domingo, 29 de março de 2015

Em terras do Serro Ventoso e da Bezerra

Há mais de dois anos, em Setembro de 2012, numa jornada de grande rota na Serra de Candeeiros, conheci ... o "Sítio do Elias". O "sítio do Elias" é uma cabana "perdida" no meio de um frondoso bosque, na encosta entre as aldeias de Bezerra e Serro Ventoso, construída há 15 anos por um simpático morador da Bezerra.
Serra de Candeeiros, 29.03.2015, 9:35h
Ali se encontram apetrechos de cozinha, um grelhador, sal, carvão e outros utensílios que proporcionam facilmente um agradável repasto. A única regra é deixar tudo como estava, limpo, deixando também se possível alguma coisa que os próximos possam utilizar. E assim, o mentor daquelas a que chamámos as GRDs - Grandes Rotas Duras - agendou para hoje ... uma "pequena rota" em torno do dito "Sítio do Elias"; apesar de incluir uma componente pedestre ... o mote principal, hoje, era uma grelhada e um convívio naquela muito simpática e original cabana! J
Serro Ventoso, no coração da Serra de Candeeiros
Numa manhã fria, em que o nevoeiro teimava em não levantar dos cumes ... estávamos quase a ficar-nos pela cabana... J; mas a previsão de um bom dia de Sol, neste início de Primavera, viria a confirmar-se.

Subida ao Moinho do Picoto, sobre Serro Ventoso
Apesar de curta - um pouco menos de 9 km - a caminhada não foi por isso menos interessante e bem panorâmica. Da Bezerra descemos a Serro Ventoso e deste subimos ao geodésico de Covas Tojeiras e ao seu Moinho do Picoto, a 546 metros de altitude. À medida que subíamos ... o nevoeiro abria... J.

No Moinho do Picoto
Descida de regresso à Bezerra
Antiga Mina da Bezerra
No bosque mágico onde se situa a "cabana do Elias"
E pouco depois da uma da tarde estávamos de regresso ao "Sítio do Elias". As horas seguintes ... foram de alegre e são convívio, animado pelos comes e bebes com que os convivas contribuíram. O dia já era então um belo dia de Sol e até de algum calor.

Na "mítica" Cabana do Elias, em ameno convívio
Pórticos naturais...
E assim, entre pórticos naturais e o são convívio de quem partilha a paixão pelo ar livre ... se passou o último domingo de Março!

sábado, 21 de março de 2015

Seguindo a água da Prata...

Em Outubro de 2014, com um dos meus vários grupos de amigos do pedestrianismo, "descobrimos" o Aqueduto de Évora, o Aqueduto da Água da Prata. No fim de Janeiro, com 3 companheiros da "família" Gaspar Correia, tinha ido rever e reconhecer mais um pequeno troço e hoje lá estávamos de novo ... mas desta vez com cerca de 70 caminheiros, prontos a percorrer o trilho daquela que foi a principal fonte de abastecimento de água à cidade de Évora.
Início do trilho da Água da Prata, Évora, 21.Março.2015
Mas esta não foi apenas mais uma caminhada dos Caminheiros Gaspar Correia. Esta não foi uma caminhada qualquer: foi, por um lado, a caminhada comemorativa do 30º Aniversário do Grupo, mas também a primeira caminhada depois da perda brutal de um grande Amigo, que partiu ao cumprir o sonho de subir o Pico, como relatei no artigo anterior. Foi um dia de celebração da Vida! Da Vida que deve ser vivida, dia a dia, minuto a minuto. Vivida para poder viver a felicidade de ter Amigos! Uns partem ... mas no mistério da vida e da morte estão e estarão sempre connosco!
Ao longo do Aqueduto da Água da Prata ... no primeiro dia de Primavera
Este primeiro dia de Primavera ameaçava aguaceiros, que no entanto não se concretizaram. Os campos rejubilavam já de cor e de vida. E lá fomos seguindo o aqueduto, à vista de velhas quintas, a maioria testemunhando velhos tempos há muito perdidos, como a Quinta da Manizola, que pertenceu ao visconde da Esperança e foi a Quinta do Arcediago, propriedade de André de Resende.

Mais um troço da Água da Prata, junto à ...
Fonte do Arcediago
Quinta da Manizola
E já se percebe Évora, para lá do Aqueduto
Mosteiro de São Bento de Cástris, da Ordem de Cister: o mais antigo mosteiro feminino a sul do Tejo
Antes das três e meia da tarde, com 12 km percorridos, estávamos na estrada de Arraiolos, cruzada pelos arcos do velho aqueduto, junto a um pilar com torre incorporada e cúpula de estilo manuelino, onde se encontravam as imagens de S. Bruno e S. Bento, patronos dos mosteiros da Cartuxa e de São Bento de Cástris.

Ao fundo, o Mosteiro da Cartuxa

E a caminhada terminava, junto ao pilar e torre
onde se encontravam as imagens de S. Bruno e S. Bento
Terminada a caminhada ... o 30º aniversário do Grupo foi comemorado - tal como já o 25º o tinha sido - nas instalações do Coral Etnográfico Cantares de Évora, nos antigos celeiros da EPAC. A gastronomia alentejana esteve naturalmente em força ... mas também o portentoso Cante Alentejano, Património Cultural e Imaterial da Humanidade. Esta foi a mais bela e emotiva homenagem que o Grupo poderia prestar ao nosso querido Luís Fialho Rodrigues, que os desígnios da Terra Mater chamaram a si, há tão só duas semanas! Onde quer que esteja ... ele estará sempre com os seus Caminheiros Gaspar Correia!

Cantares de Évora, nos antigos celeiros da EPAC: o Cante Alentejano marcou presença!
A comemoração dos 30 anos do Grupo ... foi também uma sucessão de belas surpresas para esta "família", que ainda conta com 4 membros que permanecem, no activo, desde a primeira caminhada, no já tão longínquo mês de Março do longínquo ano de 1985! Em jeito de prémio, novos e velhos membros ... viram-se de repente capa da conceituada National Geographic...J

À semelhança das "bodas de prata", há 5 anos, fui igualmente responsável pela compilação das memórias Caminheiras de 30 anos, através da elaboração de uma Brochura comemorativa.


A capa da brochura ... revela a autêntica obra-prima de um artista Caminheiro, saída das suas mãos e moldada pelas suas mãos ... e pelo amor dedicado ao Grupo, para o Grupo ... para a muita amizade e a muita partilha que o caracteriza. Pertencer ao Grupo de Caminheiros Gaspar Correia ...é para mim um privilégio de que muito me orgulho! Obrigado, Companheiros! Obrigado, Amigos!

domingo, 8 de março de 2015

Pelo Gerês com Alma ... e à memória de um grande Amigo!

Dez dias depois de perder a Mãe que me gerou ... eu precisava de voltar a escalar as minhas montanhas, ouvir o zumbir do vento, admirar o brilho das Estrelas ... eu precisava de voltar à Terra Mater!
Junto à Fonte das Letras, Arado7.Março.2015, 9:35h
Nove "Montanhistas Livres" (e a Heidi) vão calcorrear o Gerês profundo
Se as ondas voam com o vento,
Levando nelas saudades
Levai-me neste lamento
Livrai-me destas vaidades.

Cá, o que sinto não chega
Pra me afastar do que sinto.
Sinto uma dor que se apega
No meu coração faminto.

Fome de amor por alguém
Dor que arde, não aguento.
Levai-me lá para além
Eu quero ir com o vento!
(José Antunes Fino, 28.Fev.2015, à memória de minha Mãe)
E o vento ... levou-me "lá para além" ... para o meu amado Gerês! Agendada há largos meses, para o passado fim de semana estava destinada uma actividade que, só por si, já tinha o "rótulo" de carismática. O objectivo era ... calcorrear o Gerês, em autonomia, durante dois dias, guiados ... pela Alma de Montanhista, a grande mulher que um dia se entregou de Alma e coração àquelas serras, àquelas fragas, às rocas e às corgas, aos prados e currais do seu amado Gerês ... do meu amado Gerês!
Meu querido Luís Fialho, dediquei-te a contemplação da
eternidade, estiveste comigo na imensidão do Gerês profundo
Os dias amargos de um mês de Fevereiro verdadeiramente diabólico fizeram-me partir para esta "aventura" em busca de um recarregar de baterias. Mas a roda da Vida e da Morte ditou que, ao mesmo tempo que eu partia para o Gerês, um grande Amigo, um grande Homem, um grande Ser Humano ... partisse desta Vida! E partiu ... a cumprir um sonho, o sonho de subir ao cume da montanha mais alta de Portugal, a montanha do Pico, Açores, a montanha que já subi por duas vezes. O Luís cumpriu o seu sonho, mas, já na descida, o seu débil coração não aguentou a pressão que lhe exigiu. Seguramente morreu feliz ... mas vivi estes dois dias a vê-lo em cada roca, em cada carvalho, em cada corga, em cada estrela na imensidão do céu, na imensidão da eternidade.
O grupo tinha de ser forçosamente pequeno, num percurso que teria tanto de surpreendente como de surpresa ... já que só a nossa "White Angel " sabia para onde íamos, onde nos íamos extasiar. Nesse pequeno grupo de amigos, para além dela estiveram comigo dois amigos que são mais do que amigos ... são dois Irmãos, daquele que foi verdadeiramente o "Caminho da Aventura".

O vale do Rio Conho, visto de próximo do Cutelo de Pias
Desde pouco acima da ponte do rio Arado, subimos em direcção à Corga da Giesteira e à Chã de Pinheiro ... até que a Roca Negra e a Rocalva nos surgiram no horizonte. Ali, naquele êxtase granítico, as lágrimas correram-me livres pela face ... o pensamento voou livre para a imensidão da eternidade.
Ali, no mais profundo do "meu" amado Gerês, sonhei ver o sorriso contemplativo do Luís. No silêncio ... ouvi-o nitidamente, ouvi as suas palavras sábias, explicando a formação da imensidão granítica em que me encontrava. No silêncio ... sonhei ver-lhe a felicidade estampada no rosto, menos de 24 horas antes; ele tinha, finalmente, cumprido o seu sonho de subir ao Pico!
Entre a vida e a morte, há apenas o simples fenómeno de uma subtil transformação.
A morte não é morte da vida.
A morte não é inação, inutilidade.
A morte é apenas a face obscura, mínima, em gestação
de uma viagem que não cessa de o ser.
(Casimiro de Brito, in "Solidão Imperfeita")          
A caminho da imensa mole granítica da Rocalva e do Cutelo de Pias
No Prado da Rocalva ... seguramente um dos paraísos na Terra...


O Cutelo de Pias ficou para trás,
na Primavera antecipada dos prados da Rocalva
A subida à Meda da Rocalva não é fácil. E nunca foi minha paixão a escalada propriamente dita; gosto de sentir a segurança nos pés. Do grupo de 9, eu e mais 3 ficámos na base ... juntamente com a Heidi, a cadelinha montanhista que sempre acompanha a sua dona "White Angel".

Subida à Meda da Rocalva ... para alguns...
Panorâmica do patamar base da Rocalva para nordeste
Foram momentos emocionantes, os momentos de nítida e sentida preocupação da Heidi, ao ver a sua protectora desaparecer lá para os cumes de uma rocha para ela inacessível. Ela descia, subia, ladrava, como que a chamar; tentei acalmá-la, dizendo-lhe que a sua dona já vinha ... a certa altura positivamente abraçou-se a mim, como que numa súplica por fazer algo. Quando por fim a viu ... foi indescritível a felicidade que nos transmitiu. Irracionais? Irracionais são infelizmente muitos seres ditos humanos...!

A caminho do Iteiro de Ovos. É só seguir a própria sombra ... e as águas que correm sobre o granito milenar...
Vista do Iteiro de Ovos para sul. A Heidi contempla o horizonte...
Da Meda da Rocalva inflectimos para sudeste, rumo ao Iteiro de Ovos. Sob a mole imensa do Coucão, estávamos bem no coração do Gerês profundo. E o dia deu lugar à noite, sob um céu repleto de estrelas, dando lugar à maior e única viagem no tempo, contemplando a eternidade, quem sabe se contemplando a origem do próprio Universo. Ali, naquele ermo perdido, na imensidão do espaço e do tempo ... eu vi ou pensei sonhar com duas novas estrelas no firmamento. As lágrimas, essas rolaram grossas e firmes.
Obrigado Anabela, pelo firme apoio naquela hora. Obrigado Vítor. Obrigado Dorita. Obrigado Amigos!

E do dia se fez noite ... e da noite se fez um novo dia...
Numa manhã sublime e estando tão próximos, a nossa guia não podia deixar de levar o pequeno grupo ao espectacular "miradouro" das Velas Brancas. Bordejando a cabeceira da Corga do Salgueiro, às nove e meia da manhã estávamos debruçados sobre o profundo vale das Fichinhas. Lá ao fundo, a poente, lá estava o meu velho "amigo" Curral do Conho, da minha primeira autonomia a dois e não só. Aos meus pés, a cabana das Fichinhas e as águas do Rio Touça, os locais mágicos onde igualmente levei a minha "princesa" arraiana, no ano seguinte. Ao fundo, as Albas apontavam os seus "dedos" aos céus.

Velas Brancas, sobre as Fichinhas e o vale do Rio da Touça. Ao fundo, à esquerda, as Albas
I believe I can fly...
Vale do Rio da Touça, com Porta Ruivas ao fundo 
Para oeste, ao fundo, o Curral do Conho
Regressados ao Iteiro de Ovos, o rumo era agora sempre para sul e poente. Cruzado o "estreito" entre os vales do Rio do Laço e do Rio Conho, o regresso era já todo ele meu "velho" conhecido: Pradolã, Pousada, Pinhô, Ponte de Servas, Tribela ... e estávamos no Arado.
E caminhamos para o regresso:
"estreito" entre o Rio do Conho e o Rio Laço
O espectacular vale do Rio Laço, visto do "estreito"
O meu "velho conhecido" prado frente à Cabana de Pinhô
Descida para o Rio Conho e Ponte de Servas: ao fundo do vale, espreitam a Roca Negra (à esquerda) e o Cutelo de Pias
Antes das duas da tarde estávamos no ponto de partida. E estávamos no fim de um fim de semana fabuloso, com amigos fabulosos, nas fabulosas terras do Gerês! Curiosamente - ou talvez não - baptizámos esta "aventura" com o nome de "Pelo Gerês com Alma ". Embora a designação dissesse respeito à Alma de Montanhista que a norteou ... a alma do Luís Fialho planou seguramente até estas montanhas mágicas, que por várias vezes o levei a atravessar ... onde um dia nos levou a fazer, na Serra Amarela, o minuto de silêncio mais maravilhoso que alguma vez vivi.
Ramisquedo, Serra Amarela, 12.06.2010 ... durante o
minuto de silêncio mais maravilhoso que alguma vez vivi!
Até sempre Luís, meu querido Luís. Este artigo nestas minhas memórias é-te dedicado. Tu vives e viverás sempre connosco!
Álbum completo

A imagem do Luís nesse minuto de silêncio, a ouvir a Natureza, a ouvir as suas rochas, não mais me saiu nem sairá da memória ... "As rochas cuja história o Luís tão bem conhecia, como um pai conhece a história de um filho. Talvez esse rio no meio das rochas não fosse mais do que as lágrimas destas por terem ficado órfãs."
(Pedro Mousinho)
(13.03.2015 ... uma semana depois da minha partida para o Gerês ... uma semana depois da partida do Luís para a sua caminhada eterna)