A passar de novo uns dias nas minhas terras raianas, anteontem à tarde lá estava eu de novo nas "minhas"
Fontes Lares. Tínhamos ido à meruge, tarefa infelizmente difícil na prolongada seca que vivemos, mas que, mesmo assim, nos permitiu uma óptima salada. O regresso foi pela velhinha
quelhe
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Fontes Lares, 22.03.2012, 16:55h |
das pedras; e uma foto das Fontes Lares que coloquei no Facebook, com essa pequena descrição, despoletou uma onda de saudade e de nostalgia, por parte de quem viveu os tempos em que todas estas terras tinham vida, gente, trabalho, suor.
“Quando eu era criança, ou já como adolescente, tantas e tantas vezes que calcorreei essa quelhe pedregosa, que eu trilhava para atalhar e mais rápido chegar às minhas graciosas Guisias..... Todos os barrocos me conheciam e cumprimentavam! Hoje, essas pedras não dialogam mais comigo, estão tristes e solitárias, por não serem mais minhas, e eu não posso animá-las!”
José Manuel Corceiro, "As Guisias já não são minhas", Facebook, 23.03.2012
Tomando por base este apaixonado comentário, delineei a minha pequena caminhada de ontem. Tinha de ir às
Guisias! Tinha de trazer o registo de que as Guisias continuam a ser dos que amam apaixonadamente os barrocos, de quem fala com eles, com os ramos dos carvalhos, com as cores do entardecer, com a água que felizmente ainda brota na nascente das
Fontes Lares, que apesar de não serem minhas, são minhas. Saudade sim, melancolia talvez ... tristeza não.
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Vale de Espinho, 23.03.2012 |
Pés ao caminho, ontem de manhã parti na senda dessas Guisias de outrora, "
que nos presenteavam com centeio, batata, milho, feijão, nabo, couve, lenha, feno, pastagens para animais … e na sua envolvência era um consolo aspirar o ar perfumado pela essência do constante e sempre presente rosmaninho, ou saciar a sede com água cristalina e fresca que brotava do chão selvagem e arenoso, das suas sete fontes! ”. Assim, subi às Cabeças e desci à
Cova Grande (ou "coba" grande), para depois subir às Guisias. Cada pedra, cada barroco, cada curva dos caminhos falavam comigo, contavam-me histórias de quando aquelas terras tinham gente, culturas, vida.
“Para as Guisias passava-se na Coba Grande. É pouco o valor que me dá, mas o enorme prazer é ainda senti-la minha, como um tesouro que revisita o meu mundo da Infância. Pelo meio da nossa Coba Grande passavam os ganhões com os seus carros de vacas a transportarem os carretos de pedra. Ouvia o concerto dos carros de bois em eixo de madeira e isso deliciava o meu ouvido. Depois era a fala dos homens, ou saudavam em voz alta para os terrenos do meu pai, ou às vezes era o meu pai a pregar para os transeuntes: "então para quem é a pedra?" e entaramelava-se ali uma conversa à distância e o eco dos montes permitia a fala à distância como num anfiteatro grego. Tudo produzia a nossa Coba Grande: feijão, milho, batata, feno e, junto da presa da água, havia uma horta com tudo muito mimoso que a água milagreira e o cuidado do tratador permitiam: tomate, pimento, morangos, alface e, na presa, sempre uma meruge e a sua flor de um azul mais lindo que outros azuis que não via noutras lugares.”
Ismael Malhadas Vigário, Facebook, 24.03.2012
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Cova (ou Coba)
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Grande, 23.03.2012 |
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A caminho das Guisias, 23.03.2012 |
“Imaginei-me, ainda criança, sentado em muitos dos barrocos que fotografaste, grande parte deles são-me familiares!”
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Guisias, 23.03.2012 |
“Até fotografaste a "Lage", estou seguro que não sabias, mas essa "Laje" serviu de Eira, para malhar o trigo e o centeio, que o meu trisavô e bisavô cultivavam nas Guisias. Tiveste o condão de fotografar o meu estimado e adorado mostageiro … para mim é a árvore mais emblemática das Guisias… Lá continua o mostageiro saudável e em pé, à minha espera para o voltar a trepar…”
José Manuel Corceiro, 24.03.2012
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Guisias, 23.03.2012 - “Lá continua o mostageiro saudável e em pé, à minha espera para o voltar a trepar…” |
Das Guisias às
Fontes Lares seria um salto, mas já lá tinha estado na véspera e eram quase horas do almoço. Mas, mais uma vez, a fotografia das Fontes Lares tinha despertado recordações nostálgicas...
“Para aqui, quando menino, ia com umas vitelas e uma burra, na Primavera. Depois ia até à corte do Ti Zézinho Brísido e da Ti Bei Pêdra e lá davam-me soro cozido que me sabia como o melhor pitéu. Sabia-me a companhia como o amparo da melhor urbe e afugentava, com aquela caraba quase familiar, a nesga de solidão que me pudesse invadir. Às vezes ia à fonte da ti Mª Augusta Bgueira e ia para junto dos pastores, com muito respeito por aqueles fiéis companheiros: os cães pastores que me metiam respeito, com aquela coleira de ferros. A tarde escorria calmamente, os frondosos carvalhos e as águas frescas ofereciam-nos um vergel encantador. Depois regressávamos à povoação, com a satisfação de um dever bem cumprido do homem em companhia da natureza.”
Ismael Malhadas Vigário, Facebook, 24.03.2012
O regresso foi de novo pela "quelhe" das pedras. Se aquelas pedras falassem teriam muito que contar. A tradição popular reza que ali terá nascido Vale de Espinho; será?
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Quelhe das Pedras |
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... pedras com história
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À tarde ainda fomos até aos
Urejais, lugar que a minha arraiana gosta sempre de visitar ... mas desta vez a tristeza dominou. Não fazia ideia que o recente incêndio em terras de Vale de Espinho tinha sido tão extenso! Do Areeiro à ribeira e ao caminho do Soito, uma vasta área foi calcinada. E estamos apenas em Março...
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A miséria que não merece
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comentários ... em Março
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Ribeira dos Urejais, 23.03.2012 |
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E ... Vale de Espinho ! |
Aqui fica o percurso efectuado de manhã, à
Coba Grande e às Guisias, bem como o
álbum completo de fotos. Dedico esta entrada do meu blog a todos os Valespinhenses que amam a sua terra natal (que adoptei e aprendi a amar há quase 4 décadas), mas principalmente aos dois amigos que, com os seus belos e sentidos textos, em muito enriqueceram esta descrição de uma pequena grande caminhada.