradável, mas um dos objectivos também era ver o nascer do Sol, o que ali não seria possível, pelo que fomos subindo a encosta a nordeste da Fonte Moura, pelo velho trilho abandonado em direcção do Cabeço da Pelada. Muitos troncos enegrecidos e caídos reavivaram-me as tristes memórias do incêndio de Outubro de 2016, precisamente naquela encosta.
Lentamente, deixávamos Vale de Espinho para trás
Sensivelmente uma hora depois de termos saído de casa, estávamos num plateau acima da área dos troncos caídos, a cerca de 910 metros de altitude. Não estávamos muito acima de Vale de Espinho, mas a panorâmica abria-se sobre a aldeia e o vale da Maria, correndo para o Côa. Era ali. Tínhamos percorrido apenas pouco mais de 3km, mas as duas jovens estavam cansadas de saltar troncos ... além de desejosas de ver em pé a nossa morada para a noite que se aproximava.

Era uma vez uma casa de pano, morada para uma noite de
campo. Eram 20h ... e a fome já apertava...
Ao fundo, para além de Vale de Espinho, a Serra do Homem de Pedra seria o cenário para o nascer do Sol
Depois ... depois tivemos o lento recolher da luz do dia, com o astro rei a descer por trás da Pelada, por trás da Malcata, por trás do oceano que estava longe e que só víamos em pensamento.
Para aquelas duas alminhas, tudo era novo. A contemplação da Natureza, os sons, os animais que pudessem aparecer, os medos, a expectativa de como íamos dormir. Aliás ... um pequeno e inofensivo insecto dentro da tenda foi motivo de uma retirada estratégica da primeira visita aos aposentos... 😉
Claro que também houve ralhetes e, já escuro ... a ameaça de "deitar a casa abaixo" e regressar de noite a Vale de Espinho, face ao reboliço ocorrido na segunda incursão. Mas os ralhetes e ameaças são naturais ... e necessários. Fazem parte das aprendizagens e do crescimento. A melodia entre avós e neto(a)s deve ser uma melodia de partilha, de Amizade/Amor, de regresso nosso à criança que deve sempre continuar a existir em cada um de nós, mas não pode significar ausência de regras nem uma inversão de lugares.
A Lua, em quarto crescente, erguia-se por trás da tenda. Ao longe, ouvia-se tenuemente o ladrar de um cão.
Gradualmente o dia declina
e a Lua sobe nos Céus
Na penumbra, os olhos amedrontados viam para além da realidade; "avô, parece que está ali um homem no meio das árvores". Mas as estrelas começavam a salpicar o céu limpo ... e os sons da noite começavam a substituir os do dia. "Acham que podemos viajar no tempo?", perguntei-lhes. Incrédulas, lá lhes expliquei que a luz das estrelas mais distantes leva milhares de anos a chegar à Terra, pelo que podemos estar a ver estrelas que já nem existem.
"Conta-nos uma história inventada", pediram-me. Já deitados, lá lhes contei a história de um avô que, um dia ... levou as suas duas netinhas para uma longa caminhada, numa grande aventura num país distante,
cheio de mistérios e magias. Até que, pelo peso da magia e do sono, aqueles olhinhos se fecharam para a viagem astral dos sonhos. Tínhamos ouvido não há muito as onze horas no sino de Vale de Espinho, ou melhor ... na electrónica que substituiu o velho e belo som.
Também eu acabei por adormecer. Ambas tinham utilizado a "casa de banho improvisada" antes de se deitarem, como lhe chamara a Catarina, mas pelas duas e meia da manhã precisou de recorrer de novo ao tecto das estrelas. Voltou a adormecer assim que se deitou, mas eu fiquei desperto ... e às três horas, sentado na tenda, estava a escrever as palavras com que iniciei esta descrição de uma melodia entre avô e netas.
3h10 - Na escuridão da noite, vejo as luzes de
Vale de Espinho e os "pirilampos" vermelhos das eólicas
6.Agosto.2019, 6h40 ... e o Sol nasce para as terras de Vale de Espinho e da Malcata
Readormeci pouco depois das 4h. Como que despertado pelo relógio do Universo, quando acordei já havia claridade; eram 5h50; o Sol iria nascer daí a menos de uma hora. Dos dois sacos camas abertos para os três ... não se percebia qual estava onde. Estávamos os três directamente sobre o chão da tenda ... e ¾ dos dois sacos cama tinham sido raptados pela Sofia, que acordou pouco depois 😁
O despertar dos mágicos ... e o pequeno almoço
de duas aventureiras esfomeadas
A Catarina acordou poucos minutos antes do Sol despontar por trás da serra do Homem de Pedra. Para o pequeno almoço tínhamos bolos de Vale de Espinho. Depois ... era a segunda fase da "aventura". As mochilas iam agora mais vazias; dos mantimentos já só sobravam umas poucas batatas fritas; e tínhamos 1,5l de água para a segunda etapa. Nunca gosto de regressar pelo mesmo caminho e já lhes havia incutido essa ideia; desceríamos ao Moinho do Rato, que tinham conhecido dias antes. E assim, desmontada a tenda, antes das oito deixávamos aquele nosso "hotel" de todas as estrelas.
7h55 ... e o nosso "hotel" ficava para trás...
Começámos por subir o que faltava do Cabeço da Pelada, por vezes pelo meio das giestas. "Avô, mas não nos estamos a afastar de Vale de Espinho?", perguntavam as minhas companheiras de "aventura". "Sim, estamos, mas não por muito tempo. Já vamos começar a descer ", descansei-as.
Pelos giestais e pelos trilhos da Pelada,
íamos regressar à nossa base de Vale de Espinho
Aos mil metros de altitude do cabeço, inflectimos para norte ... e começámos a descer para o Côa. Quinze minutos antes das nove da manhã estávamos no Moinho do Rato. Reconheceram o sítio, tínhamos lá estado 6 dias antes. E pouco mais de meia hora depois entrávamos em Vale de Espinho e chegávamos a casa. A "aventura" durara apenas umas escassas 15 horas, tínhamos percorrido pouco mais de 8 km ... mas esta fora seguramente uma "aventura" que não esquecerão ... nem eu.

Moinho do Rato, 8h45 - O Côa abençoava o quase fim da "aventura" e o regresso à base
Sim ... tinha sido lá ao fundo, naqueles pinhais do Cabeço da Pelada, que um avô e duas netas tinham vivido esta autonomia
A melodia que perpassara nos meus sonhos tinha-se concretizado ... e talvez gerado ou alimentado a vontade para viverem outras. O Universo, que é inteligente, ditará o futuro... 😊🙏

O percurso desta "melodia entre avô e netas" (Clique no mapa para ampliar e aqui para o álbum completo de fotos)