"Vou falar-lhes dum Reino Maravilhoso. ......
Vê-se primeiro um mar de pedras. Vagas e vagas sideradas, hirtas e hostis, contidas na sua força desmedida pela mão inexorável dum Deus criador e dominador. Tudo parado e mudo. Apenas se move e se faz ouvir o coração no peito, inquieto, a anunciar o começo duma grande hora. De repente, rasga a crosta do silêncio uma voz de franqueza desembainhada:
- Para cá do Marão, mandam os que cá estão!..."
(Miguel Torga, "Um Reino Maravilhoso")
A caminho do final de um mês de Janeiro frio e agreste, um grupo de apaixonados da montanha juntaram-se ... na porta daquele reino maravilhoso. Tal como em Novembro
na Serra Amarela, o desafio foi lançado por um dos irmãos do meu "
Caminho da Aventura" ... e neste fim de semana de Sol depois de dias de chuva e neve ... vivi (vivemos) mais dois dos mais fabulosos dias da minha vida!...
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Para cá do Marão ... mandam os que cá estão!...J
Próximo de S. João de Lobrigos, 25.Jan.2015 (Foto: Cristina Ferreira) |
Como tantas vezes tenho escrito, a paixão pela montanha, a necessidade de abraçar os grandes espaços, os vales, as montanhas, os rios … traz também outros dos melhores sabores da vida: a amizade, a camaradagem, o companheirismo ... o dar largas à criança que, afinal, continua a viver em cada um de nós ... felizmente! Dos 14 que partilhámos e vivemos este fabuloso fim de semana, não conhecia quatro ... mas ao fim de "5 minutos" todos éramos "família"...
J
Sexta feira à noite, os "aventureiros" deste inesquecível fim de semana estavam reunidos no
Albergue de Bertelo, pequena aldeia "perdida" na encosta leste da
Serra do Marão. Pertencente à Câmara de
Santa Marta de Penaguião, o
Albergue de Bertelo ... é Albergue de Santiago! É verdade ... passa por aqui o
Caminho Português do Interior!...
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Srª do Viso, S.ta Marta de Penaguião, 24.Jan.2015 |
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- São 7:45h ... e vai começar um dia mágico! |
Sábado 24:
Pelos picos do Marão...
A actividade envolvia duas caminhadas ambiciosas: no sábado, partindo da capelinha da
Srª do Viso, o objectivo era subir a Serra até ao cume, descer das alturas do
Penedo Ruivo ao vale do
Rio Teixeira, voltar a subir aos
Seixinhos e à
Fraga da Ermida ... para regressar ao ponto de origem. Sabíamos que ia ser uma jornada dura...; o desnível acumulado ... rondaria os 1900 metros, nuns previsíveis cerca de 25 km!
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Vales mágicos, numa manhã mágica... |
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Rumo ... aos |
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picos do Marão! |
A
Srª do Viso situa-se a pouco mais de 700 metros de altitude. Tínhamos mais de 700 metros de desnível para subir até à
Srª da Serra, nos 1416 metros do cume ... à medida que se iam abrindo os horizontes, qual "
excesso de natureza", que de novo nos transporta para o Reino Maravilhoso de Torga, para as "
passadas de homens titânicos a subir as encostas, volumes, cores e modulações que nenhum escultor, pintor ou músico podem traduzir, horizontes dilatados para além dos limiares plausíveis da visão."...
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Do nevoeiro nos vales chegámos às neves ... a caminho do Cume |
Um pouco menos de três horas depois de partirmos, estávamos no geodésico do
Marão, junto à pequena Ermida da
Srª da Serra. O frio cortava, mas o azul esplendoroso dos céus e a panorâmica a toda a volta sublimava aquela temperatura muito próxima dos zero graus ... provavelmente menos. Estávamos verdadeiramente ... num "
universo virginal, como se tivesse acabado de nascer...."
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Senhora da Serra, cume do Marão (1416m alt.) |
A progressão era agora para sudoeste, descendo à cumeada do
Penedo Ruivo ... e aos pouco mais de 700 metros do vale do
Rio de Teixeira e da pequena aldeia com o curioso topónimo de
Mafômedes.
À medida que descíamos ... íamos olhando para a encosta que teríamos que subir do outro lado...
J
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Descida para o Penedo Ruivo ... |
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... para o vale do Rio Teixeira ... |
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... e para Mafômedes |
Pertencente ao Concelho de Baião,
Mafômedes parece, por um lado, uma aldeia perdida no tempo e no espaço, encaixada no fundo de um profundo vale aberto pelo
Rio de Teixeira. Por outro lado, a existência de um
Albergue e de um
Restaurante convida a uma visita e estadia num paraíso ... afastado do mundo!
E de
Mafômedes ... tínhamos de subir de novo a encosta leste, para a crista dos
Seixinhos...
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Passado o Rio de Teixeira ... |
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... seguiu-se uma penosa subida, para os quase 1300 metros de altitude dos Seixinhos |
Da cumeada de
Seixinhos, víamos agora
Mafômedes lá bem no fundo do vale. Os músculos lá repousaram durante uma meia hora de bom andamento ... até se nos apresentar pela frente nova íngreme subida, para a
Fraga da Ermida, quase a 1400 metros de altitude.
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Ao longo da cumeada dos Seixinhos ... até à Fraga da Ermida |
De novo à vista do cume do
Marão, a
Fraga da Ermida é um daqueles lugares mágicos onde nos apetece fazer parar o tempo ... "
pela harmonia, pela serenidade, pelo silêncio que nem o rio se atreve a quebrar, ora a sumir-se furtivo por detrás dos montes, ora pasmado lá no fundo a reflectir o seu próprio assombro. Um poema geológico. A beleza absoluta." (Miguel Torga, "Diário XII")
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Fraga da Ermida ... e estamos de novo próximo do Cume do Marão |
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Panorâmica da Fraga da Ermida: ao fundo à esquerda, o viaduto do Corgo e a cidade de Vila Real |
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Cai |
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neve...J |
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Fraga da Ermida: um último olhar sobre o Reino Maravilhoso ... (Foto: Cristina Ferreira) |
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... mas tínhamos que regressar! |
Poucos minutos faltavam para as cinco da tarde. Tínhamos agora de ir ao encontro do percurso por onde havíamos subido de manhã ... nada fácil ... antes que o Sol se pusesse, para cá do Reino Maravilhoso. E foi já com a Lua no céu e nas sombras do final do dia que procurámos um percurso menos perigoso, na descida, evitando as fragas escorregadias ... que poderiam transformar-se em pragas...
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Há que descer |
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enquanto há luz... |
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17:35h ... o Sol já desapareceu ... |
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... a Lua já nasceu ... |
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... e os últimos 5 km foram de caminhada nocturna... |
Chegados ao estradão inicial em dois grupos, a preocupação pela noite já deixava de o ser; estávamos em terreno seguro. E passava já das seis e meia de uma tarde que nesta altura é noite, quando chegámos aos carros, na "abençoada"
Srª do Viso. 28 km de montanha nos pés e nas pernas ... cerca de 1900 metros de desnível acumulado ... e no dia seguinte havia mais...
J.
Regressados ao
Albergue de Bertelo ... o jantar foi confeccionado por dois dos presentes, como já o havia sido
na Serra Amarela. Caminhar não é só andar, subir e descer montanhas; caminhar também é convívio, camaradagem, brincadeira ... também é Viver!
Domingo 25:
Pelas escarpas e linha do Corgo...
Para segundo dia deste fabuloso fim de semana, o projecto tinha por tema central o
Rio Corgo, as suas encostas escarpadas e parte do traçado da velha linha que ligava a
Régua a
Vila Real e a
Chaves.
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25 de Janeiro, 8:00h ... esta era a visão matinal, à porta do "nosso" Albergue de Bertelo, Sta Marta de Penaguião |
Novo dia esplendoroso nos esperava para a segunda jornada ... mas primeiro foi preciso "descongelar" os carros...
J. Iriam descansar junto à Igreja de
S. João de Lobrigos, onde começava e acabava a nossa descoberta das escarpas do
Corgo.
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Os carros estavam "congelados" (Foto: Cristina Ferreira)
Temperatura ... -1ºC |
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S. João de Lobrigos, 9:00h ... e vai começar outra bela jornada pedestre |
De S. João de Lobrigos, começámos por subir à
Ermida de S. Pedro ... mais uma vez no
Caminho Português do Interior! Pode ser que ali volte a passar dentro de uns meses...
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Panorâmica sobre a Serra do Marão, próximo da Ermida de S. Pedro (Foto: Cristina Ferreira) |
Da Ermida de S. Pedro, descemos para a margem direita do
Corgo. O objectivo era acompanhar as escarpas, os socalcos das vinhas, ou a beira-rio ... mas a passagem veio a revelar-se intransponível. Houve que voltar a subir alguns dos socalcos; as preciosas indicações de um vinhateiro colocaram-nos enfim no bom caminho, passando próximo das Quintas de
Romarigo e de
Campanhã, para enfim chegar à margem e atravessar o Corgo pela ponte rodoviária de
Firveda, na EN 313.
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Descida dos socalcos vinhateiros, na margem direita do Corgo |
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Rio Corgo |
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Mas ... a progressão é impossível... |
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Agora sim, no bom caminho! |
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Ponte de Firveda (EN 313), sobre o Corgo |
Cruzado o
Corgo, entrámos quase de seguida no percurso da velha linha férrea desactivada ... como tantas outras. Já nem os carris existem; restam os "fantasmas" das estações. E fizemos quase 5 km ao longo daquela ex-
Linha do Corgo, de Firveda a
Alvações do Corgo, num autêntico desbobinar de cantos e recantos da indescritível beleza de um paraíso ribeirinho.
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Linha do Corgo, entre Firveda e Alvações: quando caminhamos de maravilha em maravilha! |
Cruzado de novo o
Corgo junto à Estação de
Alvações, estávamos sensivelmente a uma hora do ponto de início e de fim da caminhada. Faltava-nos ... a subida final para
S. João de Lobrigos.
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Através dos vinhedos da margem direita do Corgo, a caminho de S. João de Lobrigos |
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E ... não é uma miragem. É mesmo a Igreja de S. João de Lobrigos, onde os carrinhos nos esperavam... |
Às duas da tarde dávamos por findas as actividades pedestres deste fabuloso fim de semana. Os músculos acusavam mais estes 16 km, com mais de 900 metros de desnível acumulado. No total dos dois dias tínhamos palmilhado 44 km ... e subido e descido, número redondos ... quase 2800 metros! Bem merecíamos, portanto ... o almoço com que encerrámos a extraordinária camaradagem que se gerou entre todos, na
Portela de S. Gonçalo. Obrigado, a todos, por este magnífico fim de semana!
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Adega Regional Beça, Portela de S. Gonçalo. E assim
terminou uma dura mas fabulosa actividade montanheira! |
5 comentários:
Até fiquei mais novo ao ver estas belas imagens!
Pode-me dizer qual é o acesso de automóvel para a Senhora da Serra?
Caro Dylan, o acesso à Senhora da Serra (alto do Marão) é a partir de norte, desde o alto de Espinho.
Mas se ficou mais novo ... mais uma razão para ir a pé, sem dúvida a melhor forma de lá chegar :)
Lindo!
Onde fica a placa com um excerto do Reino Maravilhoso?
Obrigado
José Freitas Simões
Caro José Simões, não sei a que placa se refere. No meu artigo não aparece nenhuma placa.
Talvez se refira à placa na A4, que indica a entrada neste "Reino Maravilhoso", colocada pela Estradas de Portugal em janeiro de 2007, no centenário do nascimento de Miguel Torga - fica no Alto de Espinho.
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