domingo, 17 de outubro de 2021

Com os Caminheiros, em terras da Peña de Francia

Num Outono de há já sete anos, fiz uma escapadela a solo à Serra da Peña de Francia, de certo modo a continuação, para nordeste, das "minhas" serras da Malcata, Mesas e Gata. Principalmente a primeira das caminhadas de então foi uma caminhada dura, de montanha pura e dura, pelo que a "estrela arraiana", menos dada a "aventuras" ... ficou na nossa raia, não muito distante.
Miradouro do Paso de los lobos, Peña de Francia, 20 de Agosto de 2021, 10h05
Sete anos depois, neste verão, voltei lá com ela ... numa nova abordagem e para uma prospecção de uma actividade que propus aos "meus" Caminheiros Gaspar Correia, prospecção e actividade que já era para ter sido no ano negro de 2020 ... mas que a covid empurrou para este fim de semana ... com a colaboração da minha estrela arraiana e da nossa neta caminheira 💖
Cume da Peña de Francia (1723m alt.), 16.Out.2021, 13h15
Depois de uma longa viagem de autocarro desde Lisboa, 48 caminheiros e caminheiras chegavam ao cume da Sierra de Francia. Situado a 1723 metros de altitude, o Santuário da Peña de Francia é o Santuário Mariano mais alto do Mundo. O topónimo "Sierra de Francia" está relacionado com o repovoamento medieval destas paragens, com gentes vindas de terras gaulesas.
Do Santuário aos castaños centenarios de El Caserito
Segundo a lenda, no início do Séc. XV uma menina acordou no meio do seu próprio funeral ... e anunciou que uma imagem de Nossa Senhora seria descoberta nos próximos anos; em 1434, um estudante francês, Simón Vela, encontrou a figura da Virgem numa gruta, ali se construindo uma primeira e tosca ermida, onde mais tarde se ergueria o Santuário, conhecido pela sua Virgem Negra. Dispõe de uma grande Hospedaria e Bar, além do Convento, onde residem os frades dominicanos.
A Virgem
da Peña de Francia ... no Caminho de
Santiago
Mas a Peña de Francia também é ... Caminho de Santiago. Atraídos pela devoção e pelos milagres, muitos peregrinos abandonaram a Via da Prata e encaminharam-se para o Santuário da Virgem Negra. Recuperado e devidamente sinalizado em 2012, o Caminho da Peña de Francia inicia-se no Puerto de Béjar, até à montanha mágica. A paisagem converte-se também em protagonista: bosques de castanheiros, carvalhais, cultivos da vinha e de cerejeiras povoam as serras de Béjar e de Francia, declaradas Reserva da Biosfera pela Unesco. E nós íamos fazer a primeira caminhada precisamente num dos núcleos melhor preservados de castanheiros, junto à pequena aldeia de El Caserito.

Com o cume da Peña de Francia em pano de fundo, estávamos na Senda de los castaños centenarios
A Senda de los castaños centenarios é um pequeno percurso circular, fácil, através de um bosque de castanheiros, com exemplares de mais de 500 anos. Na parte inicial passa-se por um "miradouro", de onde se avista o cume da Peña de Francia; mais à frente, dá-se largas à imaginação, ao ver nas "figuras de Tomé" aquilo que a nossa mente vir … desde caras humanas a dinossauros.

Cores de Outono, nos castanheiros centenários de El Caserito (Foto de E. Baptista)
Foto parcial de grupo, na magia do bosque de castanheiros
As "figuras de Tomé", na Senda de los castaños centenarios
Pouco passava das quatro da tarde dávamos por terminado este primeiro e pequeno percurso pedestre. O resto do dia era para a visita livre à jóia arquitectónica que é a aldeia de Alberca, onde nos alojámos no Hotel "Las Batuecas". Em 1940, La Alberca foi declarada Conjunto Histórico - Artístico, sendo o primeiro município espanhol a receber tal distinção.
La Alberca, uma jóia histórico-artística em terras da Peña de Francia
Do Miradouro de El Portillo ao Camino de las Raíces
O programa que eu idealizara para domingo envolvia o vale de Las Batuecas. Os caminheiros e caminheiras adeptos de um maior grau de dificuldade fariam o PR-SA 10, descendo desde o Puerto del Portillo; os restantes fariam apenas o vale, junto ao rio Batuecas. Mas, em mais de 40 anos a organizar actividades com grupos (de alunos, de amigos, de caminheiros) ... pela primeira vez vi-me obrigado a alterar completamente uma programação, por questões logísticas relacionadas com o acesso do autocarro ao vale, para deixar o segundo grupo e para a recolha de todos.
Puerto del Portillo, 17.Out.2021, 9h35 - Seria de aqui que partiríamos a pé para o vale de Las Batuecas
Alterar um programa para um grupo de quase 50 pessoas, numa faixa etária quase dos 7 aos 77 e com capacidades muito diferentes ... não é fácil. Valeu-me o algum conhecimento da zona ... e principalmente a "prospecção" feita entre as onze da noite e as duas da manhã ... online. O Universo esteve felizmente mais uma vez do meu lado ... e consegui delinear uma caminhada de 13 km, acessível a todos os elementos do grupo, a começar igualmente no Puerto del Portillo ... mas em sentido contrário; à curta descida inicial que nos levaria de regresso a Alberca liguei o Camino de las Raíces, uma caminhada circular da qual eu conhecia ... talvez uns 10%...
Bela panorâmica do Puerto del Portillo para nordeste, no início de uma caminhada ... improvisada
Ainda no Puerto del Portillo ... começou a chover. Tudo parecia estar contra nós, desta vez. As capas saíram das mochilas ... mas rapidamente voltaram a ser guardadas; acreditar no Universo tem as suas recompensas 😊. Descemos às ruelas típicas a sul da aldeia, cruzámos o Arroyo de La Alberca pela velhinha Puente de Piedra ... e deliciámo-nos com os lindíssimos castanheiros, repletos de ouriços.

Paisagens de Outono, na descida do Portillo a Alberca e na puente de piedra sobre o ribeiro do mesmo nome
Camino de las Raíces interliga Arte e Natureza, nos traços da memória colectiva de uma aldeia, La Alberca, e de um território, a Sierra de Francia. A partir da puente de piedra, atravessámos espaços humanizados em que se reflectem as raízes de uma cultura ancestral, as crenças e o imaginário dos seus habitantes: pedras que poderiam ter sido mágicas, eremitérios, lugares para reuniões e festas, etc..
Algumas propostas artísticas pretendem que o caminheiro tenha outra forma de olhar para o que o rodeia. A primeira foi o "espejismo de un bosque", três grandes esculturas, de autoria de Begoña Pérez, em forma de pilares espelhados, que reflectem as árvores, a montanha sagrada, as pessoas, a vida no bosque em permanente mutação.

Ao longo do Camino de las Raíces ...
no "espejismo de un bosque"...
"La majá", de Lucía Loren, no sítio das Majadas Viejas
"O que guardam estas paredes? O que protegem? Contra o que defendem? Onde estão os pastores?
Paredes que são portas, para lembrar a essência do que éramos ... Raízes perdidas
"...
Esta majá, no sítio de Majadas Viejas, transportou-nos a mim e à minha arraiana para as paredes semelhantes das velhas "cortes" e "cortelhas" das nossas Beiras, afinal ali relativamente perto; o apelido, quase de certeza derivado das majadas, ajuda à relação. E o caminho conduziu-nos à Ermida do mesmo nome, a Ermita de Majadas Viejas, passando antes pelo Montón de Cantos, um humilladero, ou milladoiro, que me transportou para os Caminhos de Santiago, em que a Cruz de Ferro é o exemplo mais conhecido e mais místico destes montóns de pedras carregadas de simbolismo.
O Montón de Cantos e a Ermida de Majadas Viejas
Das Majadas Viejas o caminho inflecte para norte, rumo à Lagoa e às ruínas da Ermida de São Marcos, passando por rochas que deixam a dúvida entre as formas naturais e as esculpidas. Também as folhas de carvalho, de Iraida Cano, pretendem chamar a atenção para a roda das estações.
Formas naturais? Formas esculpidas?
Esculpidas pela Natureza?...
As "hojas de roble" de Iraida Cano
"As folhas foram sombra, abrigo e frescura ... também leito para animais nos estábulos. Mas as folhas caem e fundem-se com a terra, tornam-se alimento para uma nova vida, para que possam voltar a crescer ramos, raízes; a folha torna-se mais tangível, surpreendentemente imutável, com outra dimensão no espaço e no tempo."
Escolhemos o belo anfiteatro junto às ruínas da Ermida de São Marcos para local de almoço. Não o víamos, mas lá em baixo corria o Rio Francia. Os deuses continuavam connosco; apenas uns ligeiros borrifos de vez em quando, intervalados com pedaços de céu azul e até de algum calor. Terão os deuses aterrado no "asteróide" que "caiu" no interior da Ermida?...

Ruínas da Ermida de São Marcos, com o "asteróide" de Fernando Casás, frente ao vale do rio Francia
No regresso a Alberca, contornámos a lagoa, seguiram-se mais umas obras artísticas, como o favo de mel de Carlos Beltrán e a "Sombra" de Fernando Méndez. E pouco depois das três da tarde estávamos a terminar esta caminhada improvisada ... que afinal se revelou bastante bonita e que a todos agradou.
Lagoa de São Marcos ... em forma quase de um coração...
Na "Sombra", de Fernando Méndez
‎"A sombra é uma raiz. A sombra move-se, desaparece, muda de intensidade. A árvore permanece. As raízes movem-se quando crescem. A árvore move-se quando cresce. Direcções opostas. Crescimento contínuo ou morte. Matéria viva e pedra, que capta um instante e o congela. Relógio de Sol, o tempo detido ... Sombra."‎
E de regresso a La Alberca, no final do Camino de las Raíces e deste magnífico fim de semana
Este domingo foi um claro indicador de que cada vez mais a Vida é Vivida dia a dia, momento a momento. Foi apenas uma questão logística, que obrigou a uma alteração de planos ... mas, como nos bosques ... de repente tudo muda. O vale de Las Batuecas ficou para outras "núpcias" ... mas os Caminheiros Gaspar Correia vieram de terras da Peña de Francia satisfeitos; foi a segunda actividade depois da pandemia ... a primeira de dois dias. Que o Universo e os homens erradiquem de vez o vírus!
Mapas e perfis das duas caminhadas
(clique para ver no Wikiloc)
Trilho proveniente do Puerto del Portillo, em La Alberca (Clique para ver o álbum completo de fotos)

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