quarta-feira, 27 de junho de 2012

No santuário lusitano do Cabeço das Fráguas

Os livros de Célio Rolinho Pires - que orgulhosamente fazem parte da minha modesta biblioteca raiana - já me tinham falado do Cabeço das Fráguas, como igualmente me falaram da Serra d'Opa, do S. Cornélio e de tantos outros lugares deste "país das pedras". Situado no limite entre os concelhos do Sabugal e da Guarda, o Cabeço das Fráguas parece ter sido um antigo local de culto a divindades lusitanas, datado do séc. V a.C.. Pensa-se que o cabeço poderá ter sido o local da morte de Viriato e das
Pousafoles do Bispo, com o Cabeço das Fráguas ao fundo
suas possíveis cerimónias fúnebres, sob a forma de cremação em pira funerária.
As novas tecnologias permitiram-me ter conhecimento de uma subida ao Cabeço das Fráguas, agendada para hoje por elementos ligados ao Clube de Montanhismo da Guarda. E ... às 10 da manhã reuniamo-nos assim os 6 elementos desta "romagem", na base do impo-nente morro, próximo de Lameiras, Pousafoles do Bispo. O Cabeço das Fráguas destaca-se na paisagem, quase 200 metros acima do planalto que ocupa o topo noroeste do concelho do Sabugal; o Cabeço situa-se contudo já na freguesia de Benespera, concelho da Guarda.
A partir do caminho rural onde os carros ficaram a descansar, "atacámos" a subida a bom ritmo. Não há trilhos. Vamos subindo com António Machado no pensamento: "o caminho faz-se caminhando"...
Subida ao Cabeço das Fráguas, 27.06.2012, 1018m alt
A panorâmica do cume é soberba. Apenas a neblina característica dos dias de calor que marcam este início de verão nos impediu de ver mais além da cidade da Guarda, do vale da Ribeira de Maçaínhas  e
No cume do Cabeço das Fráguas (Foto: Jó Andrade)
da Serra de Vale Mourão, das terras da Bendada e do Sabugal.
No topo do cabeço encontra-se uma escavação arqueológica que parece provar a existência de algumas edificações, possivelmente destinadas ao culto. Nas imediações, foram encontradas 20 aras religiosas contemporâneas dos lusitanos.
Mas a característica mais famosa do Cabeço das Fráguas é a existência de uma inscrição rupestre em caracteres latinos, datada do séc. II d.C., em língua designada por lusitana, descrevendo uma oferenda às divindades indígenas de uma ovelha, um leitão, uma vitela, um cordeiro de um ano e um touro de cobrição, feita por alguém em circunstâncias desconhecidas (vide "Santuário Lusitano-Romano do Cabeço das Fráguas").
Foi portanto essa inscrição rupestre que nos propusemos encontrar, o que de início não parecia fácil. Mas afinal até estava a mesma assinalada por três setas em pedra, desenhadas no solo.

Estávamos bem no seio do "país das pedras"...
À procura das inscrições lusitanas
Aqui está a pedra onde se descreve uma oferenda às divindades indígenas
Meio sumidas, as inscrições lusitanas
Ainda não era meio dia quando iniciámos a descida. Procurámos uma via mais a norte do que a que tínhamos utilizado na subida, o que nos permitiu vencer as curvas de nível menos abruptamente. Mais a norte, portanto, regressámos ao caminho rural inicial. E às 12:25h estávamos nos carros. Foi naturalmente uma caminhada bastante curta (pouco mais de 4 km), mas que me deu a conhecer mais um recanto das belas terras raianas e um dos locais mais míticos da história das nossas origens lusitanas.

Chegou a hora da descida (Foto: Jó Andrade)
E regressamos ao planalto base
O Cabeço das Fráguas fica para trás ...
A "equipa" dos seis "conquistadores" do Cabeço das Fráguas
Feita a foto de grupo da praxe, despedimo-nos com a promessa de que nos voltaremos certamente a encontrar noutras "aventuras". Cinco elementos da "equipa" rumaram à Guarda ... eu rumei a Vale de Espinho! Como habitualmente, fica o álbum de fotografias completo e o pequeno percurso realizado.
Cabeço das Fráguas, 27.06.2012

sábado, 23 de junho de 2012

Um dia abri as asas e voei...

O céu não é o limite… é o começo!
Mais de 40 anos por fragas e pragas, levaram-me a percorrer serras e rios, a beber a água divina das fontes, a sentir a energia telúrica de escarpas e barrocos, a descer torrentes e ribeiras, a pulular de som e de vida … saltando as fragas. A aproximar-me dos 60 anos, a paixão pelos grandes espaços naturais cada vez mais me inspira e alimenta. É a entrega, a comunhão ... o sonho! E quantas vezes dei por mim a planar, em sonhos, sobre os meus paraísos perdidos, sobre os vales e as serras que já calcorreei a pé, sobre os bosques de xanas e nuberus, de duendes e de fadas.
Livre como o vento...! Santa Cruz, 23.06.2012
E como "no canto de cada sonho nasce a vontade" ... há muito que me havia nascido a vontade de passar do sonho à realidade, de abrir as asas e voar, nem que fosse por breves momentos, numa leve e fugaz experiência. Pelo menos no meu imaginário, a asa delta é a experiência que mais se aproxima do voo das aves, da sensação de liberdade. Livre ... como o vento! Alguma vez tinha de experimentar essa sensação, de viver esse sonho. Foi hoje!
A escola de voo livre "Sobrevoar" foi a eleita para me transformar em ave planadora. Pensada inicialmente para os céus da Beira Baixa, a experiência passou contudo para a minha velha Santa Cruz, a Santa Cruz da minha meninice e adolescência, a Santa Cruz dos passeios pelas arribas, dos acampamentos nos pinhais, das voltas na bicicleta ou na motorizada alugada ao velho Sr. Filipe. Se nos céus da Beira Baixa eu podia ser cegonha ou abutre, nos céus de Santa Cruz eu seria certamente gaivota, qual Fernão Capelo testando a superação dos limites, ao encontro da liberdade verdadeira, pautada no amor e na compreensão do outro e do mundo.
Não, não sou um astronauta... :)
E foi um Fernão Capelo ávido de novas sensações que hoje levantou voo do velho aeródromo de Santa Cruz, pouco depois das onze da manhã. Para as "gaivotas" inexperientes como eu, o baptismo de voo é realizado em asa delta bilugar e traccionada, o que significa que o "salto" não é de uma fraga no alto de uma serra, mas sim da pista do aeródromo, em que o aparelho é puxado por um carro até que as correntes de ar impulsionem a asa em direcção ao azul do céu. Este Fernão Capelo claro que estava tenso, ou, porque não dizê-lo, amedrontado com o que iria encontrar neste novo ambiente e como iria reagir. Mas a sensação é indescritível! A partir do momento que levantámos e, principalmente, quando largámos o cabo que nos prendia ao carro ... pareceu-me que o mundo era nosso, meu e do monitor que me guiava nos ares!
E assim, mais de 40 anos depois de me ter iniciado na espeleologia, de ter explorado o mundo submarino na prática do mergulho amador, de ter passado a vida a calcorrear fragas e pragas, pelos grandes espaços pelos quais me apaixonei, um dia, hoje ... abri as asas e voei! A asa delta passou a fazer parte das "aventuras" que já vivi. O céu não é o limite... é o começo!

domingo, 17 de junho de 2012

Nas rotas do contrabando, em terras de Aldeia da Ponte

Desta vez pela mão de dois filhos de Aldeia da Ponte e em terras de Aldeia da Ponte, acabo de viver mais um fim de semana raiano, com a minha "família" caminheira, nas velhas rotas do contrabando. A jornada iniciou-se ontem em Forcalhos, a aldeia que deu luz a um dos mais belos romances da raia no concelho do  Sabugal,  "Drama sob as Nuvens",  que aborda os usos e tradições da região,  num  tempo
Forcalhos (raia Sabugalense), 16.06.2012 - a caminho da
Ermida da Senhora da Consolação
distante de mais de meio século.
Dos Forcalhos rumámos à velha Ermida da Senhora da Consolação, uma das mais antigas do concelho do Sabugal, situada quase em cima da raia ... tão em cima que se dizia que ficando o corpo dela em Portugal, fica a Capela-mor nas terras de Espanha. Antes, contudo, atravessámos as terras do "Zé Noi", o mais famoso ganadeiro da raia Sabugalense; andámos pelo meio do gado bravo ... mas ao abrigo de um transporte de caixa aberta com que a organização nos brindou!
Ermida da Senhora da Consolação, junto à raia de Espanha, 16.06.2012
No regresso a Aldeia da Ponte rumámos ao Rio Cesarão, pouco a norte de onde ele resulta da junção das ribeiras de Aldeia Velha e dos Forcalhos. Seguiu-se, claro, o famoso ex-libris de Alfaiates, o Convento de Nossa Senhora da Sacaparte, e uma visita à própria Aldeia da Ponte.

Nossa Senhora da Sacaparte, Alfaiates, 16.06.2012
Hoje foi a vez dos caminhos do contrabando: de Aldeia da Ponte, partimos por alguns dos trilhos dos contrabandistas da raia, em direção à aldeia espanhola de Albergaría de Argañán, para onde os raianos, depois dos trabalhos dos campos e alancados com o peso dos carregos - e sabe Deus quantas vezes esgalgados de fome - faziam o contrabando que, pela sua insignificância, não lesava a economia do país, mas era uma pequena achega, essencial, ao sustento familiar.

Vida dura, a dos "contrabandistas"...
Frente a terras de Espanha; ao fundo é a Serra da Penha de França
Fronteira: marco 600 da raia espanhola
E os "contrabandistas" entram Espanha 'adentro'...
... rumo a Alberguería de Argañán
Depois, regressamos a Portugal ...
... pelo marco de fronteira 602
Quantas histórias de fugas aos guardas fiscais e aos carabineiros! Guardas fiscais que hoje, mais uma vez ... nos saltaram ao caminho no regresso a Aldeia da Ponte! Mas, claro ... em simpática e originalíssima encenação!

E ... fomos apanhados... :)  Ninguém estava à espera ... e zás, os "guardas" apareceram e pediram-nos a "mercadoria"...
(Foto: Alberto Luís)
Por estes caminhos da raia fez-se história, construíram-se vivências, ganharam-se e perderam-se vidas! Ficam os percursos utilizados nestas duas belas caminhadas raianas.

quarta-feira, 6 de junho de 2012

Sintra, o Monte da Lua

Quatro anos depois de deixar o ensino,  fiz  hoje  um pequeno percurso pedestre  na  Serra de Sintra  ...
Sintra, 6.06.2012, 10:30h - o dia estava pouco convidativo...
com alunos. Um companheiro da minha habitual "família" Caminheira convidou-me a acompanhá-lo e aos seus alunos de fotografia nesta curta caminhada, muito idêntica à que, em 1992, organizei para o meu velho Clube "Amigos da Natureza". Foi por isso um reavivar de memórias escondidas na bruma de 20 anos ... até porque o dia esteve de brumas e cacimbas ... ou não fosse Sintra o Monte da Lua de todos os segredos e misticismos...
"Sintra de há mil séculos, caminho das estrelas que nos conduzem a casa, Sintra das noites de tempestade, oculta da realidade, das nossas memórias acesas, dos templos que não foram construídos, para além de toda a lógica dos sentidos, Sintra dos segredos embutidos nas histórias e nos caminhos secretamente percorridos, Sintra onde houve, e há, um tempo para além do absurdo, do possivel, onde o incrível é do tamanho do mais alto grito, mudo e atirado connosco para o infinito, para onde as respostas, gastas e insistentes, se derramam como os passos num caminho sobre o asfalto, e o milenar granito..."
LM Vendeirinho
Tal como há 20 anos, o transporte foi de comboio na ida e na vinda. E por velhas calçadas e escadinhas lá fomos subindo, até "sobrevoarmos" Sintra do Castelo dos Mouros e dos acessos à Pena. Mas, diferente de há 20 anos ... actualmente para ir à Cruz Alta é obrigatório o pagamento da entrada no Parque da Pena ... que não é barato. Tratando-se do ponto mais alto da Serra de Sintra, a 529 metros de altitude, é no mínimo anacrónico este acesso proibitivo.
Por entre o misticismo ... de onde saem fadas e duendes...
A descida foi ao longo da curta linha de água que brota dos lagos da Pena. Com muita vegetação e piso algo escorregadio ... esta foi considerada uma aventura por alguns dos participantes... J.

Aspectos da "descida das nuvens"
Antes das duas da tarde estávamos de novo na estação do comboio.

domingo, 3 de junho de 2012

Quando se reúnem três gerações de caminheiros...

Neste blog - que já vai contando 42 anos de "aventuras" - não trago desta vez nenhuma autonomia, nenhuma "aventura". O dia de ontem, 2 de Junho, não foi em nenhum dos meus paraísos perdidos, dos paraísos pelos quais a vida me fez apaixonar, mas foi sem dúvida mais um instantâneo de uma vida ao ar livre, se bem que um instantâneo simbólico, um encontro. E um encontro que reuniu  nada  menos  de
Próximo do Cercal, 2.06.2012:
uma caminhada com três gerações de caminheiros
3 gerações de caminheiros, dos avós aos netos, três gerações daquela a que me orgulho sempre de chamar a minha família caminheira, o Grupo de Caminheiros Gaspar Correia ... afinal uma das melhores "coisas" que me surgiram na vida!
Há 3 anos combinada e sucessivamente adiada por razões meteorológicas, esta "caminhada" dos avós, filhos e netos caminheiros realizou-se finalmente ontem, no dia seguinte ao Dia da Criança. Com grande pena minha, só pude levar 1/3 da minha "prole" de netos. Ainda no rescaldo de uma "praga" de escarlatina que atacou aquelas pobres almas, as minhas duas netas não puderam estar presentes. Esteve o primo delas, o meu neto  mais  velho ... que,  com 4 anos e meio,
representou bem os genes do avô, ao palmilhar sem qualquer problema os "longos" 3,6 km da mini caminhada organizada para os mais pequenos.
Realizada em terras alentejanas de Santiago do Cacém, num "monte" propriedade precisamente de uma representante da geração do meio - a dos filhos - esta celebração foi um "Grande dia para os mais miúdos, para os menos miúdos e para os respeitáveis Avós", utilizando as palavras de um companheiro veterano. Os Caminheiros Gaspar Correia - a minha família caminheira - comemoraram em Março passado 27 anos de percursos pedestres, mas também 27 anos de amizades, de celebração da vida e dos valores que a mesma representa. O dia de ontem foi igualmente um grande dia para a companheira que viu concretizado este seu velho sonho. Ao longo de 27 anos, alguns caminheiros e caminheiras cresceram com o grupo, outros nasceram no grupo. Orgulhamo-nos de contar ainda, nas nossas fileiras, com membros fundadores, activos há 27 anos! Alguns, poucos, já partiram infelizmente para a caminhada eterna.

Aspectos de três gerações de caminheiros, 2.06.2012