Em Abril de 2015, após dois meses de
fragas difíceis de ultrapassar, comecei na Praia de
Santa Cruz aquele que teria sido
o meu segundo Caminho de Santiago. Mas as forças do Universo, o destino, ou o que se lhe queira chamar, fizeram-me interromper em terras de
Ourém. Nos dois anos seguintes, contudo ... percorri mais de um milhar e meio de quilómetros no
Caminho Francês, nos
Caminhos do Salvador e
Primitivo, nos
Camiños da Fín da Terra...! Percorri-os com amigos, maioritariamente com os meus manos Paula e Zé Manel ...
hermanos de corazón, como nos apresentamos por vezes nos Albergues. Mas, como então escrevi, o "
Caminho das Cinzas" não tinha acabado; não era um Adeus ... era só um Até Breve! E como "
no canto de cada Sonho nasce a Vontade" ... no canto dos meus Sonhos ficou sempre a Vontade de voltar a
Ourém, para concretizar o Caminho interrompido.
Assim, a 29 de Abril, ao volante do seu velho Corsa, o meu pai levou-me a
Fátima ... onde há 3 anos me tinha visto partir para um
Caminho que duraria apenas mais um dia. Os meus manos Paula e Zé Manel já tinham começado, dois dias antes, em
Santarém. A Paula tinha começado o seu Sonho: fazer um Caminho de Santiago desde a porta de casa! Com eles, estava também o nosso amigo Pedro, Barrilero de apelido ... filho das terras de
Castilla La Mancha;
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Fátima, 29.04.2018, 8h15 |
nos trilhos ao Encontro de Santiago, tínhamo-lo conhecido há um ano, no
Caminho Primitivo. Estava reunida a equipa, o quarteto que se reunira para nos lançarmos ao Caminho. O meu Caminho, contudo, na realidade só começaria 11 km depois, em
Ourém; era em Ourém que o tinha interrompido ... e em Ourém se daria aliás o primeiro "mistério" do Caminho.
1) De Ourém à Cidade Invicta
Porto, 7 de Maio
Passava das onze da manhã daquele dia 29 de Abril quando entrámos em
Ourém. A minha Credencial para este Caminho de Santiago era a iniciada em
Santa Cruz três anos antes ...
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Igreja de Nª Srª da Piedade, Ourém
29.04.2018, 13h10 |
pelo que o meu primeiro carimbo gostava que fosse o da Paróquia de Nossa Senhora da Piedade ... a Igreja que em 2015 ouviu o meu lamento, pelo
Caminho então interrompido. Uma conversa prévia com o Pároco de
Ourém tinha-me informado que a missa se celebrava às 11h30, pelo que a certificação da passagem, na Credencial, teria de ser antes ou depois. Sem que nada tivéssemos programado nesse sentido ... chegámos às 11h30 em ponto ... e na Igreja de Nossa Senhora da Piedade assisti à primeira missa deste Caminho de Santiago. Mistérios do Caminho...
A maioria dos Peregrinos que percorrem o
Caminho Central Português para Santiago, fazem-no a partir do Porto, de Ponte de Lima, ou de Valença. Entre Lisboa e Porto vêem-se bem menos Peregrinos ... e a maioria dos poucos que se vêem são estrangeiros. Por outro lado, Fátima e Ourém não fazem parte do traçado principal do Caminho Português, que segue por Tomar rumo a Ansião, destino da segunda etapa do meu Caminho (quarta etapa para a Paula, Zé Manel e Pedro). A minha primeira noite do Caminho 2018 ... foi no Pavilhão Desportivo de
Caxarias, onde também dormiram largas dezenas de Peregrino(a)s a Caminho de Fátima. Houve quem dormisse em cima da mesa ... e no dia seguinte houve gargalhadas que só se contam em privado... 😊
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Rio Nabão, |
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30.04.2018 |
Estes primeiros dias de Caminho alternaram entre alguns aguaceiros e algum Sol. A travessia do
Nabão foi um tanto ou quanto épica ... para além da muita lama que as recentes chuvas deixaram.
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Lama, a quanto obrigas... 😜 |
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... mas belas paisagens, ribeirinhas do Nabão |
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Um almoço num belo recanto do Nabão |
À saída de
Albarrol, muito próximo de
Ansião, o último dia de Abril terminou ... em
Casa do Steve e da Rosa. Ela filipina e ele inglês, ali se fixaram com os filhos e abriram um Albergue original e muito rústico, em regime de donativo (incluindo o jantar, com eles); fomos os únicos hóspedes naquela noite ... em que alguém queimou um soutien e umas meias na salamandra... 😛
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em Albarrol (Ansião), 30.04.2018 |
As duas etapas seguintes levaram-nos do
Nabão ao
Mondego. Já no traçado principal do
Caminho Central Português, começávamos a constatar a excelente marcação do mesmo, seguindo as setas amarelas e, no sentido contrário, as setas azuis para Fátima. Por terras de
Alvorge e do
Rabaçal, o Caminho ruma a
Conímbriga e a
Condeixa, maioritariamente por belos trilhos e caminhos rurais ... com a meteorologia a ajudar-nos desde o primeiro dia de Maio.
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O Nabão na Ponte da Cal, |
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Ansião, 01.05.2018, 7h50 |
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Por terras de Alvorge e do Rabaçal, rumo a Conímbriga |
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Ponte Filipina sobre o Rio dos Mouros, Fonte Coberta, Zambujal |
O primeiro dia de Maio terminou no
Albergue de Conímbriga. No dia seguinte, 18 km separavam-nos de
Coimbra, entrando por
Santa Clara. Mas a equipa ia reduzir-se a três; embora já estivesse previsto, foi com pena que nos despedimos do mano Zé Manel, que tinha de regressar à base.
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Aqueduto de Santa Clara, quando nos aproximamos de Coimbra, 02.05.2018, 11h40 |
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Entramos em Coimbra: Mosteiro de
Santa Clara a Nova, 02.05.2018, 12h15 |
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Coimbra, do Mosteiro de Santa Clara, 02.05.2018, 12h25 |
Coimbra é sempre Coimbra. Por isso havíamos programado esta etapa, curta, optando pelo
Hostel "Sé Velha", central, o que nos permitiu deambular pela cidade dos estudantes. O Caminho também é feito disto. Uma tarde em Coimbra e reduzidos a três, percorremos as velhas ruas da velha cidade, da
Sé Velha à
Igreja de Santiago, à
Igreja de Santa Cruz ... e às tasquinhas; descobrimos a
Taberna da Ti Ermelinda, um verdadeiro poço de histórias. No dia seguinte ... seguiríamos rumo a norte!
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Coimbra, Sé Velha, 02.05.2018 |
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Igreja de Santiago, Coimbra |
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Igreja de Santa Cruz, Coimbra |
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Escadarias da Sé Velha, Coimbra, 03.05.2018 ... 6h30 da manhã... |
E como
Coimbra é sempre Coimbra ... às seis e meia da manhã já havia estudantes na escadaria da
Sé Velha. Ali haviam passado a noite ... tomando lugar para a serenata monumental ... que teria lugar na noite seguinte! Coimbra é, sem dúvida, uma lição de sonho e tradição! Mas nós ... tínhamos pela frente cinco etapas até ao
Porto, que se revelariam menos interessantes do que as anteriores.
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Uma verdade indiscutível...
Igreja de Santiago de Trouxemil ➤
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Depois de Coimbra passámos a ver mais Peregrinos ... de várias nacionalidades ... e de vários "estilos". Aproximando-se o 13 de Maio, víamos cada vez mais grupos a caminho de
Fátima ... mas víamo-los sempre ao longo das estradas principais, ignorando a excelente marcação existente. Apesar destas etapas terem demasiado alcatrão, decorrem maioritariamente por estradas secundárias, bem assinaladas com as habituais setas amarelas e azuis. Porquê seguir estradas com muito mais trânsito, muito mais ruído, muito menos propícias à reflexão e introspecção? A organização destas Peregrinações a
Fátima revela um espectáculo degradante e assustador. Em
Oliveira de Azeméis assistiríamos mesmo a episódios bizarros...
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Rumo à luz! 04.05.2018, 6h55 - Por vezes, no Caminho, só se ouve o silêncio dos nossos passos... |
Pouco antes de
Anadia, ao meu sexto dia ... completei dois mil quilómetros nos Caminhos de Santiago. Parafraseando a minha Mana Paula, para mim o Caminho não são contudo os km, são as vivências, os sentimentos, as desilusões, as aprendizagens ... todo um turbilhão de emoções! Naquele dia, por exemplo ... atravessámos
Anadia sem um único Café aberto ... que só viemos a encontrar 13 km depois, em
Avelãs do Caminho. Nos anos anteriores habituámo-nos a ver os Cafés abertos entre as 6 e as 7h...
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Caves S. João, S. João da Azenha, 04.05.2018, 10h00: Bom Caminho... |
Aquela sexta feira, 4 de Maio, estava reservada para ser um dia de emoções fortes. Algo trazido pelo vento escolheu como alvo o olho esquerdo da Paula, obrigando a uma pequena intervenção no Hospital de
Águeda, felizmente sem consequências de maior. Ao jantar, contudo ... foi recompensada pela grata surpresa de ver chegar mais um membro para o nosso grupo de Peregrinos! O Luís, que tem no seu palmarés muitos milhares de quilómetros nos Caminhos de Santiago, juntou-se a nós para o fim de semana, até
Grijó. A Paula não se conformava; afinal todos sabiam menos ela; até a hospitaleira do Albergue sabia!... 😊
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Entramos em Águeda, 04.05.2018, 12h40 ... |
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Rio Marnel, Lamas do Vouga, 05.05.2018, 7h55 |
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Antiga Ponte de Lameiro, sobre o Vouga, entre Lamas e Macinhata do Vouga |
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Vidas e botas que fazem o Caminho... |
Ultrapassadas as
Albergarias (a Velha e a Nova), o rumo era agora
Oliveira de Azeméis, numa tarde quente e com bastante alcatrão a percorrer. Um tanque para refrescar - ainda por cima com a garantia de alguns autóctones de que a água era óptima - caiu-nos do céu como graça.
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Relax refrescante e renovador, pouco antes de Pinheiro da Bemposta 😉 |
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Estação de comboio de Pinheiro da Bemposta |
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Igreja Matriz de Oliveira de Azeméis |
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E ... o nosso "Albergue" em Oliveira de Azeméis |
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Peregrinos para Fátima ... sempre ao
longo das estradas nacionais... |
Pois ... nos
Bombeiros de Oliveira de Azeméis, além de nós 4 havia largas dezenas de Peregrinos para
Fátima. O
staff de apoio estava estacionado à porta: carrinhas com fogareiros para cozinhar ... e para o transporte das muitas malas com que estes Peregrinos se fazem "acompanhar". Peregrinação ... ou negócio? No dia seguinte, antes das seis da manhã, ouvimos uma "trovoada" brutal dentro das instalações dos Bombeiros. Eram ... Peregrinos a arrastar malas de rodas escadas abaixo, degrau após degrau! Entidades e Associações que implementam este tipo de organização ... impõe-se um repensar! Todos os anos há Peregrinos atropelados nas estradas ... fora dos percursos marcados ... dando esta e outras imagens degradantes. Felizmente existem honrosas excepções: connosco partilharam dormida duas Peregrinas que se encontravam a Caminho de
Fátima ... mas pelo Caminho assinalado pelas setas, sem carros de pseudo-apoio!
Mas aquele domingo, 6 de Maio, era Dia da Mãe. Passada
Santiago de Riba-Ul e a ponte medieval de
Salgueiro, dirigimo-nos a
S. João da Madeira. O Papa João Paulo II abençoou-nos o Caminho, à porta da respectiva Igreja Matriz ... e, sem saber explicar como nem porquê ... na Igreja Matriz de
Arrifana, pouco depois ... como que senti a presença da minha Mãe. Será?...
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No marco da Ponte Medieval de Santiago de Riba Ul, S. João da Madeira, 06.05.2018, 6h45 |
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Igreja Matriz de S. João da Madeira |
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Igreja Matriz de Arrifana. Quem sou? |
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O que sou? Parabéns, Mãe |
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Albergue de Peregrinos da Confraria de Santiago, Paróquia de S. Salvador de Grijó, 06.05.2018, 13h50 |
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Mosteiro de S. Salvador de Grijó ... ao vivo e num bonito painel de azulejos |
No Albergue de
Grijó ... éramos os únicos portugueses. Alguns dos que ali conhecemos voltaríamos a encontrar em diversas etapas, inclusive já em Santiago de Compostela. Despedimo-nos do Luís, voltámos à triade ... e na manhã seguinte percorremos uma curta etapa de 19 km. Antes das 10h estávamos na
Serra do Pilar, a cruzar o
Douro pela
Ponte D. Luís I ... e a entrar na Cidade Invicta.
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Calçada romana de Perosinho, |
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07.05.2018, 7h30 |
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Porto e o Douro. Às 10h do dia 7.05.2018, com cerca de 230 km percorridos desde Fátima, entramos na Cidade Invicta |
No
Porto, a primeira paragem foi, naturalmente, na Catedral. Proliferavam os turistas, mas também os Peregrinos, seguramente muitos deles começando ali o seu Caminho. A Catedral do Porto é um dos ícones do
Caminho Português de Santiago. Deixando as mochilas na Estação de S. Bento, passeámo-nos um pouco pelas ruas do centro da cidade ... e não podia faltar uma "francesinha", degustada em plena Avenida dos Aliados, no
Restaurante-Pastelaria Aliança 😋
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Avenida dos Aliados, centro nevrálgico da Cidade Invicta |
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No Porto ... a francesinha é |
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obrigatória... 😋 |
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Torre dos Clérigos |
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Albergue de Peregrinos do Porto, R. Barão de Forrester |
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Com a Mana Anabela no Porto ... o Caminho também é feito de encontros! |
No
Porto, estava ultrapassado 1/3 do Caminho. Do jantar com a Mana Anabela - Mana de tantas "aventuras", Mana dos primeiros dias do meu primeiro Caminho de Santiago - recolhemos cedo ao Albergue ... que no dia seguinte iríamos sair antes das seis da manhã...
(Escrito entre 24 e 28 de Maio de 2018, após o regresso do Caminho)
(Continua)
1 comentário:
Não gosto de inveja e tento que não me dê para sentir esse sentimento pelo que aos outros, principalmente amigos, dá prazer fazer ou ter feito. Acabei de ler um relato do que na minha agenda de desejos tenho para fazer e não vou dizer que fiquei insensível a tão sedutora descrição do que são os caminhos percorridos por peregrinos que neles alimentam a alma... belo Callixto!
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