terça-feira, 18 de maio de 2021

De Valença do Minho a Santiago … no Caminho do meu renascer (1)

De Valença a Pontevedra
Pontevedra, 18 de Maio
15 de Maio, sábado: o dia há tanto esperado chegara! O primeiro Caminho de Santiago com a minha pequena/grande peregrina do Caminho da Vida tinha sido sonhado para o "ano especial" de 2020, mas a covid trocou as voltas ao Mundo. Dois dias antes, escrevi o Preâmbulo a este Caminho do meu renascer; renascer, sim ... este Caminho marcou para mim o início de um novo ciclo
Praça do Obradoiro, 22.Maio.2021:
2 Peregrinos chegam ao campus stellae
... o expurgar dos meus fantasmas ... o arrumar de fragas e pragas que me atiraram ao Caminho ... fragas e pragas que precisava de ultrapassar ... que ultrapassei 🌿🕊️
Ao contrário da partida para os meus seis Caminhos anteriores, a emoção e a saudade antecipada eram agora diferentes. Na partida, não tinha a companheira da minha Vida a despedir-se ... tinha-a a partir comigo, cheia de incertezas, da insegurança de uma primeira vez ... mas cheia de força de vontade ... de Amor.
A despedirem-se de nós, tínhamos sim dois irmãos do coração, que conhecemos há tanto tempo quanto nos conhecemos nós dois! Obrigado, "manos velhos"! A vossa surpresa à partida, na gare do Oriente ... foi a primeira estória deste nosso Caminho a dois!
Em cerca de 5 horas, o Alfa Pendular e um regional levaram-nos a Valença do Minho. Antes, foram dias a receber informações sobre a situação da pandemia na Galiza, o funcionamento dos albergues, as formalidades necessárias, que já não eram nenhumas. Desde o dia 1 de Maio que as fronteiras voltaram a estar abertas; desde o dia 9 que a Galiza deixou de estar em estado de emergência. Tudo se conjugava para partirmos para o Sonho adiado ... na senda do meu renascer.

Valença do Minho, 15.Maio.2021, 16h00 - O nosso Caminho tinha começado, após uma viagem de 5 horas de combóio.
Os primeiros dois dias foram de chuva intermitente. As capas desempenharam o seu papel ... e aliás a chuva não molha peregrinos 🙂. Para mim, claro que as memórias começaram desde cedo; memórias do Caminho de 2018, em que igualmente
percorri o Caminho Central Português, mas a partir de terras de Ourém e pela Variante Espiritual. Para a minha pequena/grande estrela, claro que o Caminho tinha de ser mais curto e, essencialmente, com etapas mais curtas. Naquele fim de tarde, limitámo-nos a passar o Minho e ir até Tui. O Albergue de Valença está ainda encerrado; na Galiza, a maioria dos albergues públicos também ainda estão, mas os privados estão maioritariamente abertos, limitados a 30% da lotação. Em Tui, recebeu-nos o belo Albergue Ideas Peregrinas, junto à Catedral. Numa camarata de 5 camas ficámos só nós, mas tanto em Valença como em Tui começámos logo a encontrar peregrinos; o Caminho recomeça lentamente a voltar a ser Caminho!

Tui, o Rio Minho e a bela Catedral da primeira cidade galega do Caminho
No Albergue Ideas Peregrinas, Tui, 15.Mai.2021, 21h00
O dia seguinte, domingo 16, acordou igualmente com chuva miudinha. Era a primeira etapa a sério: 17,5 km de Tui a Porriño, etapa sem dificuldades, mas em que logo mergulhámos no muito verde que nos remete para a contemplação, a meditação ... a espiritualidade.
Ponte sobre o rio Louro, à saída de Tui, e Santiago estilizado, 16.Maio.2021
Capela da Virxe do Camiño, entre Tui e Ribadelouro
Cruzeiros junto à Ponte das Febres, sobre o rio San Simón, afluente do Louro
Simulação do Pórtico da Glória à entrada de Orbenlle, do pintor galego Xai Óscar,
acompanhada pela ilustração de um velho e experiente Peregrino
Ao longo da senda das Gándaras de Budiño, a caminho de Porriño
Claro que me recordava bem destes locais, do Caminho de 2018; de certo modo fui como que um guia para a minha pequena peregrina. Mas o Caminho é sempre diferente!
Porriño, 16.Maio.2021
E a "nova" peregrina estava a gostar do que via e sentia. Entretanto o dia melhorou; a previsão para os próximos dias era boa; já caminhávamos sem capas e à hora do almoço estávamos em Porriño.
Em Porriño recebeu-nos o Albergue Senda Sur. Nesta fase infelizmente ainda "covídica", optámos por sair de casa já com os alojamentos todos marcados. O único albergue público do Caminho Português então em funcionamento era o de Mos, mas desde 2020 que é possível fazer reserva mesmo para os públicos, em https://alberguesxacobeo.gal/
Em Porriño conhecemos um grupo de 4 portugueses que nos havia de acompanhar em diversos pontos do Caminho, até Santiago. E também em Porriño ... deu-se a segunda "estória" do Caminho. Estávamos a descansar no albergue. Eu tinha publicado numa rede social que a primeira 1906 tinha ajudado a virar o almoço ... e recebi como resposta: "E queres beber mais uma comigo? Se estás no Albergue vem cá abaixo! ". O autor ... era um antigo colega do meu ainda mais antigo Liceu Passos Manuel ... que entretanto me telefonou a dizer "𝘌𝘴𝘵𝘰𝘶 𝘢𝘲𝘶𝘪 𝘢̀ 𝘱𝘰𝘳𝘵𝘢 𝘥𝘰 𝘵𝘦𝘶 𝘢𝘭𝘣𝘦𝘳𝘨𝘶𝘦"... 😜💖 E lá fomos ter com ele, claro, para umas bebidas e umas tapas!
Obrigado, Adelino! Foi mesmo uma muito agradável surpresa! 😊
No dia seguinte tínhamos 19 km para percorrer, até pouco depois de Redondela. Saímos com o Sol a nascer, embora escondido atrás da neblina, que quase logo deu lugar a um dia esplendoroso. O rio Louro continuaria a ser o nosso eixo, até o cruzarmos pouco antes de Mos.
Rio Louro, entre Porriño e Mos, 17.Maio.2021
Umas tapas surpesa em Porriño. Obrigado, Adelino 😊
Pouco depois de cruzar o rio ... estávamos no Km 100 para Santiago. Mas Mos deixou-me alguma nostalgia. Não se via ninguém na rua, a Igreja de Santa Baia de Mos e os bares estavam fechados, em perfeito contraste com o bulício que ali reinava em 2018. Estava apenas aberta a cafetaria do Pazo de Mos, onde tomámos o pequeno almoço, surgindo entretanto, felizmente, outros peregrinos.
A bonita vila de Mos ... deserta. À direita o Pazo de Mos e, ao fundo, a Igrexa de Santa Baia de Mos
"Baia", em galego ... é diminutivo de Eulália 😃. A Igreja de Mos venera, portanto ... a minha "Santa" Eulália 😊. E à minha "Santa" Eulália ... eu tinha dito que a seguir a Mos vinha a maior subida que iria fazer neste primeiro Caminho; uns dias depois veríamos que eu estava um pouco desmemoriado. Esta subida, até à Capela do Santiaguinho, ela fê-la sem nenhum problema. E às dez e meia da manhã estávamos a começar a descer para Redondela.
Capela do
Santiaguinho, no Monte de Santiago,
entre Mos e Redondela
Monumento em homenagem às mulheres maltratadas
Descida para Redondela - paisagem e arranjos ornamentais de diversos estilos e ideias...
Ao entrar em Redondela ... a minha peregrina já apregoava sentir um "ratinho" ... pelo que, antes que o ratinho se transformasse em ratazana, almoçámos na primeira esplanada que encontrámos 😊; uns bons chocos en su tinta encheram-nos as medidas! E não foi só ... as sobremesas também!

Redondela, 17.Maio.2021, 12h25: Convento
de Vilavella ... e um
bom almoço em frente
Em Redondela, o Caminho Português da Costa conflui com o Central; um dia, quem sabe, percorrerei o da Costa. Mas Redondela foi, para mim e para a minha peregrina, uma agradável surpresa. Quando ali passei, no Caminho de 2018, não desviámos para o centro da cidade; as setas amarelas do Caminho bem podiam indicar o percurso pelo centro, onde se destacam dois grandes viadutos ferroviários construídos no século XIX e os belos jardins próximos da ria.

Redondela, uma bela cidade na qual o Caminho deveria passar pelo centro, não aumentando distância
Por forma a gerir as etapas o melhor possível, em vez de terminarmos em Redondela terminámos em Cesantes, dois km a norte. O Jumboli não é propriamente um albergue, mas é indicado pelo Gronze, o que é sempre uma garantia. Com vistas para a ria de Vigo/Redondela, permitiu-nos um merecido descanso ... além de lavar e secar roupa, uma das tarefas de qualquer peregrino 😊

No Hostel Jumboli, com
vista para a ria de Vigo

Depois de um dia de Sol esplendoroso, o quarto dia de Caminho teve bastante chuva ... mas esta etapa poderia ter por título "As fadas de estraño nome", como o álbum dos galegos Milladoiro; fadas e elfos saltitavam por entre a ramagem, a água dos ribeiros e a da chuva; nós éramos apenas uns deles 🥰
A descida para Arcade e Pontesampaio (foz do rio Verdugo) foi pena ser feita sem as vistas de que me lembrava do Caminho de 2018. Tomámos o pequeno almoço em Arcade ... depois de despir e sacudir as capas ensopadas. Mas ... chuva não molha peregrinos... 😊 ... e o dia melhorou um pouco.
Foz do rio Verdugo em Arcade e a ponte medieval de Pontesampaio, numa manhã cinzenta e chuvosa
No bosque d'"As fadas de estraño nome", entre Pontesampaio e Bergunde, 18.Maio.2021, 10h00
Saídos de um mundo de fadas e elfos e já sem chuva, aproximávamo-nos gradualmente de Pontevedra. Passada a Capela de Santa Marta ... reentrámos nos bosques, na senda fluvial do rio Támeza, ou rio dos gafos. Em 2018 este troço era "um mar" de peregrinos; agora eram bastante menos, mas íamos vendo cada vez mais, como o grupo de 4 portugueses que conhecêramos em Porriño, ou uma jovem checa, sozinha, que igualmente encontraríamos várias vezes.

Capela de Santa Marta, Ganderón
No mundo mágico do Rio Támeza, ou Río dos Gafos, às portas de Pontevedra
Por volta das uma da tarde estávamos a entrar em Pontevedra. O Albergue público é dos poucos que já reabriram, mas a sua localização, logo à entrada da cidade, distante do centro, tinha-nos levado a optar por um novo albergue/hostel, próximo daquele em que fiquei em 2018. Mas antes ... ainda tínhamos o almoço - um belo pulpo a feira - e a Igreja da Virgem Peregrina.
Igreja da Virgem
Peregrina, Pontevedra, 18.Maio.2021,
15h10
Hostel Acolá, no centro histórico de Pontevedra,
frente à Real Basílica de Santa María Maior
Em Pontevedra estávamos quase a meio do percurso Valença - Santiago. A minha estrela peregrina, pela primeira vez no Caminho das Estrelas, estava-se a portar galhardamente ... e a gostar! Nada de cansaço extremo, nada de bolhas, nada de músculos ressentidos. O dia seguinte era portanto dia de continuar ... até porque nos esperava de novo o bom tempo! Ultreïa!
(Escrito e composto em casa, entre os dias 25 e 28 de Maio)

Sem comentários: