quinta-feira, 5 de setembro de 2019

Machu Picchu ... a cidade perdida dos Incas (1)

Um Sonho inverosímil?...
Andes peruanos, meio-dia de 24 de julho de 1911. Três homens trepam com os pés e as mãos uma encosta íngreme e abrupta. A seus pés, o rio Urubamba segue, como em qualquer outro dia, o seu curso apressado em direcção ao Amazonas. O coração de um dos expedicionários, Hiram Bingham, de 35 anos de idade e professor assistente de História Latino-Americana na Universidade de Yale, bate a uma velocidade vertiginosa. Os seus olhos esquadrinham árvores, pedras e matagal, tratando de localizar o objectivo da sua difícil subida. Quando, depois de algum descanso e muito cansaço, chegam ao local, Bingham contempla boquiaberto o cenário que se abre diante dele. Da mata densa e intrincada assoma um labirinto de terraços e muros, uma cidade inca fantasma, oculta do mundo exterior há cerca de 400 anos.
"Aquilo deixou-me sem respiração" - escreveria depois. "Era como um sonho inverosímil."

("The National Geographic Magazine", Edição especial do centenário da descoberta de Machu Picchu)     

Seis anos depois da "aventura" do Monte Perdido Extrem … quatro anos depois de ter subido ao ponto mais próximo de Deus a que os berberes do Atlas podem chegar (o Toubkal, ou جبل توبقال, "aquele que observa do alto") e depois de 6 anos a percorrer os Caminhos de Santiago e de FátimaMachu Picchu foi-se instalando no canto dos meus Sonhos. Seria um Sonho inverosímil, como escrevera Hiram Bingham? Com poucas ambições - ou sonhos - fora da nossa Ibéria, o inverosímil tornou-se verosímil: cento e oito anos depois da descoberta, conheci a cidade perdida dos Incas.
El condor começou a pasar nos meus sonhos mais de um ano antes da "aventura"...
Percorrer o Caminho Sagrado dos Incas, não sendo obviamente comparável ao Caminho de Santiago, é de qualquer modo também uma verdadeira peregrinação ao interior de nós próprios. Pelos desafios, pela imponência das montanhas, vales e florestas, pela mística da carga histórica … pela superação dos nossos limites e capacidades. Quatro anos antes de ganhar o "estatuto" de septuagenário … pulverizei o meu record de altitude, ao ultrapassar os 5 mil metros acima do nível do mar.
O Sonho começou a tomar forma mais de um ano antes. Só me interessava chegar à cidade perdida a pé e pelo Caminho Clássico ... e sabia que as reservas têm de ser feitas com muitos meses de antecedência. Claro que teria adorado levar a minha "estrela arraiana". Sabendo embora que ela não teria pernas para semelhante aventura, poderia ter feito a variante turística, chegando a Aguas Calientes de comboio e subindo depois a Machu Picchu de autocarro; mas não quis ... a veia não seria a mesma. Dos meus irmãos e irmãs de coração, uns já lá tinham ido, outros não podiam; mas voltando a parafrasear Mário de Andrade ... "Olhei para mim e descobri que tenho muito mais passado que futuro" ... pelo que os sonhos são para viver enquanto o futuro é presente!
Analisadas várias opções, escolhi a Papa Léguas e a Iberia para me levarem ao Peru. Lancei o repto a outros amigos e amigas das "aventuras" pedestres. Surgiram alguns "talvez", alguns "vou" que duraram pouco tempo ... e só a Madalena acabou por avançar comigo para este "voo do condor". Obrigado Mada; esta aventura peruana e estes dias fizeram de ti ... panaymi canqui machupiccheña 😊
04.Set.2019, 14h45 - Deixamos a velha Europa,
sobrevoando o nosso Cabo Carvoeiro e as Berlengas
Pouco depois das seis da manhã de 4ª feira, 4 de Setembro, estávamos a partir de Lisboa para um périplo de três voos. A bordo do "condor" gigante da Iberia ... escrevi:

São cinco e meia da tarde, hora de Portugal ... mas eu estou a meio do Atlântico, a voar há mais de 4 horas desde Madrid; e ainda faltam quase 7 horas para a próxima escala! Se lerem isto ... é porque cheguei lá... 🤪. O mapa de bordo que está à minha frente diz-me que já passámos o Trópico de Câncer. No momento em que escrevo estas linhas, estamos à latitude de Nouadhibou, na Mauritânia ... mas também do sul da Flórida e de Cuba. E vamos continuar para sudoeste ... atrás do Sol que já estará baixo em Madrid mas que aqui está bem alto; pudera ... por aqui ainda nem são duas da tarde. Saí de casa, deixei o "ninho" e a minha estrela, ainda não eram cinco da manhã, neste dia 4 de Setembro que vai durar 30 longas horas. A um curto voo Lisboa - Madrid seguiu-se uma seca de quase 5 horas no aeroporto de Barajas. O pássaro voador em que éramos para vir de Madrid teve uma avaria, motivando a troca para outro pássaro da Iberia e um atraso de quase uma hora ... que espero que não nos comprometa o terceiro voo deste dia mais longo. Deixámos a velha Europa por cima de Peniche e das Berlengas. Daqui a bocado atravessamos o Triângulo das Bermudas ... e entramos na América do Sul pelas Guianas. Esperando não ver do ar a Amazónia mártir devastada neste planeta a saque, vamos imitar os condores e sobrevoar os Andes, com destino a Lima, capital do Peru. Será a primeira vez que vou ver o Pacífico ... para voltarmos a voar, ainda hoje ... rumo ao Império Inca ... rumo a Cusco. Ao meu lado, nas asas deste condor metálico que não sabemos como se aguenta no ar, está a Madalena ... companheira de algumas "aventuras" pedestres, que um dia a minha mana Paula conheceu nessas lides ... que um dia eu igualmente conheci nessas lides. Como o Universo é misterioso e o Mundo é pequeno ... os nossos pais, ambos com 94 longos anos, foram colegas de Liceu, no velhinho Passos Manuel! Se chegarmos a Cusco - espero que sim - o dia de amanhã é para descansar deste périplo ... e também para nos aclimatarmos à altitude. É que Cusco, a capital inca ... é logo a cerca de 3400 metros de altitude! Depois, nos dias seguintes ... bem ... depois começará a "aventura" mesmo! Obrigado Madalena. Tu dizes que eu te trouxe ... e tu trouxeste-me a mim, certo? Obrigado Paula ... pela surpresa com que me brindaste no telemóvel, assim que aterrei em Madrid ... e pelo muito mais que tu és.
Sobre os Andes, a caminho de Lima
Obrigado aos meus outros mano(a)s, aos novos e aos "velhos", aos que o Universo me trouxe nos últimos anos e aos que já vêm da noite dos tempos. Obrigado ao meu "ninho", à família que construí, à família que me construiu, à família biológica. E obrigado Lala ... a "estrela" que, no amargo da saudade e da separação, aceita e compreende que eu Viva estes meus Sonhos ... porque no canto de cada sonho nasce a vontade! Todos cá estão, comigo e com a Madalena, com o resto do grupo internacional a que nos vamos juntar, com os deuses incas, com o Universo ... mas sobretudo no meu e nos nossos corações. Bem hajam! Namastê!
🌾🙏


Mas nem tudo acontece como previsto. O atraso no voo Madrid - Lima acabou mesmo por nos fazer perder o voo Lima - Cusco ... apesar de ainda termos chegado antes da respectiva partida. Para primeira vez a voar pela Iberia, a impressão foi a pior possível. A informação prestada em Lisboa era de que as malas seriam despachadas directamente para Cusco ... mas em Lima a mesma Iberia diz-nos que é preciso levantarmos as malas e fazer novo check-in ... e que o voo para Cusco já estava fechado! E assim ... fomos parar ao Sheraton de Lima ... mas para tratar do novo voo, respectivo check-in e transfer para o Hotel ... a Iberia levou o melhor de quatro horas!!! Como o próximo voo para Cusco era às 4h43 locais ... dormimos pouco mais de duas horas no Sheraton de Lima!
Sobre um manto de nuvens, a caminho de Cusco
... e da "nossa" Casa Andina, antes das 7h locais
Estávamos, finalmente, em Cusco ... nove horas depois do previsto! Iberia ... nunca mais! Pelo contrário, do operador local ligado à Papa Léguas - Huaraz Chavín Tours - começámos logo por ter a melhor das impressões. Até em Lima, no stress do atraso e do novo check-in, lá estava um representante da HCT para nos ajudar no que era possível. Tivemos contudo uma surpresa, nem boa nem má: afinal, o grupo internacional a que nos íamos juntar ... não existia. Durante toda a nossa estadia no Peru, seríamos só mesmo nós dois, o guia, e, para o Caminho Inca ... 5 carregadores e 1 cozinheiro! À chegada à Casa Andina, contudo ... tomámos o pequeno almoço e fomos dormir, descansando finalmente de uma viagem que tinha durado mesmo 30 horas! Estávamos a 3400 metros de altitude, no "umbigo do mundo", significado de Quzcu em língua quíchua.
(Continua)       

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