Quando da expulsão dos judeus de Espanha, pelos reis católicos, muitos vieram para Portugal, no reinado de D. João II, que os acolheu e protegeu.
Um deles foi Zacuto, judeu muito rico, que escolheu
Castelo Rodrigo para viver. Viúvo e de poucas falas, era no entanto exímio nos negócios.
Pouco tempo depois de ter chegado àquelas paragens, já era dono de muitas terras, comprara rebanhos e mandara construir uma casa magnífica ... mas todos os olhares se voltavam para
Ofa, a sua lindíssima filha. No dia em que pela primeira vez saiu à rua foi um alvoroço; uns cumprimentavam-na, outros saudavam-na das janelas e as crianças ofereciam-lhe flores e pequenos presentes. O pior estava, no entanto, para vir, porque os rapazes da aldeia tentavam por todos os meios conseguir a atenção da linda rapariga. No entanto e porque pertenciam a religiões diferentes, os pais não viam com bons olhos aquelas tentativas de aproximação.
A fama da linda judia chegou longe e chegou aos ouvidos do fidalgo das Cinco Vilas, um rapaz da região, conhecido pela sua ousadia e pela imensa fortuna de seus pais.
“
Hei-de jantar com ela ainda antes do Inverno!”- apostou com os amigos!
E lá foi arquitectando o seu plano, até que se aproximou do judeu e lhe propôs um negócio, que muito agradou a Zacuto. Mas não satisfeito com isso, decidiu ir mais longe e contratou uns homens que fariam um assalto ao judeu e do qual o fidalgo o salvaria. Tudo acertado com os homens, passou à acção. O plano resultou em cheio e Zacuto, muito agradecido, convida o fidalgo para sua casa. Aposta ganha!...
O que o fidalgo não esperava era que se apaixonaria à primeira vista por Ofa, e ela por ele. E passaram a encontrar-se às escondidas, pois as famílias nunca aceitariam aquele casamento. Quando no povo viam o fidalgo sair sem dizer para onde ia, murmuravam entre si: “
Lá vai ele amar Ofa”.
O romance acabou por ter um final feliz: os judeus que viviam em Portugal foram obrigados a aceitar o Cristianismo - os "Cristãos novos" - e assim desapareceu o obstáculo da religião. O casamento realizou-se no
Mosteiro de Santa Maria de Aguiar e os festejos duraram 3 dias e 3 noites. Nos brindes aos noivos, o povo ia gritando ... “
Marofa, Marofa” ... e assim surgiu o nome da Serra de Castelo Rodrigo.
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O Cristo Rei da Serra da Marofa, erigido no seu cume (977m alt.), em Julho de 1956 |
Mas porquê a lenda de
Amar Ofa, nestas minhas "fragas e pragas"? Bem, o final da estadia em
Vale de Espinho a que se refere o
artigo anterior coincidia com uma actividade caminheira na
Serra da Marofa ... onde nunca tinha caminhado. Organizada pelo grupo de "Montanhistas Livres" com quem ainda em Março vivi o meu carregar de baterias no "
Gerês com Alma", incluindo dois dos meus "irmãos" do "
Caminho da Aventura" ... não podia desperdiçar esta oportunidade de calcorrear a Marofa.
E assim, na sexta feira ao fim do dia, reunimo-nos os 11 participantes no
Hostel Cidadelhe Rupestre, a nossa base de pernoita. Sem dúvida um belo investimento no turismo e no desenvolvimento da região.
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29.05.2015, 20:20h - A pequena aldeia de Cidadelhe |
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seria a base para um fim de semana fabuloso! |
Sábado esperava-nos uma caminhada circular longa: 29 km, a partir da aldeia de
Penha de Águia, pelo cume da
Marofa,
Convento de Aguiar,
Castelo Rodrigo e regresso a Penha de Águia. E que bela caminhada vivemos. Apesar da
Marofa não ser uma serra muito alta, o seu cume divisa-se a grande distância e, de lá, a vista alcanca terras distantes. Ao fundo, para sudeste ... lá estava o "meu"
Xalmas.
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Deixamos a aldeia de Penha de Águia ... |
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... subimos a Marofa ... |
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... e chegamos ao cume, junto à Capela de Nª Srª de Fátima da Marofa |
Junto à Capela sobranceira ao
Cristo Rei encontra-se uma placa de homenagem ao Padre José Canário Martins, grande divulgador e apaxonado pela
Marofa. A ele se ficou a dever a mais alta e mais antiga estátua do Cristo Rei em território nacional, erigida em 1956.
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O Cristo Rei da Marofa abençoa as terras de Figueira de Castelo Rodrigo, com a histórica aldeia ao fundo |
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Foto de grupo, |
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aos pés do Cristo Rei |
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Ao longe percebe-se o vale do Douro e o Penedo Durão
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Da
Marofa descemos a
Via Sacra, passando pela gruta evocativa à aparição de
Nossa Senhora de Lourdes, França. Foi aberta na rocha onde está assente a Capela de Nossa Senhora de Fátima, a 13 de Agosto de 1958 e nela se encontra a imagem de Santa Bernardette.
A descida ... fizemo-la praticamente em linha recta. O objectivo era agora o
Mosteiro de Santa Maria de Aguiar, passando aos pés, a sul, da aldeia histórica de
Castelo Rodrigo. Almoçámos precisamente nesse troço, junto a um pequeno tanque de água onde se refrescava tranquilamente uma simpática cobra de água ... que ganhou, no grupo, diversos simpatizantes e algumas medrosas fugitivas ...
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Descida da Marofa ... em linha recta |
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"Olá!" ... dizia uma simpática cobra de água... |
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Aos pés da aldeia histórica de Castelo Rodrigo |
O
Mosteiro de Santa Maria de Aguiar foi edificado no Século XII, quando uma primitiva comunidade de beneditinos ou de eremitas integrou a Ordem de Cister, na década de 1170. Não assistimos ao casamento da lendária
Ofa com o fidalgo das Cinco Vilas ... mas consumava-se no Mosteiro, à nossa chegada, um casamento cheio de pompa e circunstância...
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Mosteiro de |
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Santa Maria de Aguiar |
O calor apertava ... pelo que uma pausa no jardim do Mosteiro soube muito bem. Os trajes caminheiros contrastavam com os do casamento, pelo que seguimos para a velha aldeia amuralhada de Castelo Rodrigo ... onde se seguiu nova pausa no bar das muralhas...
J
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Castelo Rodrigo ... sempre bela e atraente |
O regresso a
Penha de Águia foi um pouco mais a norte do percurso seguido de manhã, incluindo um pequeno troço a corta mato. Cinco minutos antes das seis da tarde tínhamos 29 km percorridos.
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De regresso de Castelo Rodrigo a Penha de Águia |
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Esta foi a maior caminhada depois do problema podológico que me levou à interrupção do meu último
Caminho de Santiago. Este "teste" em terras de "Amar Ofa" permitiu-me contudo, felizmente ... confirmar que os pés estão já e finalmente a funcionar a 100%
O jantar foi em
Figueira de Castelo Rodrigo ... e qual não é o nosso espanto quando nos encontramos, de novo ... no meio da azáfama do casamento que havíamos testemunhado em Santa Maria de Aguiar; ainda comemos ... pão de ló da boda...
J
Pelo "lombo do burro" ... rumo ao Côa
Domingo a caminhada era mais curta, a partir de
Cidadelhe, mas nem por isso menos dura ... pelo contrário. O objectivo era seguir o "
lombo do burro", a linha de cumeada que leva de Cidadelhe à foz da
Ribeira de Massueime no "meu" grande "Rio Sagrado" ... o
Côa. Côa que aliás separa as terras de
Pinhel das terras de
Figueira de Castelo Rodrigo, ligadas pela chamada "
Ponte da União", no fundo das profundas arribas que marcam o traçado do rio nestas paragens abruptas e selvagens, onde pairam os grifos. Por aqui passa, aliás, a novel
Grande Rota do Vale do Côa.
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31.05.2015, 8:25h - Saímos a pé de Cidadelhe, rumo ... ao Lombo do Burro |
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Quinta do Espinhaço |
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Ao longo do "lombo do burro" ...
... já se vê o Côa!
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Vale da Ribeira de Massueime |
A
Quinta do Espinhaço encontra-se a 477 metros de altitude. Depois ... há que descer para os 150 metros junto ao Côa; 320 metros de desnível ... através de "
fragas e pragas" pedregosas e de muito mato. Um carreirito de pé posto evidencia que ali passa gente ... muito de longe em longe. E lá fomos descendo ... sabendo sempre que teríamos de voltar a subir pelo mesmo trilho agreste e sinuoso; para a esquerda (ribeira) ou para a direita (Côa) ... as curvas de nível eram bem mais apertadas ainda.
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No "lombo do burro" |
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E chegamos às águas da Ribeira de |
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Massueime, junto à sua foz no Rio Côa |
Alguns afoitos ainda tomaram banho nas águas da ribeira ... alegadamente tépidas. Mas tínhamos de voltar para cima, tínhamos um almoço à nossa espera ... e o final deste belo fim de semana por terras da Marofa.
E a subida ... teve a sua estória...; sem que me tenha apercebido logo ... os meus inseparáveis óculos sumiram-se no meio da densa vegetação! Por momentos fechei e abri os olhos; "
estarei a ver mal?", pensei, ao achar desfocado o ambiente que me rodeava. Ao levar a mão à cara ... verifiquei que os preciosos complementos dos meus olhos não estavam lá. Ia sozinho, na altura, já que tinha ficado a tirar (mais) umas fotos; tateei o chão, voltei atrás (provavelmente até lhes passei por cima) ... mas nada. Os óculos são (eram...) demasiado finos e leves para os ver fosse onde fosse, sem eles. E assim ... o regresso foi no meio de uma paisagem desfocada. Se durante a semana que passou fiz voluntariamente o "
funeral" a umas botas ... no "lombo do burro" fiz inadvertidamente o "funeral" aos meus preciosos óculos...
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"Adeus óculos ... eternamente deixados nestas paragens abruptas do lombo do burro,
no mato entre as águas de Massueime e do Côa..." |
E o "lombo do burro" trouxe-nos de novo de regresso a
Cidadelhe. O merecido almoço foi-nos servido pela "
Cidadelhe Rupestre", a novel empresa de turismo rural que igualmente nos alojou. Um jovem e muito simpático casal a gerir, diversas casas recuperadas e outras a recuperar, serviços de transporte e de guia para quem os solicitar ... uma transformação de um destino que seria a desertificação num pólo dinamizador e de atracção. Sem dúvida um bom exemplo, que deveria ser seguido em tantos outros locais.
E assim se passou, sem dúvida, mais um excelente fim de semana de "aventuras", em excelente companhia. Duas caminhadas durinhas ... nas terras de "amar Ofa". O "desastre" dos óculos não denegriu em nada os momentos vividos; são as "
malhas que o império tece" ... as
pragas que condimentam as
fragas...
O meu muito obrigado aos meus dez parceiros destes dois dias e duas noites, em especial aos que organizaram e puseram de pé a logística para que os possamos ter vivido!