A fala de Xálima é uma variedade linguística do galaico-português,
usada numa área conhecida por vale de Xálima, na encosta sudoeste da
Sierra de Gata ... paredes meias com a "minha" Malcata. A fala abrange três
dialectos, falados nas três povoações do vale: o valverdeiru (fala
de Valverde del Fresno), o lagarteiru (fala das Ellas) e o
manhegu (fala de San Martin de Trevejo).
Valverde del Fresno (Valverdi du Fresnu), 25.Out.2021, 11h15
O meu quase meio século de terras raianas claro que muitas vezes me levou a
qualquer daquelas três povoações ... mas nunca as tinha ligado às três num
mesmo percurso pedestre.
E sob o pretexto de ir abastecer o carro a Valverde (quase 0,40 € mais barato
do que em Portugal...), desenhei uma caminhada baseada na
PR-CC 184, a
Ruta de "A Fala", mas adaptei-a para percurso circular a partir de Valverde e associando-lhe
alguns outros trilhos e percursos locais.
Comecei tarde, passava das dez horas, onze em Espanha. O carro ficou à guarda
da velha Igreja de Nossa Senhora da Assunção e saí pela Praça do Santo Cristo,
rumo a leste, cruzando pouco depois o Arroyo de Malnombre; para a seca
extrema que temos vivido, até me admirou a água que ainda corre no
arroyo.
Arroyo de Malnombre ... e a caminho da Ermida do Espírito
Santo
Ermita del Espiritu Santo, próximo de Valverde, 12h00
A paisagem espectacular da Serra do Espiñazo acompanhou-me
sempre, a norte. A pouco mais de 2 km de Valverde, a localização da
Ermida do Espírito Santo responde aliás a critérios telúricos, míticos
e quase mágicos. Valverde ia ficando para trás, as Ellas apareciam ainda na
sombra da manhã. Mais a leste, uma placa indica "Tumbas antropomorfas"
... mas desviando-me na respectiva direcção as referidas
tumbas não me apareceram à vista ... nem qualquer outra placa ou
referência às mesmas.
A caminho das Ellas, cruzo o
rio Erjas
... que mais a sul é o nosso Erges
Cruzado o Erjas, começo a subir para as
Ellas, com a Fuente del Alamo na
base da empinada ladeira, em calçada. E passava já da uma quando cheguei à
praça central da terra dos lagarteirus, geminada com os nossos Fóios,
com quem todos os anos alternam a festa do magusto raiano.
Na Fuente del Alamo, à entrada das Ellas. Ao fundo,
Valverde del Fresno ficou para trás.
Ellas: largo central e Igreja
de Nª Srª da Assunção ... e uma placa em lagarteiru
Das Ellas e passados portanto dois dos três pueblos d'A Falla de Xálima, subi o velho caminho que leva às "Torris de Fernán Centeno" e ao
Puerto de Santa Clara. As Torris de Fernán Centeno (ou torres
das Ellas) são os rochedos, na Serra do Espiñazo, de onde consta
que as hordas de bandoleiros guiadas pelo celebérrimo Fernán Centeno,
El Travieso, senhor de Peñaparda e do castelo de
Rapapelo, assolavam no séc. XV grande parte destas terras, chegando a
tomar os castelos das Ellas e de Trevejo.
Ainda os telhados das Ellas e Valverde ao fundo. Mais ao fundo, a
Serra da Marvana e, mais ao fundo ainda, a Gardunha
Ao longo do carvalhal mágico do Camino del Puertu
Já quase a 900 metros de altitude, o carvalhal dá lugar à rocha,
começando-se a ver o vale de San Martín ...
... e o "meu" Xalmas surge imponente, dominando o vale a
que deu o nome
Sobre San Martín de Trevejo ... ou Sa Martín de Trevellu, em manhegu
Este troço ao longo do Camino del Puerto é verdadeiramente
espectacular. Sozinho entre as alturas do Espiñazo, que várias vezes
percorri, dos Llanos de Navasfrias ao Puerto de Santa
Clara, e o vale dos três pueblos d'A Fala, primeiro pelas
sombras de um carvalhal mágico e depois à vista e pelo meio dos barrocos
graníticos ... quase me pareceu ver as ruínas do lendário castelo de
Rapapelo, de que não restam vestígios, atrás das quais se acoitavam as
"tropas" do não menos lendário Fernán Centeno.
Um abrigo natural em plena serra, pelos vistos já
utilizado. Se fosse necessário...
Quase aos mil metros de altitude, surge a "rampa" que me há-de
permitir ligar o Camino del Puerto ao de El Soto
Para trás ficam os barrocos e as alturas das
Torris de Fernán Centeno
Para a frente e para baixo, o vale de San Martín de Trevejo, com o
Xalmas a dominar, à esquerda
Estava agora a descer das alturas. O "meu" Xalmas domina o vale, espraiando-se
pela encosta coberta de carvalhos e castanheiros. O
castañal de los Ojestos está ainda
maioritariamente verde, quando nesta altura seria de esperar já o matizado das
cores outonais; teremos de esperar umas semanas.
As ladeiras sul do Xalmas e o
castañal de los Ojestos, ainda
maioritariamente verdes
E chego ao sítio de El Soto, a meia
serra, ainda a norte de San Martín de Trevejo
Nesta encosta sul da Serra, houve sempre famílias de pastores que, até há
cerca de cem anos atrás, eram esquecidos pelos homens e pouco atendidos pelos
ministros de Deus. No início do século XX, o padre das Ellas, Dom Eusébio
Obregón, ele próprio serrano e que amava a sua terra, com a ajuda dos
Franciscanos que haviam retornado ao convento de San Martín de Trevejo,
decidiu fazer algo pelos pastores. Com o dinheiro de uns e o trabalho gratuito
de outros, conseguiu levantar uma Ermida, logo colocada sob a invocação da
Virgem Maria ... e assim nasceu a Ermida da Divina Pastora.
A Ermida da Divina Pastora,
no lugar de El Soto
E uma janela para o Castañal de los Ojestos
Descida para San Martín de Trevejo, através de um
estreito sendero próximo do
Molino de los Frailes
Eram quatro e meia e estava a entrar em Sa Martín de Trevellu, pelo Convento Franciscano de San Miguel. Os manhegus contam
que São Francisco de Assis, quando voltava de uma viagem que havia feito a
Lisboa e a caminho de Ciudad Rodrigo, passou por San Martín de Trevejo, onde
parou para descansar. A lenda popular diz que ficou tão impressionado com a
beleza da paisagem que ordenou aos seus seguidores que ali construíssem um
Convento, hoje
Hospedaria Conventual Sierra de Gata.
Convento Franciscano de San Martín de Trevejo, 16h30
San Martín de Trevejo é o pueblo que melhor conserva a típica
arquitectura e características urbanísticas e tradicionais. Passear pelas suas
ruas e praças é sempre uma viagem no tempo, aprendendo também o
manhegu, talvez o mais cerrado dos três dialectos de A Fala.
Igreja de San Martín
Ruas típicas de San Martín de Trevejo
San Martín de Trevejo (ou Sa Martín de Trevellu) ... uma
viagem no Tempo...
Faltavam-me 9 km para o regresso a Valverde del Fresno. Eram cinco da tarde
espanholas. Uma bela caña à saída de San Martín deu-me alento ...
e foi em boa média que os percorri, tanto mais que agora o percurso era
praticamente plano, a sul das Ellas e do percurso que me havia levado aos três
pueblos do vale de Xálima e que, num belo dia de Outono, me havia
mostrado as paisagens magníficas de toda esta jornada, principalmente ao longo
do velho Camino del Puerto.
Os campos a poente de San Martín e o Río de la Vega sob a
Puente del Molino Grande
De novo as Ellas, agora ao Sol da tarde ...
E aproximo-me de Valverde del Fresno, entrando pelo
Caminho Real e a
Puente Real sobre o
Arroyo de Malnombre
Antes das sete estava de novo junto à Igreja de Valverde ... onde o Duster me
esperava com a "barriga" cheia a preço espanhol 😊. Foi sem dúvida uma bela
caminhada, a somar aos curtos passeios que já tinha feito em mais uma das
habituais estadias no meu retiro raiano ... nomeadamente ao meu "santuário"
das
Fontes Lares
(fotos
aqui).
Valverde del Fresno, 18h50 - Estava de regresso, com 25 km
nos pés (Clique
para ver o
álbum completo)
(Clique no mapa para aumentar e
aqui
para ver o percurso no
Wikiloc)
Uma loucura de passeio. O meu amigo Mário Antunes, da Nave, adoraria caminhar ao teu lado neste percurso. Tenho que vos pôr em contato visto que o Mário também delira com essas paisagens e com essas tradições que tu tão bem descreves. Abraço de parabéns.
3 comentários:
Magnifico! DESCONHECIA QUE NESTA PEQUENA REGIÃO SE FAL 3 DIALETOS!!
Uma loucura de passeio.
O meu amigo Mário Antunes, da Nave, adoraria caminhar ao teu lado neste percurso. Tenho que vos pôr em contato visto que o Mário também delira com essas paisagens e com essas tradições que tu tão bem descreves.
Abraço de parabéns.
Obrigado ... é pena eu não saber de quem se trata, o comentário é anónimo.
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