quarta-feira, 29 de julho de 2020

Eu sou lá dos montes que medem o céu ... sou das frias serras onde primeiro o Sol nasceu...

Eu sou lá dos montes
Que medem o céu,
Sou das frias serras onde primeiro o Sol nasceu
E onde os rios ainda são apenas fontes.
...
                                                   (Branquinho da Fonseca)
Ir ver o nascer do Sol não é inédito, particularmente nas minhas terras da Raia Sabugalense. Mas ver o nascer do Sol no verão obriga a sair de Vale de Espinho bem cedo; a menos de 5 a 6 km em redor da aldeia ... apenas o veria erguer-se por detrás "dos montes que medem o céu". Assim ... passavam 5 minutos das cinco da manhã quando saí do meu "refúgio" de mansinho, rumo a norte, à Serra Madeira e do Homem de Pedra. À medida que ia subindo, surgiam os alvores de um novo dia, por entre as sombras da ainda noite, com Vénus a brilhar no céu e como que a guiar o rumo: nascente.
Junto ao cruzeiro da Có Pequena, 5h33:
com Vénus como guia (app: Stellarium)
Pouco acima da Có Pequena, ainda nas sombras, surpreendo-me com um bater de grandes asas bem perto de mim ... e outras se lhe seguiram; a minha passagem tinha pelos vistos despertado 3 ou 4 grupos de grandes rapinas, que saíram em debandada de dois grandes pinheiros à direita do caminho. A surpresa e a pouca luz não me permitiram identificá-las, mas pela dimensão só poderiam ser grifos, habituais mais a sul, na Malcata, mas que pelos vistos passam a noite mais a norte.
A tecnologia dizia-me que o nascer do Sol era às 6h23. Deixei à direita o cruzamento para as minhas sagradas Fontes Lares (irei lá um destes dias) e continuei a subir, rumo ao parque eólico da Serra do Homem de Pedra. Uma hora depois da partida e com 5,1 km percorridos, estava no Cabeço Melhano, a 1152 metros de altitude ... o meu balcão para o espectáculo grandioso que se aproximava.

           Cabeço Melhano (1152m alt.): ao fundo, à direita, o "meu" Xalmas
O Sol vai nascer no azimute 63º, às 6h23 (appsLunaSolCal e Locus Map)
E, à hora marcada, lá estou à espera dele ... nas "frias serras onde primeiro o Sol nasceu"
O astro rei erguia-se entre as serranias da Peña de Francia e da Gata, com o "meu" Xalmas à direita do quadro natural ... e por ali estive até às 7 horas, a ver a própria Natureza a acordar.

A Natureza acorda para um novo dia ...
que se prevê bem quente
No Verão, estas "frias serras onde primeiro o Sol nasceu" ... só são frias até meio da manhã ... e mesmo assim não muito. É impensável, com mais de 30ºC à tarde, caminhar até mais do que o meio dia, no máximo. Mas até ao meio dia ... ainda me dava para ir até "onde os rios ainda são apenas fontes" ... à Serra das Mesas, berço do Côa. E assim, pela Serra Alta e Rodeira e pela base do Cabeço Vermelho, pouco depois das oito estava no que resta da casa abrigo da nascente do Côa.
Estradão da Serra Alta à Rodeira, 7h40: o Xalmas espreita, à esquerda, por trás da Serra das Mesas
Casa abrigo da Nascente do Côa ... ou o que resta dela, tristemente abandonada
Toda esta caminhada a solo foi traçada ao sabor do momento; quando saí de casa, a única certeza era de ir ver o nascer do Sol ao Cabeço Melhano. No regresso a Vale de Espinho, poderia ter seguido as cumeadas Mesas / Malcata, acompanhando a fronteira, mas há mais tempo que não descia o vale do Côa. Pouco abaixo da casa abrigo entrei, portanto, na GR 45, a Grande Rota do Côa.
Não se entende o traçado da GR 45 (linha azul) e muito menos a utilização da estrada para a Grande Rota do Côa. O percurso que segui (linha verde) é todo ele em caminhos de pé posto, públicos, passando pela casa abrigo e pela praia fluvial dos Fóios. Quando, há 7 anos, colaborei com a Associação Transumância e Natureza no levantamento de trilhos para a GR 45 ... foi este, naturalmente, o percurso que lhes indiquei. Mas ... há razões que a razão desconhece.

Praia fluvial e parque de lazer dos Fóios, 9h05
A seguir aos Fóios, aí sim segui o percurso da GR 45, pela Cama Grande e até à Fontanheira. Depois, inexplicavelmente a GR sobe de novo a serra, afastando-se do rio, para voltar a descer pouco depois. Na Fontanheira cruzei o Côa ... desviei-me dos caminhos rurais ... segui o curso do rio pelas Colesmas e Braciosas ... e na parte final fui pela estrada ... já com o calor a apertar.
A beleza de um simples castanheiro, à saída dos Fóios
A caminho da Cama Grande, pouco depois de cruzar o Côa nos Fóios
O Côa na Fontanheira ... e a minha
mochila, onde vários Amigo(a)s/Irmã(o)s estão sempre representados...
Através dos verdes lameiros das Colesmas e Braciosas, de regresso a Vale de Espinho
Às onze e meia estava de regresso a Vale de Espinho e a casa, com pouco mais de 22 km percorridos. À tarde ... a temperatura chegava aos 34ºC

3 comentários:

Raul Fernando Gomes Branco disse...

É, um prazer enorme ler as tuas reportagens! Um abraço

jose cobrado disse...

Há muito que leio com muito prazer as reportagens do autor de "Por Fragas e Pragas". Creio que está a contribuir para que as paisagens destes espaços sagrados, onde passei a minha longínqua infância, mantenham em mim e em muitos leitores o mesmo encanto de então. A toponímia sempre referida acrescenta-lhe um interesse maior porque muitos desses "sítios" só agora o localizo. Parabéns e que tenha saúde e força para continuar a deliciar-nos com estes textos magistralmente ilustrados.

José Carlos Callixto disse...

Raul Branco e José Cobrado, muito obrigado pelas vossas palavras.
É sempre bom receber o feedback daquilo que escrevo com a mesma paixão com que caminho pelos meus espaços.
Bem hajam.