quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

Xalmas ... às portas do céu...

Entre Aldeia do Bispo e Navasfrias,
4.01.2017 ... o Sol começa a iluminar o Xalmas
No passado dia 28 de Outubro, quando pela primeira vez visitei as antigas minas de Navasfrias, a ideia era também voltar a subir o "meu" Xalmas, a partir do Puerto de Santa Clara, utilizando um trilho que descobri nas minhas "caminhadas" pela net, situado um pouco mais a sudoeste do caminho tradicional. Ora, nestes primeiros dias de Janeiro em Vale de Espinho ... o Xalmas chamou-me!
Para desenhar o percurso que iria fazer, baseei-me essencialmente num artigo de Antonio Castaño na "Gaceta de Salamanca"; o título era bem apelativo ... "El Jálama, una puerta hacia el cielo"!
1ª Parte: na Senda del Jálama
Eram assim nove e meia espanholas quando deixei o carro no Puerto de Santa Clara, na "fronteira" entre Castela e a Extremadura. Já perdi a conta às caminhadas que ali comecei ou acabei, sozinho, em família, em grupo. Hoje, o primeiro objectivo era subir o Xalmas a partir dali ... e descobri um belíssimo trilho, muito bem preparado e marcado pela Junta de Extremadura.

O vale de San Martín de Trevejo e as Torris de Fernán Centeno, na Sierra do Espiñazo, vistas da subida para o Xálima
Aos 1250 metros de altitude o estradão dá lugar ao trilho, bem assinalado por bastantes marcos em granito e a que a Junta de Extremadura chamou a Senda del Jálama. As panorâmicas vão-se alargando para o vale de San Martín, as imponentes Torres das Ellas (as Torris de Fernán Centeno) e, ao fundo, terras portuguesas. E aos 1350 metros chega-se a um prado onde se terá situado a Ermita de San Casiano.

Llanada del Cancho Borracho ... fim do estradão
Continuo Serra acima ...
... e chego às ruínas da Ermita de San Casiano
Nas encostas do Xalmas (ou Jálama, ou Xálima) terão existido três ermidas, dedicadas a São Brás, São Cassiano e Santa Clara, possivelmente edificadas sobre mesquitas que por sua vez terão substituído antigos templos pagãos, onde se adoravam divindades ligadas à Natureza e à montanha. Restam as ruínas de duas delas, São Cassiano e São Brás, embora sem certezas de qual é qual. A tradição popular atribui contudo esta, na encosta sudoeste, a San Casiano e a próxima do cume a San Blas. A ambas se organizavam romarias, no dia de Pentecostes; mas de ambas só restam escombros.

Ruínas da Ermita
de San Casiano
Acima do que resta da Ermita de San Casiano sucedem-se numerosas fontes de bela e fresca água. Nas minhas deambulações, já várias vezes tinha passado a escassos 300 ou 400 metros, mas desconhecia a sua existência, bem como das próprias ruínas da Ermida. O acondicionamento da Senda del Jálama em boa hora me deu a conhecer este belo trilho ... que tenho de dar a conhecer!

Vista para oeste. Lá ao fundo, debaixo das nuvens ... está Vale de Espinho
1400 metros de altitude ... já vejo o cume! Por breves momentos passo da Extremadura para Castela ... e chego à Nevera, o meu já velho conhecido Pozo de la nieve, semelhante aos da nossa Serra de Montejunto. E, bem próximo ... havia mesmo neve na encosta norte do Xalmas.

Pozo de la Nevera
E havia
mesmo neve!

Payo, visto da Nevera ... uma ilha num mar de nuvens
Às onze e meia da manhã, com 5 km percorridos e quase 500 metros acima do Puerto de Santa Clara ... estava no cume do "meu" Xalmas ... às portas do céu ... pedestal dos deuses!

11h33 - Cume do Xalmas (Xálima, Jálama), 1487m alt.
No cume do Xalmas, um novel e singelo abrigo
... para um presépio!
E naquele pedestal dos deuses me deixei ficar uma hora, sem pressas, entregue ao tempo, apreciando o rumo das nuvens, a magia daquele lugar entre a Terra e o Céu ... una puerta hacia el cielo. Jálama ... quero abraçar o teu "corazón de piedra", voar ... sobrevoar "los valles que tú lloras" ...

Cabeceiras da Cervigona, vistas do cume do Xalmas
J Á L A M A
Corazón de piedra,
pedestal de efímeras deidades;
sierra de León, Extremadura,
de Lusitania sin fronteras.
Por tus cimas escucho inaudibles voces,
susurros,
crujidos de hojas secas,
furtivos ecos,
fantasmas que son rumor de tu granito.
Atravieso tu puerta y me hiere tu calma.
El dios Salamatis se desangra
desde la noche de los tiempos celtas.
De tu fuente bebo mi historia.
En tus ríos lavo mi vida.
Hacia ti, Salamatis, Jálama,
alzo mi vuelo sin regreso
para ver los campos que circundas,
Mar de nubes, a leste do Xalmas.
Ao fundo, sobressai a Serra de Béjar
los pueblos que te admiran,
los valles que tú lloras.
Como liquen de roca te abrazo
por tanta noche olvidada.
Oigo tu corazón de piedra en el mío
y tu reliquia se hace carne y llora,
Tu secreto retumba,
se hace eco en el silencio y muere.
Por la calzada romana pasó el árabe.
Somos por tus pasos el destino,
Jálama, eterno vértice y sendero.

(Tomás Acosta Píriz, poeta e amigo, natural de Navasfrias)

Era meio dia e meia hora quando deixei o cume. Rumo a sul, a Senda del Jálama continuava bem assinalada. Feliz constatação, já que julgava que terminaria no cume. De terras estremenhas vinham nuvens escuras, mas não ameaçadoras; o Sol continuava a dominar. O ambiente era mágico!

Rumo sul, descendo do cume
No trono dos deuses do Xalmas...
Serão as portas do Céu?...
Descendo rapidamente dos quase 1500 metros aos pouco mais de 1100, a senda inflecte entretanto para nordeste, cruza o Arroyo de Hocinos e passa pelas antigas minas de volfrâmio da encosta leste do Xalmas, contemporâneas das minas de Navasfrias que conheci em Outubro. Entrei mesmo na galeria que penetra no ventre da montanha. No reino da escuridão, percorri uns 300 metros serra dentro; terei estado na vertical do cume do deus Xalmas? Os vestígios dos antigos carris, restos de construções em tijolo no interior da mina, pareciam-me fazer sentir a presença de vultos que esventravam a terra ... mas os únicos vultos eram os de morcegos na sua posição letárgica, nalgumas das paredes das galerias.

Nuvens mágicas, num ambiente mágico...! Lá em baixo, o caminho de Villamiel e Acebo
Chego às antigas Minas de volfrâmio da encosta leste do Xalmas
Serão os espíritos dos antigos mineiros?
Um mundo subterrâneo, onde houve trabalho duro, onde houve luta pela vida...
O relógio avançava para as duas da tarde quando continuei a caminhar para norte. Já tinha percebido que a Senda del Jálama, depois das minas, me conduziria à estrada proveniente de El Payo ... mas há muito que eu queria conhecer a "nascente" da cascata de Cervigona ... a que um dia eu chamei a "princesa" do Xálima. Estava perto ... e tinha visto na net um percurso que me pareceu fidedigno...
2ª Parte: em busca das nascentes da Cervigona
Para trás ficou o caminho das minas, coroado pelo vértice do Xalmas. O rumo era agora ... a cabeceira da Cervigona
O terrível incêndio de Agosto de 2015 está ainda bem evidente nas encostas leste do Xalmas. A vegetação rasteira já pinta a terra de verde, mas os muitos ramos calcinados são o testemunho daquela "tristeza que llueve con lágrimas negras sobre tierra sin vida" (Tomás Acosta Píriz). Anacronicamente, o fogo permitiu-me contudo encurtar, a corta mato, a distância que me separava das Cabezadas de la Cervigona, o balcão debruçado sobre o autêntico poço constituído pelo vale dos regatos da Jara del Rey, de los Alisos e de los Puentecillos, para formarem, 300 metros mais abaixo, a Rivera de Acebo.

Cabezadas de la Cervigona ... e de repente a terra mergulha para o vale da Rivera de Acebo
O corta mato não foi tarefa fácil. Quando a vegetação voltar em força (e assim espero que aconteça), sempre que possível é preferível seguir pelos estradões. De novo sem trilhos, o percurso que levara levou-me, de repente ... a suster a respiração! Eu tinha aos meus pés o brutal salto da Cervigona! Vertical! Majestoso! Lá em baixo, no trilho que já por duas vezes percorri, eu via as ruínas da antiga "fábrica da luz", a central eléctrica que outrora aproveitava a energia destas águas revoltas.

No fundo do vale, a antiga "fábrica da luz"
e o trilho da Jara del Rey
Primeiras perspectivas da fabulosa Cascata da Cervigona. Sublime!
Aqui todo o cuidado é pouco! As vistas são espectaculares ... mas não há praticamente trilho ... e a nossa vida vale mais que qualquer fotografia mais arrojada...! Com cuidado e sensatez, contudo, não oferece perigos de maior. Há que cruzar os regatos de los Alisos e de los Puentecillos, este último por onde quase não parece possível, mas passado o regato a parte menos fácil até estava ultrapassada.

x
Regato de los Puentecillos
x
Cruzado o regato, entramos num trilho que acompanha o canal que alimentava a "fábrica da luz", a antiga central hidroeléctrica. Abundam os medronheiros, cujos frutos foram um bom lanche antecipado... 😃. Já do lado nordeste ... chego a um autêntico miradouro natural, frente à imponência da Cervigona.

Medronheiros ... um
lanche antecipado...
Ao longo do canal da antiga central hidroeléctrica da Cervigona
Palavras para quê?! É a Natureza em estado puro!
Eram quase quatro horas ... e tinha ainda quase 7 km pela frente. Era altura de iniciar o regresso. Em frente de mim, do outro lado do vale, tinha o Teso de Santa Marta, de onde há três anos tinha admirado a "princesa". E pouco depois estava também na velha presa, já minha conhecida, pouco antes das tuberías que descem às profundezas do vale.

Antiga represa da Central hidroeléctrica da Cervigona
Apesar de ter na mão o percurso que havia visto na net, lembrava-me bem do corta mato puro e duro entre a presa e o limite Extremadura / Castela, das duas vezes que tive a Cervigona como tema das minhas fragas 😏. Foi, por isso, com admiração ... que me vi num largo estradão a subir em direcção noroeste! Aberto certamente para a prevenção ou rescaldo de incêndios, este estradão terá portanto menos de 3 anos; mesmo a vegetação à sua volta em nada se compara com a de há três anos.

E as terras da Cervigona ficam para trás ...
... à luz dos deuses!
As cabeceiras da Cervigona iam ficando para trás, de novo com o cume do Xalmas como farol. Agora em direcção NE/SW, contornei o mítico vértice pelo lado norte, de novo por caminhos que não conhecia. Aliás, em toda esta jornada à volta de dois temas conhecidos, os únicos pontos que repeti foram o de início e fim da caminhada, no Puerto de Santa Clara, o pequeno troço da Nevera ao cume do Xalmas e a presa da antiga central da Cervigona. E às 17h40, com o Sol a descer por trás das Torres das Ellas, estava de regresso ao carro, com 18,5 km percorridos ... e com a alma cheia!

16h40, encosta norte do Xalmas. Mais uma hora e estava de regresso.
E a luz vai-se apagando...
Mochila no carro (não que estivesse pesada, pelo contrário) ... e o Sol ainda me chamou para um complemento de quase 2 km, a ocidente do Puerto de Santa Clara ... a assistir ao deitar do astro rei.
Puerto de Santa Clara, 18h - San Martín de
Trevejo continua bajo las nubes
O caminho do Puerto de Santa Clara para San Martín, à luz mágica do entardecer
E a magia estava no fim!
Este dia foi simplesmente mágico ... e este culminar não o foi menos! É que ...
"Ali eu travo amizade com o vento, ali provo o sabor do céu, a cor que se desmancha na distância, ali sou eu sem mais que um momento, ali cada fragrância delicada se esconde em cada flor, ali há voo sem limites, galope nas nuvens em jeito de corcel, cantos perdidos nos montes, dádivas da terra que são cristalinas fontes, ali há amor e amizade, pedra que desafia a própria eternidade, ali há a terra que espuma, manhãs mágicas nas voltas azuis da bruma, ali tudo respira silêncio e nós, ousando essa aventura onde moram a liberdade e a perfeição das coisas, somos reféns do espanto e do aconchego da montanha que é, mesmo na noite, uma imensa claridade..."
(Luís Miguel Brandão Vendeirinho, poeta e amigo ... companheiro de fragas)
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4 comentários:

Unknown disse...

Fazes poesia andando, Callixto

José Carlos Callixto disse...

Talvez, Miguel ... mas poesia mesmo fazem os dois poetas que citei, e outros. A poesia está em todos nós e na "criação"; uns vêem-na, sentem-na, vivem-na; outros, além disso ... passam-na à pena!

Paula Francisco disse...

Que caminho maravilhoso, essa cascata é brutal. Que paisagem divinal. Espero que não tenhas entrado na Mina. Lol

Mundo da Alma disse...

Excelente post. Parabéns e continuação de boas caminhadas em 2017. Alexandre. mundodaalma.blogspot.