Há mais de 40 anos a desbravar e a dar a conhecer as "minhas" terras raianas, de um e outro lado da fronteira, alguns locais, factos e histórias foram ficando sempre para trás. "
Um dia hei-de lá ir..."
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28.10.2016, 7:57h - O Sol nasce, a norte do "meu" Xalmas |
Foi o caso das minas de
Navasfrias, município Salmantino limítrofe dos nossos Fóios e Aldeia do Bispo. Já praticada pelos romanos, que aqui localizaram jazidas de ouro, a actividade mineira em Navasfrías teve o seu auge durante a Segunda Guerra Mundial. Tal como em Portugal, as necessidades logísticas da maquinaria bélica deram importância a um mineral pouco valorizado até então: o volfrâmio. A proximidade da fronteira proporcionou até o contrabando de mineral, canalizado para os aliados através de Portugal, fluxo que a vigilância franquista tentava evitar a todo o custo, ao mesmo tempo que se empenhava em fazer chegar o minério à Alemanha nazi.
Antes das sete e meia da manhã, estava assim a deixar o carro em
Navasfrias, junto ao
Águeda, bem à vista do
Jálama, ou
Xálima ... o "meu"
Xalmas, o deus vetão das águas. Visível ao longo de quase todo o percurso, o Xalmas iria "vigiar-me" nesta caminhada a solo. E foi através de um magnífico souto de castanheiros que percorri os pouco mais de 4 km de Navasfrias até às "
antiguas labores mineras", com o Sol a nascer já bastante a norte, entre o Xalmas e a Penha de Francia.
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Encontrando pelo caminho "caminheiros de várias espécies, chego a La Salmantina, as antigas minas de Navasfrias |
As minas de
Navasfrias - recentemente reabilitadas para visitação - começaram a sua exploração em 1916, dedicando-se à extracção de estanho e volfrâmio dos filões existentes no granito. Mas a produção em Portugal foi sempre superior, o que mereceu uma atenção especial por parte das redes de contrabando. Das minas da
Panasqueira, o minério era transportado para o
Soito e dali para Espanha. Conforme nos conta
José Manuel Campos, durante muitos anos autarca dos
Fóios, "
os cavaleiros do Soito carregavam os cavalos com minério, que procuravam fazer chegar a uma mina, fictícia, que ainda hoje lá se encontra, e onde nunca se explorou um grama do dito mineral; o importante era alcançá-la". Rui Amaral Paiva, em "
Emigração clandestina no concelho do Sabugal", também nos relata: "
punham lá pessoal a trabalhar para fazer ver que tiravam ali o estanho… mas o estanho vinha todo de Portugal; .... «toda a vida foi assim… faziam lá um buraco… e era considerado que tiravam lá o minério, mas não o tiravam…»".
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Poços, galerias ... memórias perdidas no tempo, memórias de suor e labuta |
As minas situam-se nas encostas do rio
Rubioso, junto ao qual foi criado um aprazível parque de merendas. Algumas galerias podem ser visitadas, mediante prévia solicitação ao
Ayuntamiento de Navasfrias, encontrando-se bem sinalizadas ao longo do "
itinerario turístico" ali criado ... excepto na parte final. Uma placa assinala a galeria e a área recreativa "
La Sentada Morales", mas na procura dessa área e de uma eventual passagem para a mina
Manolita e para a serra ... vi-me no meio de denso mato, que me roubou mais de hora e meia de esforço imprevisto. Valeram as imagens ribeirinhas do rio Rubioso.
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Junto ao rio Rubioso, a assinalada área de "La Sentada Morales" levou-me a belas imagens ... no meio de denso mato |
A assinalada área de "
La Sentada Morales" ... dá-me ideia que não passou de projecto. A mina
sin nombre e a
Manolita, nas encostas fronteiras, até são visíveis; ao longe, na serra, também era visível um caminho ... mas um mar de mato cerrado separava-me delas e dele, para além do mato em que já estava mergulhado. O esforço era grande, com os bastões a funcionarem como arma e os pés a ficarem por vezes presos no emaranhado de troncos e ramos. A pulseira que uso no pulso direito (um dos meus vários adereços ligados aos Caminhos de Santiago) abriu-se várias vezes; se a perder, pensei ... desisto e regresso ao carro! Mas não a perdi...
J
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Restos da Mina Brillante, junto ao Rio Rubioso e abaixo da Casona de las Minas |
Resignado, regressei ao parque de merendas e à entrada do percurso das minas. A minha ideia original era rumar ao
Puerto de Santa Clara e voltar a subir o
Xalmas, utilizando um trilho que descobri nas minhas "caminhadas" na
net. Mas passava já do meio dia quando deixei o vale do
Rubioso.
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E as Minas ficavam para trás... |
Procurando o mais possível que esta caminhada fosse essencialmente por trilhos que ainda não conhecia, optei então pelo caminho que ligava
Navasfrias e
Payo às estremenhas
Eljas e
San Martín de Trevejo, fazendo parte das velhas rotas de contrabando e cruzando as
Torris de Fernán Centeno, ou Torres das Ellas. Mas, ainda abaixo dos mil metros de altitude, cruzar o regato de
Los Salgueros e atingir aquele caminho ainda me levou a mais um pequeno troço de corta mato...
J
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Belas imagens nas margens do |
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regato de Los Salgueros |
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Regato de Los Salgueros |
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Acima já dos mil metros ... surge a cumeada |
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Rumo ao vale alto de Los Salgueros |
O velho caminho das
Ellas vai subindo o vale do regato de
Los Salgueros. Acima já dos mil metros de altitude, começava a ver a cumeada e a reconhecer a cabeceira do vale, por onde tantas vezes fiz já a travessia dos
Llanos de Navasfrias ao
Puerto de Santa Clara. A cumeada do
Espiñazo, junto às
Torris de Fernán Centeno, seria a única porção já minha conhecida nesta jornada.
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Panorâmica do vale alto de Los Salgueros, à medida que subia para As Torris |
Eram já duas da tarde quando entrei em terreno conhecido, junto a
Los Cortaderos e à vista do
Teso de la Nave e das
Torris, com o
Xalmas ao fundo, vigilante. Continuando a subir rumo a poente, uma hora depois estava no
Barroco do Raio; só então almocei, sentado no granito imponente.
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E cheguei à cumeada do Espiñazo (Torres das Ellas, ou de Fernán Centeno) |
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Barroco do Raio. Segundo a lenda, terá sido cortado por um raio |
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Sentado junto ao barroco do raio,
frente à cumeada granítica do Espiñazo |
A partir do barroco do raio, acompanhei a ciclópica parede que separa os pastos de montanha estremenhos dos salmantinos. Trata-se de um muro quase megalítico, que serviu desde tempos imemoriáveis para evitar a passagem do gado entre ambas as províncias. Apenas me desviei da
pared, para o lado estremenho, junto ao cume do
Espiñazo e ao alto de
La Carbonera, a seguir ao qual voltei a entrar em terreno desconhecido, à vista de
Los Llanos e da
Serra das Mesas.
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La pared, o ciclópico muro de granito que separa pastos salmantinos e estremenhos |
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Uma "vista aérea" sobre Valverde del Fresno, da cumeada do Espiñazo |
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Vigilantes nos ares ... mas não, |
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comigo não iriam ter sorte... J |
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Os Llanos de Navasfrias e a Serra das Mesas, da descida de La Refiesta |
Sempre com o mesmo "companheiro" de jornada, o regresso a Navasfrias foi por
La Refiesta e a
Cuerda de los Civiles, rumo ao
Remostajo e ao
Águeda, sempre por belos
senderos que atravessam os soutos
navasfrieños. Já passava das quatro e meia quando comecei a ver
Navasfrias ao longe, mas o tempo estava sob controlo: chegaria ao términus ainda antes do pôr do Sol, ainda para mais num esplêndido dia de Outono, que mais parecia Verão. E uns minutos antes das seis da tarde estava a cruzar o
Águeda; o Duster lá me esperava, no ponto onde o havia deixado mais de 12 horas antes. Tinha feito 27 km ... durinhos ... principalmente devido aos corta mato relativamente imprevistos.
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Regresso a Navasfrias ... através de uma magia de cores |
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17:55h - O Águeda, descido da Serra das Mesas, chega a Navasfrias ... tal como eu, descido das alturas do Espiñazo |
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E no fim, para além dos campos de Navasfrias ... lá estava o Xalmas, vigilante... |
Antes das seis e meia estava de regresso a
Vale de Espinho ... e à minha arraiana...
J. Para sobremesa do jantar ... tinha uma esplêndida "
bola parda", uma doçaria típica das aldeias raianas, à base de leite, ovos, farinha e canela; saudades de outros tempos...
Nota: no
track publicado no
Wikiloc, apenas considerei os 25 km "aproveitáveis". Apesar de ter deixado uma parte do corta mato, retirei algumas das tentativas para dele me livrar e para encontrar uma eventual passagem directa para a serra.