domingo, 30 de outubro de 2022

Outono nas terras da raia ... das Fontes Lares à Fonte Moira

Vale de Espinho ... a minha aldeia adoptiva! Desde que, há quase 20 anos, fizemos "Um doloroso regresso a Vale de Espinho...", o final de Outubro e início de Novembro passamo-lo sempre nestas terras que também são minhas, nestas terras que adoptei e me adoptaram há quase meio século. O Dia de Todos os Santos leva-nos a passar, nesta altura, uns dias antes e uns dias depois neste nosso retiro que em boa hora construímos ... e leva-me particularmente a mim às minhas "fugas", à minha catarse.
26.Out.2022, 10h45 - Seria eu um duende? Ou um simples mortal, extasiado neste reino mágico?...
Desde dia 25 no nosso retiro raiano ... a chuva que toda a noite caiu não me desencorajou de, logo no dia seguinte, ir ver as "minhas" terras, sequiosas de água! E onde fui de manhã, em primeira catarse, sozinho, no meio da chuva e do nevoeiro? Às Fontes Lares, o meu "santuário", entre as pedras, os carvalhos, as nascentes ... entre as ruínas da velha casa que há 50 anos ainda conheci de pé ... lá...
"nas terras de onde se contam velhas lendas, quase negras ... por trás do monte onde nasce a lua cheia"...🏡
O nevoeiro não era nem ténue, nem espesso ... parecia ter personalidade própria ... misticismo ... magia...
Nascente das Fontes Lares ... lá, "onde os rios ainda são apenas fontes"...
Qual andarilho a caminho "dos montes que medem o céu", em menos de uma hora estava nas Fontes Lares. Os lameiros rejubilavam de vida, e até o "barroco sagrado" transpira e brilha! E naquele reino de magia ... envolvida pelas cores, pelo nevoeiro, pela chuva ... surge a casa das Fontes Lares ... que um dia ... há quase 50 anos ... ainda conheci de pé, com Alma ... com Vida.
Seguramente que o meu barroco sagrado é a Fraga que o Sebastião Antunes canta ... quando nos fala "das bredas feitas à sorte pelas vidas de quem canta" ... quando nos diz que "na encruzilhada onde piam as corujas, o demo deixou perdidos mil segredos ... junto à fraga..."
Casa das Fontes Lares, 11h05 ... ou estaria eu a Viver um dos contos fantásticos de Tolkien?
Em Março de 2014, as ruínas da velha casa hoje sem tecto passaram a ser o meu "santuário" ... o local que escolhi para as "minhas botas, velhas, cardadas", que palmilharam "léguas sem fim"...
O meu "santuário", no interior das ruínas da velha casa das Fontes Lares.
Mas à esquerda, do par mais antigo das minhas velhas Meindl ... só estava uma... 😥
"𝘖𝘯𝘥𝘦 𝘦𝘴𝘵𝘢𝘳𝘢́ 𝘢 𝘮𝘪𝘯𝘩𝘢 𝘨𝘦́𝘮𝘦𝘢?" ... parecia-me ouvir
dos "lábios" desta velha companheira de tantas aventuras...
"𝘖𝘭𝘩𝘢 𝘱𝘢𝘳𝘢 𝘣𝘢𝘪𝘹𝘰", respondeu a gémea ... "𝘌𝘴𝘵𝘰𝘶 𝘢𝘲𝘶𝘪, 𝘦𝘯𝘤𝘩𝘢𝘳𝘤𝘢𝘥𝘢
𝘦 𝘧𝘳𝘪𝘢, 𝘯𝘰 𝘤𝘩𝘢̃𝘰 𝘱𝘢𝘳𝘢 𝘰𝘯𝘥𝘦 𝘢𝘴 𝘪𝘯𝘵𝘦𝘮𝘱𝘦́𝘳𝘪𝘦𝘴 𝘮𝘦 𝘦𝘮𝘱𝘶𝘳𝘳𝘢𝘳𝘢𝘮!"
E o "santuário" ficou de novo composto, com os dois pares de Meindl e, as mais recentes,
as Bestard que em 2019 me levaram 𝗱𝗲 𝗩𝗮𝗹𝗲 𝗱𝗲 𝗘𝘀𝗽𝗶𝗻𝗵𝗼 𝗮 𝗦𝗮𝗻𝘁𝗶𝗮𝗴𝗼 𝗱𝗲 𝗖𝗼𝗺𝗽𝗼𝘀𝘁𝗲𝗹𝗮
11h30 - Entretanto recomeçou a chover ... regressei pelas Guisias.
Mas depois ... os deuses não quiseram que eu apanhasse mais chuva... 😍
Como todas as histórias têm as suas estórias ... a caminhada / catarse às Fontes Lares também teve a sua. Apesar da chuva, naturalmente eu contava ir e vir a pé; não contava aliás ver viv'alma. No regresso vim pelas Guisias; para minha admiração, vi uma carrinha, mas naturalmente que continuei a pé; no entanto, quando a carrinha passou por mim ... parou. "𝘌𝘯𝘵𝘢̃𝘰 𝘲𝘶𝘦 𝘢𝘯𝘥𝘢 𝘢 𝘧𝘢𝘻𝘦𝘳?", perguntou-me uma senhora no lugar do pendura; apesar de encapotado e debaixo de chuva, reconheceu-me! "𝘌𝘯𝘵𝘳𝘦 𝘭𝘢́, 𝘤𝘰𝘮 𝘦𝘴𝘵𝘦 𝘵𝘦𝘮𝘱𝘰 𝘷𝘢𝘪 𝘤𝘩𝘦𝘨𝘢𝘳 𝘦𝘯𝘤𝘩𝘢𝘳𝘤𝘢𝘥𝘰!" ... e eu não consegui rejeitar a proverbial cordialidade raiana. E lá vim na carrinha desde as Guisias, devagar como impõe a dureza do caminho ... sempre a conversar com a "Maria do Xico". "𝘕𝘢̃𝘰 𝘴𝘰𝘶 𝘥𝘦 𝘤𝘢́, 𝘮𝘢𝘴 𝘤𝘰𝘮𝘦𝘤𝘦𝘪 𝘢 𝘷𝘪𝘳 𝘢 𝘝𝘢𝘭𝘦 𝘥𝘦 𝘌𝘴𝘱𝘪𝘯𝘩𝘰 𝘦𝘮 1973", disse-lhe ... respondeu-me que então ainda comecei a vir antes dela! Os pais da minha estrela também vieram à conversa, claro ... o meu saudoso Zé Malhadinhas, o Vital e o Hermínio, irmãos dele, que também já viajaram para outras dimensões. Como não hei-de sentir estas terras e estas gentes como minhas? Estou ligado a elas há mais de 70% da minha Vida! Obrigado, Universo! 🙏

28.Out.2022 - Dois dias depois voltava às Fontes Lares pelos Nheres, regressando pelo Areeiro
A segunda romagem às Fontes Lares foi uma romagem ... de colheita de castanhas e de tartulhos. De castanhas na zona do ribeiro da Presa e castanheirinhos ... de tartulhos nos lameiros das Fontes Lares. E a colheita rendeu, como se vê; apesar de os conhecer, os tartulhos passam pela inspecção da mãe da minha arraiana ... que os aprovou a todos.
No sábado houve magusto em Vale de Espinho ... e, no penúltimo dia do mês, uma tarde de Sol numa semana maioritariamente de chuva benfazeja convidou-me a descer ao Côa.

O Côa no Moinho do Rato, 30.Out.2022, 14h40 - Tem de chover mais, mas felizmente as águas já correm céleres
Do Moinho do Rato resolvi subir à Pelada ... e o destino escreveu nova estória: de repente vejo um jeep em sentido contrário, com dois tripulantes, que pára ao pé de mim. Quem sou, quem não sou, de quem sou, para onde vou ... e depois das minhas respostas veio a pergunta: "Você é que é o Zé Carlos Calhistro?". Não corrigi nada ... apenas confirmei que sou ... e não foi fácil conter a emoção, ao ouvir que há muito que me queriam conhecer ... que conhecem as minhas andanças por estas terras ... que admiram a minha paixão e a divulgação que delas faço. O mais velho dos dois é sobrinho do Narciso ... quem segue este meu blog já me "ouviu" falar dele ... e das suas cabras nos lameiros e pastagens do Moinho do Rato. Eles desceram para Vale de Espinho ... eu ainda ia subir para o Cabeço da Moura...
Vale de Espinho vista da Pelada ... e a subida para o Cabeço da Moura
No Cabeço da Moura (1076m alt.), 15h30
Limite Sabugal / Penamacor, a nascente do Cabeço da Moura, com Vale de Espinho ao fundo
Entre o Cabeço da Moura e o Cabeço do Passil rumei a norte, descendo a vereda que conduz à Fonte Moira e ao Vale da Maria, maioritariamente a corta mato e a saltar arames. A Fonte Moira e o Vale da Maria, transformadas em paraíso pelas chuvas recentes, respiram memórias da "ti Maria Clementa", mãe do meu saudoso sogro, bem como do também saudoso "ti" Vital, filho dela e irmão dele... 💐
A corta mato, pelo meio das giestas, rumo à Fonte Moira

Fonte Moira ... pedras com memórias...
Descida da Barroca da Fonte Moira e do Vale da Maria ... recantos do paraíso...
Antes das cinco da tarde estava de regresso ao Côa; com a mudança da hora para a hora de inverno, o Sol já se escondera atrás da Malcata. A força e o som das águas na Açude do Pisão levaram-me a fazer um breve desvio até lá, desviando também depois à velha ponte "romana" (mais propriamente medieval), verdadeiro ex-libris de Vale de Espinho ... e a precisar de rápidas obras de manutenção.

O Côa na Açude do Pisão e a montante do pontão proveniente do Vale da Maria
E a velha ponte de dois arcos, ex-libris de Vale de Espinho, 30.Out.2022, 17h00
Clique no mapa para ampliar ou aqui para ver no Wikiloc
Pouco depois das cinco da tarde estava em casa, com o dia a declinar. Tinha feito quase 11 km em menos de três horas. Das Fontes Lares à Fonte Moira, nestas três incursões nas "minhas" terras raianas percorri 28 km ... nestes dias pré-halloween. As tradições do halloween originaram-se do antigo festival celta das colheitas, o Samhain, festividade gaélica posteriormente cristianizada pela Igreja primitiva, dando origem à festa do Dia de Todos os Santos.
Mas a minha aldeia adoptiva ainda nos verá por cá mais uma semana. Quem sabe nos primeiros dias de Novembro não me lançarei ainda em mais "aventuras". O futuro é cada vez mais o momento presente...

domingo, 23 de outubro de 2022

Regresso às águas onde navegam moliceiros e mercantéis...

Dois meses depois de termos participado na rentrée dos Caminheiros Gaspar Correia em Aveiro, os meus "Manos" Vítor e Paula desafiaram um grupo de amigos para um evento nas terras aveirenses onde residem, para o qual só o título logo convidava a aceitar: "Vem ... e traz um amigo também!"
Junto à antiga Estação CP de Aveiro, 22.Out.2022, 09h40
O grande rio atmosférico associado à depressão Armand prometia o período de chuva outonal com mais impacto dos últimos anos; e ela veio, assustando até os mais receosos ... mas o programa dos dois dias foi cumprido na íntegra e, ocasionalmente, o Sol até nos beijou. Pouca chuva apanhámos.
E assim, pouco depois das 9h30 de sábado, com a minha pequena arraiana e os restantes que responderam à chamada, concentrámo-nos junto à estação de caminho de ferro de Aveiro, onde os anfitriões lhes deram as boas vindas e onde o Vítor nos/lhes fez uma primeira apresentação.
Um belo arco-íris contra o céu de Aveiro, a prenunciar o belo fim de semana que estávamos a iniciar
O programa para sábado era um percurso urbano através do centro histórico e pela zona lagunar contígua à cidade, ponto de encontro do ideal republicano e democrático. Tal como há dois meses, a visita centrou-se nos muitos elementos ligados à Arte Nova, às Igrejas de planta centralizada, à História, à Literatura e, claro, às figuras ilustres de que Aveiro foi berço, como Fernando Pessa e Zeca Afonso.

Aveiro, os canais, a Ria, as Igrejas ... como esta, de
S. Gonçalinho, onde tivemos direito a Confrade
O nosso guia e mentor deste belo fim de semana ... lê-nos a lenda dos amores do pescador Ramiro
e da esbelta sereia pela qual se apaixonou
Há flamingos, na zona lagunar e de salinas, contígua à cidade
Igreja de Santiago e Parque Infante D. Pedro
Na ria o ar tem nervos. A luz hesita e cisma e esta atmosfera comunica distinção aos homens e às mulheres…
A luz aqui estremece antes de pousar… (…).
Raul Brandão, "Os Pescadores"          
E o "programa" de sábado terminou com um convívio entre todos e as despedidas dos que não ficaram para domingo
Domingo acordámos ... com o "rio atmosférico" a passar por cima de Aveiro! Do céu caíam grandes bátegas de água. A caminho da Murtosa, onde estava programada a actividade, a chuva continuava a parecer que não nos iria dar tréguas ... mas à medida que nos íamos aproximando o panorama melhorou substancialmente ... e chegámos ao Cais da Bica já sem chuva e até com algumas abertas!

Cais do Bico, Murtosa, 23.Out.2022, 09h40 - O dia
começa e o nosso anfitrião lança-nos à descoberta
Junto ao monumento ao barco moliceiro, partimos ao longo da ria, rumo à ribeira de Pardelhas
Murtosa é o coração da Ria e a pátria dos tradicionais moliceiros. O Cais do Bico abre para a zona mais larga da Ria, frente à Boca do Rio Velho e à zona pantanosa das Veias de Testada. Um belo percurso litoral ... que fizemos na companhia de um simpático cachorro que decidiu fazer a caminhada connosco e que baptizámos de ... Bico. Junto ao original Café "Farol", já na ribeira de Pardelhas, inflectimos para o interior, atravessando agora uma zona rural e a sede do Concelho, com a sua Igreja Matriz, antes dos passadiços e do baloiço do Cais da Cambeia, onde regressámos ao litoral.
Escola Primária da aldeia de Ribeiro
Igreja Matriz da Murtosa ... e o simpático "Bico" que nos acompanhou em toda a caminhada
Passadiços de Cambeia e Baloiço do Cais de Cambeia
Próximo do Cais do Chegado, no regresso ao ponto de origem
De regresso ao Cais do Bico, 12h45
Clique no mapa para ampliar ou aqui para ver no Wikiloc
Antes da uma da tarde estávamos de regresso ao ponto de origem, com 11,5 km percorridos ... praticamente sem chuva. A componente pedestre deste fim de semana estava completada ... mas não a componente de amizade e convívio. Um almoço no sem dúvida recomendável "Braseiro do Mar", na Torreira, fechou as actividades para alguns. Mas para os últimos resistentes, o Vítor tinha ainda "na manga", também na Torreira, o Estaleiro e Museu do "Monte Branco", onde fomos recebidos pelo Sr. Vice-Presidente da Câmara Municipal da Murtosa. O Museu dá a conhecer a importância da construção naval tradicional, que alimentava a imensa e diversificada frota de embarcações - moliceiros, mercantéis, chinchorros, caçadeiras, mercantelas - que cruzavam a Ria de Aveiro, transformada, antes do estabelecimento das grandes vias terrestres, na verdadeira autoestrada da região, por onde tudo chegava e partia, do moliço ao peixe, dos materiais de construção ao sal, das pessoas aos animais. E que bela forma de terminar um fim de semana na Ria de Aveiro!
Que dizer mais, portanto, sobre esta actividade com que os nossos anfitriões me/nos brindaram? Quando alguém põe paixão e amizade naquilo que faz e por quem faz ... resulta um dia ou dias de espectacular convivência e aprendizagem! Tivemos tudo, história, poesia, lendas, natureza, urbanismo ... e tivemos até a meteorologia do nosso lado. Obrigado, Vítor e Paula, muito obrigado! Bem hajam 💐