sábado, 1 de julho de 2017

Nos Caminhos de Fátima ... desde Santarém

Para além dos Caminhos de Santiago, que abracei desde a preparação do "Caminho da Aventura", já cheguei a Fátima a pé por duas vezes: quando, em 2013, percorri os Caminhos de Fátima ... ao estilo Novos Trilhos; e quando, em Abril de 2015, passei por Fátima vindo da "minha" Praia de Santa Cruz ... num caminho que o destino não transformou em Caminho...
Agora, terminado há pouco mais de um mês o Caminho de Santiago 2017, a Mana Paula quis a minha companhia para um projecto que idealizara: a ligação a Fátima desde a porta de sua casa, em Santarém. Apenas dois dias, portanto, por caminhos que são Caminhos de Fátima e de Santiago, caminhos que já tinha percorrido desde Lisboa, embora em datas diferentes, como referencio na minha página ... dos Caminhos de Santiago e de Fátima.
E assim ... às sete e meia da manhã do último dia de Junho estávamos a partir de Santarém. Três peregrinos - eu, a Paula e a Lucy - prontos a pôr em prática o que a palavra verdadeiramente quer dizer: atravessar os campos (peregrinus, contracção latina de per - através - e ager - terra, campo). Pela Portela das Padeiras rumámos a norte, seguindo as setas azuis (Fátima) e amarelas (Santiago); o Caminho de Fátima coincide com o Caminho de Santiago. Mas apesar de o Caminho estar extraordinariamente bem assinalado, muitos peregrinos e até alguns grupos e associações paroquiais infelizmente vão sempre pela estrada, por Pernes e Alcanena, com a justificação de ser mais perto, quando não só a diferença é mínima como principalmente a entrega à Natureza e ao Caminho não pode ser a mesma! A Paula já tinha ido a pé a Fátima por diversas vezes, mas rapidamente concluiu que uma coisa é ir a pé ... outra é fazer o Caminho.

"Cantinho dos Peregrinos", 30.Junho.2017, 10h17 - Uma obra do simpático Sr. Francisco Torres
Quem vai a pé a Fátima sempre por estradas perde, entre muitos outros aspectos, o já meu conhecido "Cantinho dos Peregrinos", uma paragem obrigatória no Caminho, com direito a carimbo. Do nada, Francisco Torres improvisou ali um local de descanso e encontrou o atractivo para dois dedos de conversa. Ali convive com quem passa, ouve histórias do mundo, viaja à boleia da imaginação. "São os primeiros portugueses hoje", disse-nos; "há pouco passaram uns italianos". Com dois dedos de conversa enchemos-lhe aqueles 20 minutos de paragem ... e sentimo-nos n'O Caminho.

No "Cantinho dos Peregrinos" ... onde dois dedos de conversa enchem as almas ... onde se vive o Caminho
E a jornada continuou. Advagar, Santos, Casais e Arneiro das Milhariças, o Alto da Cruz, com os seus três Moinhos da Chã de Cima e o seu miradouro, onde almoçámos, espraiando a vista sobre o vale da Ribeira do Espinheiro ... e ouvindo e sentindo o vento forte.

Sensação de Liberdade! Para a Lucy foi a estreia nos Caminhos ... ou o início d' O Caminho...
Uma "viajante" de caminhos insondáveis...
Aldeia de Espinheiro e vale da ribeira do mesmo nome
Tenho pena de não ter feito uma segunda foto da "viajante" da imagem acima. Estava ligeiramente ferida; onde a encontrámos, a meio do estradão, provavelmente não iria ter uma Vida longa. Com o auxílio dos bastões, coloquei-a nos matos próximos ... e a foto que não fiz foi a do seu olhar penetrante, olhando-me nos olhos, como que transmitindo o seu agradecimento.
Às três da tarde, com 29,6 km percorridos, estávamos na praia fluvial dos Olhos de Água. Os "meus" Olhos de Água do Alviela, de tantos e tantos acampamentos ... há mais de 40 anos!

Praia fluvial dos Olhos de
Água do Alviela, 30.06, 15h00
O Centro "Ciência Viva" do Alviela dispõe de uma excelente unidade de alojamento, que portanto funciona também como acolhimento de peregrinos, mediante marcação. A Mana Paula tinha reservado camas para os três; o resto da tarde foi portanto de descanso, naquele tão aprazível local. E sábado tínhamos pela frente outros tantos quilómetros até ao destino, numa segunda etapa com mais relevo, já que tínhamos a Serra de Aire para atravessar.

Aldeia de Monsanto à vista, 1 de Julho de 2017, 7h50
O pequeno almoço foi em Monsanto, já que o Restaurante e Bar dos Olhos de Água só abriria às 10h00. Às dez horas já tínhamos passado o Covão do Feto e íamos começar a subir o espectacular vale da Azinheira, rumo ao topo da Costa de Minde. As indicações do Caminho também nos diziam ... que estávamos a 488 km de Santiago! Seriam só mais umas etapas...

Início da subida do vale da Azinheira, rumo à Costa de Minde. Santiago ... 488 km
Panorâmica do alto da Costa de Minde, com Mira de Aire ao fundo
Descida para
Minde
Do alto da Costa de Minde ... a Mana Paula extasiou-se perante todo aquele vale aos nossos pés, de Mira d'Aire a Minde e à Costa do Covão do Coelho, que nos separava de Fátima. Pouco passava das onze, mas o almoço foi à porta do Mercado de Minde, com as compras feitas no dito. Nos Caminhos de Santiago e de Fátima ... a hora das refeições é ditada pelos sinais biológicos... 😊
Igreja de Covão do Coelho
Junto à Igreja do Covão do Coelho, uma senhora chama-nos. "Querem água? Querem fruta? Venham cá, tenho ali ameixas fresquinhas", diz-nos! E lá fomos ao quintal da simpática senhora. As ameixas eram bem doces e frescas! Histórias de quem faz de dar a realização e a felicidade ... histórias do Caminho ...
E o Caminho continuou, por caminhos e estradões, onde os peregrinos deixam as suas pedras, que simbolizam tudo e nada, expiações e simples simbolismos. E num ermo perdido na serra, a poente da A1 e da aldeia do Vale Alto, encontrámos o maior e mais original aglomerado de pedras peregrinas, aproveitando uma pedra bem maior, colocada seguramente por outras "mãos".
Pouco depois das duas e meia estávamos a 5 km de Fátima. Tínhamos começado por ver o marco dos 50 km, os novos marcos colocados em Maio, quando do Centenário das aparições e da vinda do Papa Francisco. Agora ... estávamos no marco dos 5 km!

Um original exercício de equilibrismo no Caminho
Fátima 5 km ... o
destino estava próximo
Vinte minutos antes das quatro da tarde, estávamos a entrar no espaço do Santuário de Fátima. A Mana Paula à frente, claro; o sonho deste Caminho tinha sido dela ... e ela ali estava, cheia de vigor, como se o cansaço e todos os males do Mundo se tivessem desvanecido. Para mim, chegar a Fátima (foi a terceira vez que ali cheguei a pé) não tem a carga de chegar a pé a Santiago ... mas de qualquer modo sente-se uma mística, uma energia como que cósmica, um chamamento que nos levou directamente à Capelinha das Aparições ... onde só aí a Paula me disse que faria sentido desligar o GPS. Tínhamos percorrido 30,5 km ... a completar exactamente 60 km desde Santarém.

Fátima, 15h40 - "Onde há um Sonho, há um Caminho" (Paula Francisco)
Os três peregrinos deste Caminho de Fátima. O objectivo estava cumprido.
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