... ou como se pode Sonhar em tempos de angústia |
Da passada sexta feira até hoje ... há muito que tinha Sonhado voltar às "minhas" terras mágicas do Gerês ... numa autonomia vivida a 5 ... para recebermos a Primavera ... para sentirmos e glorificarmos as cores, os sons e os cheiros daqueles prados, vales e rocas. Mas ... um certo vírus declarou guerra à humanidade. A Europa acordou tarde para uma praga que tinha começado lá longe, na China ... mas o Mundo é uma aldeia e o vírus chegou como um spray ... uma negra sombra de pesadelo e de morte. Desde que comecei a escrever estas minhas memórias de ar livre ... desde que há quase meio século comecei as minhas "aventuras" por fragas e pragas ... desde que existo ... nunca imaginei alguma vez viver os tempos que estamos a viver ... a praga que de repente se abateu sobre o Mundo!
Se bem que o que íamos fazer objectivamente não nos pusesse em risco pessoal ... não foi propriamente com uma quarentena na serra que Sonhámos. Sonhámos com estarmos em Paz ... Paz com a Natureza, Paz connosco próprios ... Paz de espírito ... o que não seria possível com a preocupação permanente com quem deixávamos e com o estado geral das coisas.
E cancelámos a "aventura". Podemos adiar os Sonhos ... mas não podemos adiar a Vida.
Contudo, com o país e quase todo o Mundo em estado de emergência, não deixamos de Sonhar. Na véspera da partida ... entrei numa espécie de twilight zone entre o sonho e a realidade ... e comecei a escrever aos meus companheiros de "aventura". São essas crónicas de uma ficção misturada com realidade que trago, hoje, às "páginas" destas minhas memórias...
Sagremos à mesma a Primavera que aí vem ... ao som de Stravinsky ... e Sonhemos com a nossa Felicidade ... lá ... quando pudermos renascer...
Em casa ... deixei o "papelinho" que sempre escrevo à minha estrela ... sempre que a troco pelos grandes espaços que a minha catarse reclama. Deixei a saudade, a preocupação, mas também o Amor na compreensão. Não tardou que subíssemos do vale às alturas destas terras mágicas.
17h50
Amigos ... a esta hora ... sonhem que estamos no Shangri-la, junto à "nossa" cabaninha no vale da Teixeira. Se sonharmos ... até o Sol descobre ... descendo a poente por trás da imagem da Senhora do Cambalhão e da encosta que nos separa do vale do rio Gerês... Sonhem ... porque o Sonho comanda a Vida ... porque no canto de cada Sonho nasce a vontade... Eu ... eu estou a Sonhar ... estou-nos a ver lá ... de braços abertos ... a receber o Sol e a energia cósmica. Estou a ver a cabana que tão bem conheço ... estou-nos a ver mais logo estendidos no prado a contar as estrelas ... antes de recolhermos à cabana ... e de ouvirmos os sons do silêncio ... os murmúrios da noite ... talvez até o uivar de um lobo ou o piar de uma coruja. Sonhem ... deixem-me Sonhar ... e, um dia ... voltaremos!
As iguarias que a Mada trouxe são divinais. Este pequeno almoço está-me a saber a manjar dos deuses ... dos deuses e dos totens de rocha destas terras mágicas onde estamos ... Sim, porque há deuses e totens de pedra nestas terras mágicas. Um dia, eu conto-vos a lenda do deus da encosta da Sabrosa ... ou a lenda do arco do Borrageiro, onde hoje vamos passar, a caminho dos 1400 metros de altitude, no alto do Borrageiro ... onde o mundo é o que nos rodeia ... onde a terra se junta aos céus...
14h35
E … cá estamos nós no prado da Roca Alva. Da cabana da Teixeira à cabana da Rocalva não é muito. Subimos o Cambalhão, subimos à Chã da Fresa, fotografámo-nos no arco do Borrageiro, subimos ao cume, inflectimos a sudeste, subimos a Roca Negra … e … aos pés dela … deitámo-nos ao Sol neste prado celestial. Somos corpos a "secar", a aquecer, a perdermo-nos entre o verde e o branco. Ligeiramente a sul, a Roca de Pias vigia o vale do rio do Conho.
Amanhã ainda não sabemos se desceremos pelo Vidoirinho e Pradolã ou pelo curral da Arrocela e Curiscada. Mas amanhã é amanhã … hoje temos este lugar especial para Viver … aqui onde as estrelas logo estarão perto de nós … onde só ouvimos o silêncio e o cantar da água fria e pura que brota da fonte … da fonte que também o é da felicidade … da magia.
18h35
Apreciemos o paraíso que nos rodeia ... aqui ... no "nosso" prado da Rocalva. Nada mais se ouve ... nada mais se vê ... só o azul do céu ... o Sol que se está a recolher por detrás da Roca Negra ... Vénus que vai aparecer ... a anunciar as estrelas ... Sirius entre elas ... Sirius ... de onde há quem diga que vieram os nossos antepassados remotos ... Sirius ... será que nos recebe de volta?...
22h20
Afinal, mesmo neste paraíso sob as estrelas … pudemos ver e ouvir as palavras e os sons de um cantador que, cantando … nos faz mergulhar no canto dos nossos Sonhos. O Sebastião Antunes cantou a "minha" Fraga, ouviram?! Pelo menos nessa altura eu não vos vi nem ouvi a vocês … eu levitei … pairei acima da cabana … acima até da Roca Alva, que, alva e altiva … é a própria Fraga que ele canta … lá … "de onde se contam velhas lendas … quase negras"...
Mas agora … observemos as estrelas. Lá está Sirius … de onde viemos, no Canis Majoris. Muito antes de nós, já os Dogons veneravam Sirius … eles lá sabiam porquê … ou os seus genes sabiam porquê.
Já pensaram que, neste céu de milhões de estrelas … algumas das que estamos a ver podem já não existir? A luz saiu delas há milhares de anos, milhões em muitos casos. Nós estamos a ver hoje, agora … como elas eram há esses milhares ou milhões de anos atrás. Olhar o céu … é viajar no tempo...
Como não pensar que o Universo é Inteligente? Claro que é! A matéria "solta", desorganizada, tende para o caos, para a entropia. Parece-vos este céu um caos?! Não! Não há melhor exemplo de organização … de beleza … de Inteligência. O Universo gira em harmonia … as estrelas dançam valsas de Strauss … o Danúbio Azul do 2001 Odisseia no Espaço. Já assim falava Zaratustra. Nietzsche sabia que os homens podiam ser deuses … ou não fossem os deuses astronautas...
Bem … amanhã despertaremos com o Sol a começar a aquecer o Iteiro de Ovos, até a luz secar o orvalho no nosso prado. Ainda temos mais um dia completo nestas terras mágicas. Se formos pela Arrocela, provavelmente iremos dormir na Coriscada ou na Malhadoura … nas cumeadas entre os vales do Conho e da Teixeira. Mas se formos pelo Vidoirinho iremos dormir em Pinhô … a melhor cabana das vezeiras. Temos de fazer um brinde amanhã à noite. Ainda temos vinho? Penso que sim … ainda não abri a Quinta dos Termos que guardei para a nossa última refeição na Natureza… E tu, Mada, panaymi … ainda tens aquelas bolachas deliciosas? Se ficarmos em Pinhô … até temos mesa cá fora… Podemos fazer uma fogueira … rodeamos a fogueira … cantamos e saltamos. Nós somos os últimos druidas de um mundo em transformação...
ACALMAI-VOS...não tendes por onde fugir...
OLHAI em torno de vós e vede o que construístes...
O mar se encolhe e a terra arde...e vós estais tristes...
DAI-VOS as mãos e orai quem sabe...
DANCEM sob as estrelas e cantai quem sabe...
PINTEM vossos sonhos sob o olhar da lua e guardai quem sabe...
E aqui estamos nós,
trémulos e pasmados ...
a ouvir-te falar desses palcos encantados...
Vamos lá então sonhar acordados...
Acordados vamos no sonho embalados...
E assim ... estes seres minúsculos que se julgam deuses despertaram para um Sol radioso 🌅☀️
A água gélida da fontinha lavou os corpos e as almas. Comemos o Sol e bebemos a Vida. Estamos a 8,5 km de Fafião; mas nós prometemos a nós mesmos que durante estes 4 dias não iríamos a nenhuma aldeia. Somos só nós e a serra ... o Céu e a Terra.
Recomeçámos. Somos 5 corpos em fila. As mochilas não contam ... fazem parte dos corpos. Já decidimos que vamos para Pinhô. A Roca de Pias vai ficando à nossa direita, qual farol vigiando do alto o vale do Conho. O prado da Rocalva vai ficando para trás. Mas não é um adeus ... é só um até breve.
19h00
E ... cá estamos na cabana de Pinhô! Meu Deus, que saudades eu tinha ... como das Rocas, que já deixámos para trás ... como de todas estas cores, sons e cheiros. O Coucão ficou para trás, à medida que descíamos para o prado do Vidoirinho. Que êxtase! A Primavera desponta colorida e leve, o Sol a aquecer os corpos que, em fila, passámos o estreito que encabeça o vale do rio Laço. Lá em baixo, a Touça corre para a represa do Porto da Lage. E Porta Ruivas, mais longe, a nordeste, ia desaparecendo, à medida que caminhávamos para os Bicos Altos e para Pradolã.
A cabana de Pradolã convidou a uma boa pausa.
Poderíamos ter descido directos para o nosso destino, mas tínhamos tempo, continuámos o trilho como se fossemos para Fafião; só já abaixo dos 900 metros de altitude virámos a poente ... e levei-vos ao curral velho de Pinhô. Que quietude ... que mistério ... que magia! Obrigado Dorita, por um dia me teres dado a conhecer este velho curral, esquecido e perdido num Tempo sem tempo.
Num ápice chegámos à cabana de Pinhô ... hotel 5***** da vezeira de Fafião! As vossas caras quando viram que até tinha cama...!!! Para lá deste pradinho que é só nosso, percebe-se o vale do Cávado, a Cabreira para além dele.
E agora vou deixar a escrita ... vamos celebrar esta aventura ... vamos cantar e dançar ... vamos brindar às estrelas ... e orar. Amanhã ... amanhã será o nosso último despertar dos mágicos ... e o regresso. O regresso à dita civilização...
14h50
Vila do Gerês. Acabámos de chegar. Depois de três noites e quase 4 dias na serra ... achámos as ruas estranhamente vazias. Pela ponte de Servas cruzámos o rio Conho. Como um verdadeiro farol, a Roca de Pias lá continuava vigilante, imponente, na sua austeridade granítica.. Depois ... depois foi subir à Tribela, à Malhadoura, aos Portos ... e pouco depois estávamos no Arado.
Uma espreitadela à Cascata do Arado. Ali já se costumam ver carros e pessoas. Mas hoje é 2ª feira, pensámos ... deve ser por isso que não víamos ninguém. Chelo, Pedra Bela ... e já só faltava descer para a Corga dos Carvalhos e para a vila. O carro lá estava onde o havíamos deixado sexta de manhã, junto com outros ... mas pessoas viam-se poucas. O "Novo Sol", que conheço há 40 anos e onde pensava irmos comer ... estava fechado; o restante comércio ... fechado estava.
Ainda tínhamos, felizmente, umas sobras do muito que acabamos sempre por levar. E comemos ali mesmo. Foi então que nos lembrámos ... que o Mundo se está a desmoronar ... mas foi também então que fizemos renascer em nós a esperança e a fé ... que um dia poderemos cantar de novo ... que um dia poderemos GRITAR ... "o horizonte abríuse en cantígas
por un craro navallazo,
e u ceo foi outra vez
un ceo azul e mais branco"
("O lobo", Fuxan Os Ventos)
Nunca a viagem de regresso às nossas casas foi tão rápida ... foi só puxar o cordão de prata...
Se bem que o que íamos fazer objectivamente não nos pusesse em risco pessoal ... não foi propriamente com uma quarentena na serra que Sonhámos. Sonhámos com estarmos em Paz ... Paz com a Natureza, Paz connosco próprios ... Paz de espírito ... o que não seria possível com a preocupação permanente com quem deixávamos e com o estado geral das coisas.
E cancelámos a "aventura". Podemos adiar os Sonhos ... mas não podemos adiar a Vida.
5ª feira 19 de Março de 2020, 22h00A Primavera começa amanhã ... era bom que fosse a Primavera para um Mundo novo ... renascido ... rejuvenescido. Mas o Mundo ... somos também nós todos! O despertar de sábado seria a nossa primeira aurora dessa Primavera ... lá ... nas terras mágicas ... onde, como não vamos, vai cair a chuva benfazeja ... regando as rocas e as corgas ... lavando os ares e as entranhas...
Sagremos à mesma a Primavera que aí vem ... ao som de Stravinsky ... e Sonhemos com a nossa Felicidade ... lá ... quando pudermos renascer...
6ª feira 20 de Março de 2020, 08h55Como todas as noites que antecedem as "aventuras" ... esta noite custou-me a adormecer. Entretanto ... vi a mochila preparada para partir ... a mochila grande, a das autonomias. Que saudades ela já tinha das rocas e das corgas do Gerês! A viagem foi rápida ... não tardou muito que visse o Shangri-la do vale da Teixeira ... a Virgem do Cambalhão ... dando-nos a bênção para a catarse há tanto sonhada.
Em casa ... deixei o "papelinho" que sempre escrevo à minha estrela ... sempre que a troco pelos grandes espaços que a minha catarse reclama. Deixei a saudade, a preocupação, mas também o Amor na compreensão. Não tardou que subíssemos do vale às alturas destas terras mágicas.
Cabana da Teixeira, 26.Março.2008 |
Entrando en terra de soñosVi a Roca Negra e a Roca Alva à minha frente ... aquele prado mágico ... a alvura do algodão a despontar na Primavera que desponta. No ar, ouvia-se Stravinsky. O Sol começava a elevar-se lá dos lados das Sombrosas, num despertar dos mágicos que nos fez sair da cabana, recebendo o astro rei, a terra mater ... a Vida. Era a Sagração da Primavera! Mas de repente, naquele êxtase que tudo sublimava, os céus fecharam-se ... e eu, assustado, acordei. Tinha sido um sonho ... estava afinal em casa ... os céus até estavam cinzentos de chumbo. Afinal ... "un lobo de ollos de lume" não nos tinha deixado partir para o Sonho há tanto desejado. Mas, ao meu lado, dormindo em paz, tinha a estrela que me acompanha na aventura maior que é a Vida! E então ... adormeci de novo ... e sonhei em acordar ... quando "os rios cantaron a coro un canto nunca cantado".
iban os soños cantando...
Nª Srª do Cambalhão |
17h50
Amigos ... a esta hora ... sonhem que estamos no Shangri-la, junto à "nossa" cabaninha no vale da Teixeira. Se sonharmos ... até o Sol descobre ... descendo a poente por trás da imagem da Senhora do Cambalhão e da encosta que nos separa do vale do rio Gerês... Sonhem ... porque o Sonho comanda a Vida ... porque no canto de cada Sonho nasce a vontade... Eu ... eu estou a Sonhar ... estou-nos a ver lá ... de braços abertos ... a receber o Sol e a energia cósmica. Estou a ver a cabana que tão bem conheço ... estou-nos a ver mais logo estendidos no prado a contar as estrelas ... antes de recolhermos à cabana ... e de ouvirmos os sons do silêncio ... os murmúrios da noite ... talvez até o uivar de um lobo ou o piar de uma coruja. Sonhem ... deixem-me Sonhar ... e, um dia ... voltaremos!
Sábado 21 de Março de 2020, 07h50Bom dia, companheiros de "aventura"! Que tal a primeira noite? Há pouco ouviram-se as cabras selvagens; saí da cabana, vi-as naquela média luz que antecede a aurora. Dormi bem. O saco cama é quente e a cabana estava seca. De vez em quando, de noite, ouvia o estalido das brasas que ainda crepitavam na fogueirita que ontem acendemos. Não se ouviram os lobos. É mais provável logo, na próxima noite, na cabana da Roca Alva. Eles gostam mais de maior altitude.
As iguarias que a Mada trouxe são divinais. Este pequeno almoço está-me a saber a manjar dos deuses ... dos deuses e dos totens de rocha destas terras mágicas onde estamos ... Sim, porque há deuses e totens de pedra nestas terras mágicas. Um dia, eu conto-vos a lenda do deus da encosta da Sabrosa ... ou a lenda do arco do Borrageiro, onde hoje vamos passar, a caminho dos 1400 metros de altitude, no alto do Borrageiro ... onde o mundo é o que nos rodeia ... onde a terra se junta aos céus...
Cabana da Rocalva, 20.Jun.2011 |
E … cá estamos nós no prado da Roca Alva. Da cabana da Teixeira à cabana da Rocalva não é muito. Subimos o Cambalhão, subimos à Chã da Fresa, fotografámo-nos no arco do Borrageiro, subimos ao cume, inflectimos a sudeste, subimos a Roca Negra … e … aos pés dela … deitámo-nos ao Sol neste prado celestial. Somos corpos a "secar", a aquecer, a perdermo-nos entre o verde e o branco. Ligeiramente a sul, a Roca de Pias vigia o vale do rio do Conho.
No prado mágico da Roca Alva, 20.Jun.2011 |
18h35
Apreciemos o paraíso que nos rodeia ... aqui ... no "nosso" prado da Rocalva. Nada mais se ouve ... nada mais se vê ... só o azul do céu ... o Sol que se está a recolher por detrás da Roca Negra ... Vénus que vai aparecer ... a anunciar as estrelas ... Sirius entre elas ... Sirius ... de onde há quem diga que vieram os nossos antepassados remotos ... Sirius ... será que nos recebe de volta?...
22h20
Afinal, mesmo neste paraíso sob as estrelas … pudemos ver e ouvir as palavras e os sons de um cantador que, cantando … nos faz mergulhar no canto dos nossos Sonhos. O Sebastião Antunes cantou a "minha" Fraga, ouviram?! Pelo menos nessa altura eu não vos vi nem ouvi a vocês … eu levitei … pairei acima da cabana … acima até da Roca Alva, que, alva e altiva … é a própria Fraga que ele canta … lá … "de onde se contam velhas lendas … quase negras"...
Mas agora … observemos as estrelas. Lá está Sirius … de onde viemos, no Canis Majoris. Muito antes de nós, já os Dogons veneravam Sirius … eles lá sabiam porquê … ou os seus genes sabiam porquê.
Sirius no céu estrelado do Gerês, 21.Mar.2020 (app Stellarium) |
Bem … amanhã despertaremos com o Sol a começar a aquecer o Iteiro de Ovos, até a luz secar o orvalho no nosso prado. Ainda temos mais um dia completo nestas terras mágicas. Se formos pela Arrocela, provavelmente iremos dormir na Coriscada ou na Malhadoura … nas cumeadas entre os vales do Conho e da Teixeira. Mas se formos pelo Vidoirinho iremos dormir em Pinhô … a melhor cabana das vezeiras. Temos de fazer um brinde amanhã à noite. Ainda temos vinho? Penso que sim … ainda não abri a Quinta dos Termos que guardei para a nossa última refeição na Natureza… E tu, Mada, panaymi … ainda tens aquelas bolachas deliciosas? Se ficarmos em Pinhô … até temos mesa cá fora… Podemos fazer uma fogueira … rodeamos a fogueira … cantamos e saltamos. Nós somos os últimos druidas de um mundo em transformação...
Domingo 22 de Março de 2020, 02h00Oh! CÉUS que olhais do alto estes seres minúsculos que se julgam deuses....
Prado do Vidoirinho, 20.Jun.2011 |
OLHAI em torno de vós e vede o que construístes...
O mar se encolhe e a terra arde...e vós estais tristes...
DAI-VOS as mãos e orai quem sabe...
DANCEM sob as estrelas e cantai quem sabe...
PINTEM vossos sonhos sob o olhar da lua e guardai quem sabe...
E aqui estamos nós,
trémulos e pasmados ...
a ouvir-te falar desses palcos encantados...
Vamos lá então sonhar acordados...
Acordados vamos no sonho embalados...
(Madalena Estácio Marques)
08h00E assim ... estes seres minúsculos que se julgam deuses despertaram para um Sol radioso 🌅☀️
A água gélida da fontinha lavou os corpos e as almas. Comemos o Sol e bebemos a Vida. Estamos a 8,5 km de Fafião; mas nós prometemos a nós mesmos que durante estes 4 dias não iríamos a nenhuma aldeia. Somos só nós e a serra ... o Céu e a Terra.
Recomeçámos. Somos 5 corpos em fila. As mochilas não contam ... fazem parte dos corpos. Já decidimos que vamos para Pinhô. A Roca de Pias vai ficando à nossa direita, qual farol vigiando do alto o vale do Conho. O prado da Rocalva vai ficando para trás. Mas não é um adeus ... é só um até breve.
19h00
E ... cá estamos na cabana de Pinhô! Meu Deus, que saudades eu tinha ... como das Rocas, que já deixámos para trás ... como de todas estas cores, sons e cheiros. O Coucão ficou para trás, à medida que descíamos para o prado do Vidoirinho. Que êxtase! A Primavera desponta colorida e leve, o Sol a aquecer os corpos que, em fila, passámos o estreito que encabeça o vale do rio Laço. Lá em baixo, a Touça corre para a represa do Porto da Lage. E Porta Ruivas, mais longe, a nordeste, ia desaparecendo, à medida que caminhávamos para os Bicos Altos e para Pradolã.
Prado do Vidoirinho, 10.Jul.2012 - Ao fundo, por trás, assomam-se ainda as Rocas Negra (à esquerda) e Alva (à direita) |
Sobre o vale do Rio Laço, 10.Jul.2012 - Sublime! Ao fundo, o vale da Touça |
Cabana de Pradolã, 10.Jul.2012 |
Curral velho de Pinhô, 8.Out.2013 ... onde se reúnem em concílio os deuses de pedra... |
Na Cabana de Pinhô, 10.07.2012 ... um "hotel" 5***** |
E agora vou deixar a escrita ... vamos celebrar esta aventura ... vamos cantar e dançar ... vamos brindar às estrelas ... e orar. Amanhã ... amanhã será o nosso último despertar dos mágicos ... e o regresso. O regresso à dita civilização...
Com o vale do Cávado e a serra da Cabreira ao fundo, esta é a vista da nossa "varanda" em Pinhô, 07.Out.2013 |
2ª feira 23 de Março de 2020, 07h45Bom dia 🙂! Que Sol radioso! Que despertar dos mágicos! Pouco passava das seis da manhã saí da cabana, vocês não deram por isso. Sozinho, ali em frente, por entre a neblina e a ramagem ... eu vi-os ... os duendes do bosque, os arautos de um Mundo Novo! Disseram-me em sussurro que a Terra um dia viverá em harmonia do Homem com a Natureza ... do Homem com o Homem. Entretanto nasceu o Sol, que dissipou a neblina. Vocês acordaram. Ao regressar à cabana senti um aroma de café quente no ar. Milagre! Vocês tinham preparado um pequeno almoço de luxo! Depois, mochilas às costas, botas calçadas ... e partimos a cantar. Vamos descer para a ponte de Servas. Até ao Gerês ... ainda temos uns quilómetros para andar. Esperemos ... que a humanidade ainda exista... 🙏🌷🌳
"Despertar dos Mágicos" na cabana de Pinhô, 09.Out.2013 |
Vila do Gerês. Acabámos de chegar. Depois de três noites e quase 4 dias na serra ... achámos as ruas estranhamente vazias. Pela ponte de Servas cruzámos o rio Conho. Como um verdadeiro farol, a Roca de Pias lá continuava vigilante, imponente, na sua austeridade granítica.. Depois ... depois foi subir à Tribela, à Malhadoura, aos Portos ... e pouco depois estávamos no Arado.
Adeus vale do Conho, Roca Negra, Cutelo de Pias, 09.Out.2013 |
Panorâmica da Pedra Bela, com a barragem da Caniçada aos pés, 09.Out.2013 ... estávamos a regressar à civilização |
por un craro navallazo,
e u ceo foi outra vez
un ceo azul e mais branco"
("O lobo", Fuxan Os Ventos)
Nunca a viagem de regresso às nossas casas foi tão rápida ... foi só puxar o cordão de prata...
Epílogo: o fio d'esperançaO fio d'esperança é o nosso fio, o fio de nós todos, qual cordão de prata que nos une e nos prende à Vida. O vento ... o vento há-de-nos trazer de novo os Sonhos que sonhámos ... e então, nesse amanhã que um dia virá ... os Sonhos não serão mais Sonhos ... serão realidade, palpável, visível, sabororeável ... será realidade Vivida ... até porque "Amanhã já é amanhã"...
(Sebastião Antunes, "Amanhã já é amanhã") |
Quantas vezes dás por ti a sentir medoNo fim desta "aventura" ... nesta twilight zone entre a realidade e o sonho ... resta-me abraçar (virtualmente) os meus companheiros e Amigos que comigo a Viveram. Obrigado Dina, Lucy, Mada e Zé ... obrigado por existirem! Um dia ... qualquer dia ... vamos Viver este Sonho ... numa realidade palpável, visível, sabororeável ... Vivida! Obrigado por estarem aí!
Quantas vezes dás por ti a querer fugir
E os impulsos que guardas em segredo
Mas tu sabes que o melhor é não sair
Não te esqueces que o melhor é não sair
Quantas vezes dás ouvidos à revolta
Porquê hoje, porquê nós, porquê aqui
Mas depois vês a esperança a andar à solta
E a esperança não se vai esquecer de ti
E a esperança não se vai esquecer de ti
Refrão
Aqui ninguém está sozinho nem perdido
E a esperança nunca é vã
O teu sorriso à janela faz sentido
E acredita que amanhã já é amanhã
E acredita que amanhã já é amanhã
Mais um dia que ganhaste ao fim da tarde
Outra noite que ganhaste ao amanhecer
Pede a vida para que a vida se resguarde
Que a esperança tem sementes a nascer
Que a esperança tem sementes a nascer
Tanta coisa que ensinaste e aprendeste
Tanta coisa que tu podes ensinar
Olha bem que a melhor prenda que já deste
É aquilo que consegues partilhar
É aquilo que consegues partilhar
Refrão