Num Outono de há já sete anos, fiz uma escapadela a solo à
Serra da Peña de Francia, de certo modo a continuação, para nordeste, das "minhas" serras da Malcata,
Mesas e Gata. Principalmente a primeira das caminhadas de então foi uma
caminhada dura, de montanha pura e dura, pelo que a "estrela arraiana", menos
dada a "aventuras" ... ficou na nossa raia, não muito distante.
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Miradouro do Paso de los lobos, Peña de Francia, 20 de Agosto de 2021, 10h05
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Sete anos depois, neste verão, voltei lá com ela ... numa nova abordagem e
para uma prospecção de uma actividade que propus aos "meus" Caminheiros
Gaspar Correia, prospecção e actividade que já era para ter sido no ano
negro de 2020 ... mas que a covid empurrou para este fim de semana ... com a
colaboração da minha estrela arraiana e da nossa neta caminheira 💖
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Cume da Peña de Francia (1723m alt.), 16.Out.2021, 13h15
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Depois de uma longa viagem de autocarro desde Lisboa, 48 caminheiros e
caminheiras chegavam ao cume da
Sierra de Francia. Situado a 1723 metros
de altitude, o Santuário da Peña de Francia é o Santuário Mariano mais alto
do Mundo. O topónimo "Sierra de Francia" está relacionado com o repovoamento
medieval destas paragens, com gentes vindas de terras gaulesas.
Do Santuário aos castaños centenarios de
El Caserito
Segundo a lenda, no início do Séc. XV uma menina acordou no meio do seu
próprio funeral ... e anunciou que uma imagem de Nossa Senhora seria
descoberta nos próximos anos; em 1434, um estudante francês, Simón Vela,
encontrou a figura da Virgem numa gruta, ali se construindo uma primeira e
tosca ermida, onde mais tarde se ergueria o Santuário, conhecido pela sua
Virgem Negra. Dispõe de uma grande Hospedaria e Bar, além do Convento, onde
residem os frades dominicanos.
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A Virgem |
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da Peña de Francia ... no Caminho de
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Santiago |
Mas a
Peña de Francia também é ...
Caminho de Santiago.
Atraídos pela devoção e pelos milagres, muitos peregrinos abandonaram a Via
da Prata e encaminharam-se para o Santuário da Virgem Negra. Recuperado e
devidamente sinalizado em 2012, o Caminho da
Peña de Francia inicia-se no
Puerto de Béjar, até à montanha
mágica. A paisagem converte-se também em protagonista: bosques de
castanheiros, carvalhais, cultivos da vinha e de cerejeiras povoam as serras
de Béjar e de Francia, declaradas Reserva da Biosfera pela Unesco. E nós
íamos fazer a primeira caminhada precisamente num dos núcleos melhor
preservados de castanheiros, junto à pequena aldeia de
El Caserito.
A
Senda de los castaños centenarios é um pequeno percurso circular, fácil, através de um bosque de
castanheiros, com exemplares de mais de 500 anos. Na parte inicial passa-se
por um "miradouro", de onde se avista o cume da
Peña de Francia; mais
à frente, dá-se largas à imaginação, ao ver nas "figuras de Tomé" aquilo que
a nossa mente vir … desde caras humanas a dinossauros.
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Cores de Outono, nos castanheiros centenários de
El Caserito (Foto de E. Baptista)
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Foto parcial de grupo, na magia do bosque de castanheiros
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Pouco passava das quatro da tarde dávamos por terminado este primeiro e
pequeno percurso pedestre. O resto do dia era para a visita livre à jóia
arquitectónica que é a aldeia de
Alberca, onde nos alojámos no
Hotel "Las Batuecas". Em 1940,
La Alberca
foi declarada Conjunto Histórico - Artístico, sendo o primeiro município
espanhol a receber tal distinção.
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La Alberca, uma jóia
histórico-artística em terras da Peña de Francia
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Do Miradouro de El Portillo ao Camino de las Raíces
O programa que eu idealizara para domingo envolvia o vale de
Las Batuecas. Os caminheiros e caminheiras adeptos de um maior grau de dificuldade
fariam o
PR-SA 10, descendo desde o
Puerto del Portillo; os restantes fariam apenas o
vale, junto ao rio
Batuecas. Mas, em mais de 40 anos a organizar
actividades com grupos (de alunos, de amigos, de caminheiros) ... pela
primeira vez vi-me obrigado a alterar completamente uma programação, por
questões logísticas relacionadas com o acesso do autocarro ao vale, para
deixar o segundo grupo e para a recolha de todos.
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Puerto del Portillo, 17.Out.2021,
9h35 - Seria de aqui que partiríamos a pé para o vale de
Las Batuecas
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Alterar um programa para um grupo de quase 50 pessoas, numa faixa etária quase
dos 7 aos 77 e com capacidades muito diferentes ... não é fácil. Valeu-me o
algum conhecimento da zona ... e principalmente a "prospecção" feita entre as
onze da noite e as duas da manhã ...
online. O Universo esteve
felizmente mais uma vez do meu lado ... e consegui delinear uma caminhada de
13 km, acessível a todos os elementos do grupo, a começar igualmente no
Puerto del Portillo ... mas em sentido contrário; à curta descida
inicial que nos levaria de regresso a Alberca liguei o
Camino de las Raíces, uma caminhada circular da qual eu conhecia ... talvez uns 10%...
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Bela panorâmica do Puerto del Portillo para nordeste, no
início de uma caminhada ... improvisada
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Ainda no
Puerto del Portillo ... começou a chover. Tudo parecia
estar contra nós, desta vez. As capas saíram das mochilas ... mas rapidamente
voltaram a ser guardadas; acreditar no Universo tem as suas recompensas 😊.
Descemos às ruelas típicas a sul da aldeia, cruzámos o
Arroyo de La Alberca pela velhinha
Puente de Piedra ... e deliciámo-nos com os lindíssimos
castanheiros, repletos de ouriços.
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Paisagens de Outono, na descida do Portillo a
Alberca e na puente de piedra sobre o ribeiro
do mesmo nome
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O
Camino de las Raíces interliga Arte e Natureza, nos traços da memória colectiva de uma
aldeia,
La Alberca, e de um território, a
Sierra de Francia. A
partir da
puente de piedra, atravessámos espaços humanizados em que se
reflectem as raízes de uma cultura ancestral, as crenças e o imaginário dos
seus habitantes: pedras que poderiam ter sido mágicas, eremitérios, lugares
para reuniões e festas, etc..
Algumas propostas artísticas pretendem que o caminheiro tenha outra forma de
olhar para o que o rodeia. A primeira foi o "espejismo de un bosque",
três grandes esculturas, de autoria de Begoña Pérez, em forma de pilares
espelhados, que reflectem as árvores, a montanha sagrada, as pessoas, a vida
no bosque em permanente mutação.
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Ao longo do Camino de las Raíces ...
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no "espejismo de un bosque"...
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Esta
majá, no sítio de
Majadas Viejas, transportou-nos a mim e à minha arraiana para as paredes semelhantes das
velhas "cortes" e "cortelhas" das nossas Beiras, afinal ali relativamente
perto; o apelido, quase de certeza derivado das
majadas, ajuda à
relação. E o caminho conduziu-nos à Ermida do mesmo nome, a
Ermita de Majadas Viejas, passando antes pelo
Montón de Cantos, um
humilladero, ou
milladoiro, que me transportou para os
Caminhos de Santiago, em que a Cruz de Ferro é o exemplo mais conhecido e mais
místico destes
montóns de pedras carregadas de simbolismo.
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O Montón de Cantos e a Ermida de Majadas Viejas
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Das
Majadas Viejas o caminho inflecte para norte, rumo à Lagoa e
às ruínas da
Ermida de São Marcos, passando por rochas que deixam a
dúvida entre as formas naturais e as esculpidas. Também as folhas de carvalho,
de Iraida Cano, pretendem chamar a atenção para a roda das estações.
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Formas naturais? Formas esculpidas?
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Esculpidas pela Natureza?...
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Escolhemos o belo anfiteatro junto às ruínas da
Ermida de São Marcos para local de almoço. Não o víamos, mas lá em baixo corria o
Rio Francia. Os deuses continuavam connosco; apenas uns ligeiros borrifos de vez em
quando, intervalados com pedaços de céu azul e até de algum calor. Terão os
deuses aterrado no "asteróide" que "caiu" no interior da Ermida?...
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Ruínas da Ermida de São Marcos, com o "asteróide" de Fernando
Casás, frente ao vale do rio Francia
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No regresso a Alberca, contornámos a lagoa, seguiram-se mais umas obras
artísticas, como o favo de mel de Carlos Beltrán e a "Sombra" de Fernando
Méndez. E pouco depois das três da tarde estávamos a terminar esta caminhada
improvisada ... que afinal se revelou bastante bonita e que a todos agradou.
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Lagoa de São Marcos ... em forma quase de um coração...
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E de regresso a La Alberca, no final
do Camino de las Raíces e deste magnífico fim de semana
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Este domingo foi um claro indicador de que cada vez mais a Vida é Vivida dia a
dia, momento a momento. Foi apenas uma questão logística, que obrigou a uma
alteração de planos ... mas, como nos bosques ... de repente tudo muda. O vale
de
Las Batuecas ficou para outras "núpcias" ... mas os Caminheiros
Gaspar Correia vieram de terras da
Peña de Francia satisfeitos;
foi a segunda actividade depois da pandemia ... a primeira de dois dias. Que o
Universo e os homens erradiquem de vez o vírus!
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Mapas e
perfis
das duas caminhadas
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Trilho proveniente do Puerto del Portillo, em
La Alberca (Clique para ver o
álbum completo
de fotos)
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