segunda-feira, 29 de abril de 2024

Uma aventura no PANTANAL, BONITO e Cataratas do IGUAÇU

(1) Prólogo: a viagem ... para um mundo diferente...

Há mais de 30 anos - nos primeiros anos 90 do século passado - a telenovela Pantanal aterrou nas televisões de meio mundo ... e encantou todos os amantes dos grandes espaços, dos grandes horizontes, da Natureza selvagem. A uma hora tardia - o que dava jeito para deitar os então pequenotes antes da novela - também este rapaz pacato e a sua estrela arraiana se deliciavam com aquelas paisagens deslumbrantes,
com a história da mulher que virava onça, com as histórias do "Velho do Rio", com o erotismo envolvido na trama dos personagens, transformados em heróis e lendas da vida pantaneira, na qual a música também tinha um lugar preponderante. Nomes como Almir Sater, Guilherme Rondon, Sérgio Reis e outros, até aí nossos desconhecidos, passaram a fazer parte de muitos serões de música popular brasileira ... música pantaneira.
Trinta anos depois ... um dia duas amigas da família caminheira Gaspar Correia - uma delas vinda dos velhos tempos em que trabalhei no Arquivo de Identificação - juntaram-se para reviver memórias e alimentar sonhos ... e levaram com elas mais 19 amigo(a)s para Viver uma "aventura" ... no Pantanal.
28.04.2024: Sobre o Rio Paraná, 13h10
... e desembarcamos em Campo Grande, 13h50
E assim, ao início da tarde de sábado 27 de abril, estávamos a voar para terras brasileiras. Quase dez horas de voo puseram-nos em Campinas, S. Paulo, e 24 horas depois de sairmos de Lisboa estávamos em Campo Grande, capital do Mato Grosso do Sul, onde se localizam 65% do território do Pantanal, uma das maiores extensões húmidas do planeta, na bacia hidrográfica do alto Paraguai.
Campo Grande, Parque das Nações Indígenas, 16h50
... onde as capivaras se passeiam livremente
Em Campo Grande ... começava a aventura! Distibuídos por 7 veículos 4x4, com as bagagens envolvidas em lonas para as proteger da poeirada ... partimos para Aquidauana ... onde acaba a estrada alcatroada. Depois ... depois são (foram) 110 km de "estrada" sem estrada, onde por vezes os próprios motoristas têm dúvidas sobre o caminho a seguir nas múltiplas bifurcações, que resultam das múltiplas opções rodadas ao sabor do nível das águas, da lama, da poeira ... ou do mato.

Fazenda Retirinho, 29.04.2024, 10h40 ... paragem para descanso de máquinas e gentes ...
... antes de levarmos duas horas e meia para percorrer 40 km... 😂
O nosso destino era a Fazenda Barra Mansa, nas margens do Rio Negro, afluente do Rio Paraguai. Todos estes nomes nos remetiam para as memórias da novela Pantanal, filmada precisamente naquelas paragens. E começávamos mesmo a sentirmo-nos pantaneiros: tal como na música de Almir Sater ... "nossa viagem não é ligeira ... a nossa estrada é boiadeira" ... e o "tá de passagem, abre a porteira" seria mais que ilustrado pelas mais de 40 porteiras que é preciso abrir e fechar naquele troço entre a Fazenda Retirinho e a Barra Mansa. A estrada, se assim se lhe pode chamar, atravessa sucessivas fazendas, delimitadas por vedações e porteiras; numa comitiva como a nossa, em cada porteira o motorista do primeiro carro abre e fica à espera que passem todos para a fechar; 7 carros e 7 porteiras depois voltará a ser o primeiro. Em várias ... fomos nós próprios o garoto da porteira 😁

Quase que acompanhando as boiadas, na tarde do dia 29
de abril chegávamos ao Rio Negro e à Barra Mansa
O programa da nossa aventura tinha sido desenhado pela Irene e Alice, há mais de um ano em permanente contacto com a operadora Bravo Brazil e o incansável Daniel Rondon, que nos acompanhava desde Campo Grande. E antes das duas da tarde estávamos a ser recebidos pelo Renato, a Vitória e todo o pessoal da Fazenda Barra Mansa ... onde nos esperava o primeiro e belo almoço pantaneiro e onde iríamos passar os 4 dias seguintes!
Recepção na Fazenda Barra Mansa, 29.04.2024, 13h30 (menos 5 horas do que em Lisboa)
Por incrível que nos parecesse ... estávamos longe de tudo. Estávamos na imensidão do Pantanal profundo. À noite, as estrelas brilhavam mais, num céu diferente do nosso; bem visível, lá estava a constelação do Cruzeiro do Sul, com a Alfa de Centauro próxima. Mais a poente, Sirius brilhava firmemente, talvez lembrando-nos que, segundo os Dogon do Mali ... foi de lá que viemos...

Ainda na tarde em que chegámos ... começávamos a sentir que esta aventura era diferente de tudo o que já tínhamos vivido...
Tínhamos realmente aberto a porteira para um mundo diferente do que quase todos conhecíamos. Aliando as características da imensidão da Natureza à hospitalidade, à Amizade e à Vida das pessoas que ali vivem e labutam ... a proverbial alegria dos 21 "pantaneiros" e "pantaneiras" idos de Portugal criou uma autêntica festa da Vida. Não fazíamos parte da "Comitiva Esperança", mas mais uma vez, tal como na música do Almir...
Nascer do Sol na Barra Mansa, 30.04.2024, 06h10

     Se a gente é boa, hospitaleira

A festa da Vida prosseguiu nos dias seguintes ... tanto mais que havia também uma lua de mel a celebrar no grupo! Até nos voos já se tinha ouvido várias vezes ... " Viva os noivos ! " 😂
Leiam as próximas "crónicas"...
(Escrito depois do regresso a Portugal, em 12 e 13.05.2024)                                  (Continua)

quinta-feira, 25 de abril de 2024

No Cinquentenário do 25 de Abril ... a caminhada para a Liberdade

Santarém - Lisboa non stop, à memória do capitão Salgueiro Maia

Ao princípio da madrugada de 25 de Abril de 1974, na parada da Escola Prática de Cavalaria de Santarém, o capitão Salgueiro Maia proclamou aos seus homens:
Salgueiro Maia, 25 de Abril de 1974

Meus senhores, como todos sabem há diversas modalidades de Estado: os Estados sociais, os Estados corporativos ... e o estado a que chegámos.
Ora, nesta noite solene, vamos acabar com o estado a que chegámos!
De maneira que, quem quiser vir comigo, vamos para Lisboa e acabamos com isto.
Quem for voluntário, sai e forma!
Quem não quiser sair, fica aqui.

E assim vieram para Lisboa gritar LIBERDADE! Com cravos vermelhos no cano das espingardas!
Por essa mesma altura ... três Zés viviam a sua juventude do modo que o destino, ou os desígnios universais, lhes tinham ditado. O Zé Messias, puto com 10 anos, crescia ali por entre a Graça e Santa Apolónia; daquela manhã, na casa dos avós ... lembra-se que a carrinha não passou para o levar à escola ... e recorda a janela e o rádio onde ouviu a leitura de comunicados que mal entendia ... e um rapaz de cabelo muito comprido, que tinha um quarto alugado no mesmo prédio e que chegou a casa descalço e rouco. Imagens, só as veria dias mais tarde, porque em casa dele, como em tantas outras nesses tempos,
a televisão ainda era uma miragem.
O Zé Rey ... ainda não era Rey ... mas essas são contas de um outro rosário; exactamente 10 anos mais velho que o Zé Messias ... o Zé "da Mouta" já andava por Paris, "agitando" os espíritos, fabricando e distribuindo um jornal de "desobediência". E o Zé Callixto (o "rapaz pacato" da introdução a estas "memórias"), também 10 anos mais velho que o Zé Messias ... tinha acabado de viver os "anos loucos" da sua adolescência. Mas o sonho e a paixão - e a Faculdade de Ciências de Lisboa - já lhe tinham trazido uma companheira para toda a Vida ... uma estrela arraiana; naquele dia 25 de abril de 1974 já estávamos casados; não chumbar garantira-me não ir parar à guerra colonial.
Então e o que liga os três Zés ao 25 de abril e a este blog de memórias que, apesar de serem memórias de uma Vida, são essencialmente ligadas aos instantâneos de ar livre, ao pedestrianismo, às "aventuras" por fragas e pragas...? O que nos ligou foi a ideia do Zé Messias de comemorar os 50 anos do 25 de abril de 74 ... percorrendo a pé o percurso do capitão Salgueiro Maia, de Santarém a Lisboa. A coluna da Escola Prática de Cavalaria saiu de Santarém pela calada da noite; nós, para vir a pé ... teríamos de sair 24 horas antes da manhã do DIA DA LIBERDADE. E o projecto ganhou uma sigla numérica com sabor a épica: era o nosso projecto 50 / 60 / 70 / 80. Sim, simples ... 50 anos (do 25 de abril) / 60 anos (do Zé Messias) / 70 anos (meus e do Zé Rey) / 80 km (a distância a percorrer, mais coisa, menos coisa). Uma insanidade? Não! É que ... "às vezes é preciso desobedecer"... 💓
E assim, pouco depois das nove da manhã de 24 de abril de 2024, os três Zés faziam a partida simbólica da antiga Escola Prática de Cavalaria de Santarém. Logo ali se começou a escrever a história deste nosso tributo ao capitão de abril: por mera coincidência, fomos entrevistados primeiro para a CNN e, já no Parque da Liberdade, para a RTP, neste caso em directo. O que nos movia para semelhante "aventura" foi, naturalmente, o tema central das entrevistas.

Santarém, Escola Prática de Cavalaria, 24.04.2024, 09h25
- Com cravos nas mochilas, três Zés partem "sobre" Lisboa
As televisões estavam já nos preparativos para as comemorações ... e a história do nosso tributo começava ali...
Já à saída da cidade, um primeiro ponto de passagem obrigatório era o monumento em homenagem ao capitão Salgueiro Maia, juntamente com a réplica da Chaimite que comandou a coluna militar em direcção a Lisboa. Já passava das dez da manhã quando começámos a verdadeira "marcha" ... mas tínhamos 24 horas pela frente para chegar ao Terreiro do Paço...

Monumento a Salgueiro Maia, à saída para a Estrada Nacional 3, que havia de o e nos levar a Lisboa
Quinta da Amendoeira, à entrada do Vale de Santarém, 11h10
Ao longo da EN 3
... a "Estrada da Liberdade"
15h35 ... e estávamos a 2 km da Azambuja e a 44 km de Lisboa...
Idealizar um percurso desta natureza (mais de 80 km) e com estes objectivos ... tem de obedecer a alguns critérios. Por um lado, como amantes da Natureza e dos espaços naturais, preferimos sempre os trilhos, os espaços verdes; por outro lado, neste caso deveríamos seguir o mais possível o percurso da coluna de Salgueiro Maia. Optámos por uma mescla das duas "imposições", tendo também em conta evitar zonas perigosas em termos de trânsito automóvel, particularmente quando chegasse a noite.
E assim, com 28 km nos pés, pouco depois das quatro estávamos a atravessar a Azambuja.

Azambuja, 16h05 ... e quase duas horas depois em Vila Nova da Rainha
As paragens, nesta "maratona" pela Liberdade, não podiam ser nem foram muitas. Hidratar e meter "combustível", descansar um pouco quando possível e necessário ... até porque os "pneus" dos "chaimites" (leia-se ... os nossos pés) começavam, como é natural, a denotar o esforço acumulado. Dois dos três Zés nunca tinham percorrido mais de 50 km non stop. Desde a Azambuja que tínhamos deixado a EN 3, para passarmos a acompanhar os trilhos junto à linha do comboio ... pelo Caminho de Fátima e Santiago ... e com uma pausa maior no "Cantinho da Vila" de Vila Nova da Rainha.

No Caminho de Fátima / Santiago ... e são já 21h25 quando chegamos a Vila Franca de Xira
O Sol pôs-se ao atravessarmos a lezíria ... e às nove e meia estávamos em Vila Franca, com 47 km nos pés. Já "só" faltavam cerca de 38, mais coisa menos coisa. Das poucas opções, ou única, optámos por jantar num bar junto à Estação da CP; uma sopa razoável, uns pregos rijos para dois Zés ... e uma pizza que até soube bem a este Zé mas a qual ficou a "trabalhar" cá dentro até alta madrugada.
Três peregrinos pela Liberdade, no painel alusivo ao Caminho de Santiago,
Alhandra, 23h20

Às 22h55 ouvimos a 1ª senha do Movimento das
Forças Armadas ... "E depois do adeus"...
Alverca, 25.04.2024, 01h05
Entre Alhandra e Alverca ... entrámos no dia 25 de Abril! A 2ª senha do MFA, a histórica "Grândola Vila Morena", teve um episódio digno de registo. Por lapso, fiz o Zeca Afonso cantar a Grândola antes da hora, e, vá-se lá saber como ou porquê ... o telemóvel calou-se 5 ou 6 segundos depois. Talvez Salgueiro Maia lhe tenha dito, lá do "alto", que ainda não eram horas. Quando depois, às 00h21, o voltei a "chamar" ... não houve interrupção. Estava dada a senha definitiva que confirmou o início simultâneo das operações em todo o País e o avanço das forças sublevadas sobre os seus objectivos.

A longa noite avançava ... e nós com ela. Foz do Trancão, 04h25 ...
... e na zona de Braço de Prata o dia começa a despontar, são 06h50
O nosso avanço era cada vez mais lento; o peso das "armas" era grande. Mas se tivéssemos andado mais rápidos ... não teríamos assistido ao avanço da coluna militar ao longo da Avenida Infante D. Henrique, na zona de Xabregas. Lá iam as tropas, com força e convicção, rumo ao Terreiro do Paço!

A Marcha "sobre" Lisboa avançava convicta ... e 23 horas
depois da partida estávamos no Terreiro do Paço
Exactamente 23 horas depois de partirmos de Santarém ... com 83 km nos pés doridos e sofridos ... chegávamos ao Terreiro do Paço! E chegávamos ao Terreiro do Paço ... à hora a que começavam as comemorações, com o hino nacional cantado a plenos pulmões. Para nós três - especialmente para o Zé Messias - tivemos também a surpresa de termos a Dina a receber-nos e, ainda para mais, com um belo "miminho" de recepção! Obrigado Dina ... obrigado Amigos!

Terreiro do Paço, 08h50 ... 50 anos depois do 25 de Abril ... 23 horas e 83 km depois de Santarém
Ao largo, no Tejo, lá estavam as fragatas que também fizeram história há meio século. E nós ... do Terreiro do Paço ainda tivemos pernas e vontade para subir ao Largo do Carmo e "ver" prender Marcelo Caetano e seus companheiros de regime. Afinal, foi no Carmo que se concretizou a conquista final da LIBERDADE! Não podíamos deixar de lá ir ... fechando a "aventura" com 85 km nos pés!

Largo do Carmo, 09h10 ... no fim do nosso tributo a Salgueiro Maia
... e com a Dina acompanhar-nos desde o Terreiro do Paço
E de novo com os mesmos repórteres da CNN
com que havíamos estado em Santarém
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Foi com sentida e natural emoção que o único dos três Zés que, ainda adolescente, partiu para terras de França, foi entrevistado de novo no final, pelo mesmo repórter da CNN que nos havia entrevistado em Santarém. A vida do Zé "da Mouta" dava um livro ... que aliás ele tem escrito e devia publicar. São testemunhos como o dele que mais choram e gritam LIBERDADE! São testemunhos como o dele que mais dão valor às conquistas de Abril e às portas que Abril abriu!
E foi também com sentida e natural emoção ... que nos despedimos. A nossa gesta evocou, à nossa maneira, a memória do grande capitão Salgueiro Maia ... "a memória sem fim".


Viva a  LIBERDADE!  25 de Abril SEMPRE !