Há uma semana ligámos
Adão Lobo à Consolação, desfolhando folhas da infância e adolescência da Madalena, das memórias do Padre Tomás Gabriel Ribeiro ... seu avô materno. Durante a caminhada, logo se nos acendeu o néon de fazer uma segunda "etapa" ... da
Consolação à "minha"
Santa Cruz.
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Maria Luísa Ribeiro Estácio
Marques, cerca de 1973, 50
anos |
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Maria Luísa Leitão
Callixto, 1951, 28 anos
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É que, muito para além de os nossos pais - ambos vivos e com 95 anos - terem
sido colegas de Liceu, as nossas mães … ambas se chamavam Maria Luísa … ambas
nasceram num dia 6 … ambas escreviam poesia … ambas partiram para a eternidade
no mesmo ano! A mãe da Madalena casou na Igreja do Cadaval, com o copo d'água
em Adão Lobo. A minha mãe não casou em
Santa Cruz, mas ficou ligada a
Santa Cruz pelo casamento com o meu pai. Adorava Santa Cruz ... e a Santa Cruz
ficou
ligada para a eternidade. O Universo tem destas coisas! E a "equipa" foi a mesma de há uma semana: a
filha e o filho das duas Marias Luísas e a nossa grande amiga Lucy, a quem só
falta andar
in the sky ... porque
with diamonds ... é ela
própria um diamante 😊. E assim, antes das seis e meia da manhã, estávamos a
deixar um carro em Santa Cruz, para pouco depois das sete começarmos a
caminhar na
Consolação
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Praia da Consolação, 27.Maio.2020, 6h55: há exactamente uma
semana tínhamos terminado aqui |
Todas as minhas memórias estão concentradas naquela praia ... naquelas
rochas ... sonhos que pairam como abraços em redor de todos os passos da
minha infância até mulher ... até estes dias de caminheira ... outros
passos de outros laços ... pérolas de outras conchas ... outros
compassos...
(Madalena Estácio Marques)
Entre a
Consolação e
S. Bernardino, dado que a semana passada
fomos junto ao mar, agora fomos pelo interior, pela frente da
Casa do Gato Cinzento, regressando aos trilhos das falésias a sul da Praia de S. Bernardino. A
previsão era de um dia de calor intenso ... principalmente no litoral; por
isso começámos bem cedo, mas já se notava o ar quente. Mas confiámos, como
sempre ... no S. Pedro.
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A Casa do Gato Cinzento e as arribas da Ponta dos Pedrogãos, a
sul já de S. Bernardino |
Além do calor, também sabíamos que esta caminhada teria mais desnível do que a
da semana anterior; diversas linhas de água abriram sulcos nas arribas,
obrigando a um frequente desce e sobe.
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Nas arribas da Ribeira da Canavieira, entre S. Bernardino e Paimogo
Todo o rio quando nasce
Vai para o mar a correr
Pode haver serras no meio
Que mesmo assim lá vai ter... (Maria Luisa Estácio Marques)
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Praia da Ribeira da Canavieira |
Antes das 9 da manhã estávamos no
Forte de Paimogo, ou de Nossa Senhora dos Anjos de Paimogo, que integrava a segunda linha de defesa da barra do Tejo, que se estendia de Peniche a Cascais. Foi o nosso primeiro momento de descanso, com 7 km percorridos.
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Forte e Praia de Paimogo. A Madalena abraça o seu mar sem fim... |
A meta seguinte era a
Praia da Areia Branca. Mais linhas de água, mais desce e sobe ... mais calor. Do cimo das arribas, contudo, a
Serra de Montejunto desenhava-se a leste, recortada no céu azul; a serra da Madalena parecia querer dar-lhe as forças que o calor parecia querer tirar-lhe...
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Ao fundo a serra de Montejunto, recortada no céu azul, que emanava um calor tórrido |
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Arribas litorais junto à ponta de Vale de Frades (as duas fotos acima) ... e quase a chegar à Praia da Areia Branca |
A praia da Consolação era e é muito ventosa ... e sempre foi de pessoas sem pretensões. E a praia da Areia Branca era precisamente o contrário ... gente pedante, que se vestia três vezes ao dia ... mudava-se...! Nós andávamos despidos todo o santo dia...! Sempre houve essa rivalidade ... ventosa saloia ... snob pequena/escura... (Madalena Estácio Marques)
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Praia da Areia Branca ... uma agradável surpresa de limpeza e ordenamento. Muito bonita. |
Cruzado o Rio Grande, seguiram-se cerca de 2,5 km pela Praia de Peralta, continuação para sul da Areia Branca, após o que voltaríamos às arribas, rumo à Atalaia e ao Porto das Barcas.
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Ao longo das praias da Areia Branca e Peralta, passando pela ponta do Mexilhoal. A Madalena já sonhava com um banho! |
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Voltámos às arribas. São onze da manhã ... ao fundo já se percebe a costa de Santa Cruz |
Chegámos ao
Porto das Barcas sobre a velha Estalagem São José. É triste o estado de degradação a que aquela unidade chegou, bem como aliás o próprio acesso pedestre; uns minutos de descanso ... e tivemos de andar à procura de uma passagem que já existiu ... em arribas instáveis. Tivemos de voltar a subir à estrada que vem da Atalaia, descendo então depois à praia e ao velho porto de pesca.
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Ruínas da antiga Estalagem São José, no Porto das Barcas |
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Um breve descanso no miradouro sobre a Estalagem ... cujo acesso
pedestre está abandonado e interditado, em arribas instáveis |
No verão do ano passado, o proprietário da Estalagem entendeu pôr um original "desabafo" nas ruínas da velha unidade. Quem não se sente ... não é filho de boa gente.
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Esculturas em pedra da autoria de um artista local, o |
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ZenArtes, junto à entrada da praia de Porto das Barcas |
Na praia do
Porto das Barcas tínhamos duas alternativas possíveis: pelas arribas ... ou pelas praias. Ponderados os desníveis acumulados e o calor - junto à água sempre corre mais uma pequena brisa - optámos pela areia, sabendo embora que tínhamos de passar a zona de rochas a seguir a
Porto Dinheiro antes da maré subir demasiado. Passavam 3 minutos do meio dia ... pés à areia!
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Praias da Laje Fria e de Porto Dinheiro, desde o Porto das Barcas |
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Porto Dinheiro ... a tão desejada cervejinha não apareceu... |
Quantas vezes, a partir de Santa Cruz, cheguei a
Porto Dinheiro de bicicleta ou de motorizada, quando calcorreava esta costa. A velha Derbi, alugada ao velho e histórico Sr. Filipe, como contei também no artigo anterior. Ainda dei nela alguns trambolhões aparatosos ... mas já nessa altura me acompanhava a imagem da Senhora de Fátima que a Maria Luísa, minha mãe, me havia dado para me proteger nas minhas "aventuras" ... e que ainda hoje me acompanha.
Em Porto Dinheiro começava a travessia de sensivelmente 800 metros de rochas, que separam aquela praia das praias de
Valmitão e das
Conchas. Era preciso fugir à subida da maré ... às rochas onde os limos verdes escorregavam; era preciso dançar de pedra em pedra ... ao ritmo do calor. Eu havia prometido às minhas duas acompanhantes uma paragem para banho e almoço naquelas praias desertas ... mas depois de passar as rochas...
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A "tenebrosa" travessia de Porto Dinheiro para a longa praia de Valmitão: 800 metros ... em 40 minutos... |
Passavam poucos minutos da uma da tarde quando "desembarcámos" da travessia. E como o prometido é devido ... parámos finalmente. A Madalena foi ao banho, eu ... o muito calor levou-me a pouco mais do que "chapinhar" nas águas tipicamente gélidas da costa oeste. A Lucília ... ficou a guardar os pertences dos três ... apesar de não haver ninguém na praia. A Madalena "protestava" que a água era baixa, não dava para nadar ... mas mais tarde viria a dizer que se não fosse aquele banho não teria conseguido completar a caminhada... 😊. Por ali estivemos quase 45 minutos.
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Praia de Valmitão ... após refrescados e descansados
da "aventura" nas rochas... |
Enche o mar, vaza a maré
Fica a praia descoberta...
Vai-se um dia, outro vem
Nunca vi coisa mais certa
("O maruginho", Maria Luísa Estácio Marques)
A
Praia das Conchas ... poucas conchas tem agora, comparando com o que lhe deu o nome. A minha mãe, creio que nunca lá chegou a ir. Dizia-me ela muitas vezes, referindo-se às minhas "aventuras" ... "
tu fazes o que eu gostava de fazer e nunca fiz...". Há 40, 50 e mais anos ... quantas vezes ali fui a pé, a partir de Santa Cruz, passando as rochas sob o Hotel Golf Mar, em
Porto Novo, inclusive já com a estrela que, há quase 47 anos, me passou a acompanhar na aventura da Vida.
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Ao fundo da Praia das Conchas ... nova "etapa" em rochas, sob o Hotel Gof Mar, à esquerda, à vista já de Porto Novo |
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Porto Novo, verão de 1976 ... quando a minha
estrela arraiana conheceu o Oeste... |
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Panorâmica da Praia de Porto Novo, 27.Maio.2020, 15h10 |
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O rio Alcabrichel junto à foz, em Porto Novo, encimada pelo Hotel Gof Mar |
Em
Porto Novo ... tudo fechado. Decididamente, não tínhamos onde beber uma "loirinha". E por isso ... passámos o
Alcabrichel, descansámos um pouco no parque de merendas ... e iniciámos a última "etapa", ao longo daquela que foi pista anexa às Termas do Vimeiro e ao aeródromo de Santa Cruz. Bem me lembro dela ... e bem me lembro de ir, menino e moço, às ruínas do
Convento de Penafirme, com a
Maria Luísa minha mãe, o meu pai, o meu saudoso Tio Carlos e, mais tarde, tantas vezes sozinho ... e na apresentação ao oeste à minha namorada! As ruínas eram então num local ermo, descampado, no meio de areais a perder de vista, tão diferente de hoje, ladeadas por duas estradas alcatroadas e quase em cima de estufas agrícolas.
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Nas ruínas do Convento de Penafirme ... há 47 anos |
Passava já das quatro da tarde ... e hoje aquelas velhas ruínas perderam o carisma de antanho. Seguimos por isso o GR11, para as arribas sobre a
Praia de Santa Rita ... e às 16h40 estávamos nas
Vigias da Arriba.
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A vasta Praia de Santa Rita, ainda com o Hotel Gof Mar ao fundo ... e, para sul ... Santa Cruz ... e o Penedo do Guincho |
A Madalena já se arrastava. "
Estou a caminhar como um autómato", dizia ... mas apesar disso tirava fotos; estava mais viva do que ela própria julgava... 😜. Chegámos às
Vigias da Arriba ... e aí havia uma surpresa para as minhas duas companheiras de "aventura". Quando ambas viram o portão de uma casa a abrir-se como que por artes mágicas ... pensaram que o calor já lhes tinha criado alucinações...
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A Madalena diria mais tarde ...
Já te disse e repito mil vezes...
OBRIGADA ao teu irmão pelo "bálsamo" daquela sombra...😇
Os meus OLHOS...o meu corpo...a gritar por essa "miragem"...
A subir a subir...celestial lavagem...🥰
E tudo o resto...😁
E SEI que a tua "mão"...estava lá...como sempre...😇😘🤗
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Que terminaríamos a caminhada na vivenda "
Maria Luísa", a "minha" casa da
Santa Cruz da minha infância e adolescência, velhinha de mais de um século, isso elas sabiam ... mas que teriam uma casa, sombras, descanso, mais de 2 km antes ... não sabiam ... nem que até espumante havia para celebrar a nossa jornada. Alternando entre Portugal e o Luxemburgo, o meu irmão há 15 anos que tem ali o seu habitual "retiro" em terras lusas. O virus foi responsável por a casa estar vazia ... mas nela celebrámos principalmente a nossa AMIZADE e VIDA!
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Uma hora depois ... deixámos para trás a casa que "caiu do céu" ... e aí vamos nós para a velha Santa Cruz |
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O mesmo trio que ligara folhas de memórias da Madalena ...
ligou agora as dela às minhas ... e às memórias das nossas
Mães ... ambas Maria Luísa ... ambas nascidas num dia seis ...
com meses de diferença ... ambas partiram para a eternidade
no mesmo ano ... ambas com veia poética ... ambas de uma
maneira ou de outra ligadas ao mar ... na Consolação ...
em Santa Cruz ... e não só... |
Gosto de te ver, ó mar!
Estejas bravo ou estejas manso,
Não me farto de te olhar,
Em ti meus olhos descanso.
Vejo-te com quatro cores,
Como não vi vez nenhuma,
Azul, verde, acinzentado,
Junto à areia, a branca espuma.
As gaivotas em teu redor,
Que muito baixo voavam,
Penso, p’ra chegar melhor
Aos peixes que ali andavam.
Este espectáculo sem par
Que me encanta e seduz,
Foi-me dado admirar...
Na praia de Santa Cruz (Maria Luísa Callixto, in "Badaladas", 21 de Fevereiro de 2003)
Atravessado o centro de
Santa Cruz, à vista do
Penedo do Guincho - de onde há 5 anos me despedi da minha mãe para o seu
cruzeiro eterno - às seis e meia estávamos a encontrar-nos com o meu pai na centenária casa
que marcou a infância e adolescência dele próprio e do meu saudoso Tio Carlos. Mesmo a minha mãe, já antes frequentava Santa Cruz. Com a família Azambuja, passava férias na Coutada, próximo de S. Pedro da Cadeira, indo por vezes a banhos a Santa Cruz. Eu próprio tenho vagas recordações do tio José Azambuja, casado com uma irmã do meu avô materno, que não conheci ... e que foi marinheiro e faroleiro. A minha mãe viveu aliás na Berlenga ... no Cabo da Roca; a ligação ao mar também está portanto nas fantásticas e inexplicáveis coincidências entre as nossas mães, minha e da Madalena (além dos pais, colegas de Liceu). Esta caminhada bem se poderia também chamar ... a Caminhada das duas
Marias Luísas.
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Maria Luísa Estácio Marques,
cerca de 2007, 85 anos |
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Maria Luísa Leitão
Callixto, 2014, 91 anos |
A solidão e consequente necessidade de conversa do meu pai - Vasco Callixto - "prendeu-nos" naquele velho quintal das minhas memórias. Quando era tudo chão de areia ... cheguei a acampar no próprio quintal. Era já o apelo da Natureza ... das "fragas e pragas" que viria a desbravar ... e que neste complicado ano de 2020 completam meio século!
Um sonho!
Tive um sonho feliz
esta madrugada;
Não sei se a dormir
ou se estava acordada.
Foi um sonho belo
que me satisfez.
Mas ao acordar,
logo se desfez.
Certamente dormia,
não me lembro de nada.
Só sei que sonhei;
Estava muito animada.
Era agradável
aquilo que sonhara.
Mas vi, ao acordar
não ser o que pensara.
Se a realidade
me faz sofrer e chorar...
Quero fechar os meus olhos
e voltar a sonhar.
(Maria Luísa Leitão Callixto, in "Jornal da Amadora", 14 de Abril de 2005)
Terminada a caminhada, a Madalena escreveria:
3ª Caminhada a sério...
CONSOLAÇÃO a STA.CRUZ
30km de saudade comovente...😘
Linhas paralelas seguidinhas
Escritas...desfolhadas...vividas
Paisagens...sons...passos...cores
Cruzam-se...afastam-se...se tocam
Se reencontram...vivem amores...
Amizade cresce e pontas entrelaçam...😍
OBRIGADA ZÉ CALLIXTO
OBRIGADA LUCÍLIA BRITO
Convosco nada fica perdido...🤗🤗🤗
Pois ... a minha "
panaymi peruana" herdou da
Maria Luísa, mãe dela, a veia poética que eu não herdei da
Maria Luísa, minha mãe. E por isso digo apenas ... OBRIGADO MADALENA ... OBRIGADO LUCÍLIA ... duas BOAS AMIGAS ... duas boas almas que o Universo enviou à minha Vida.
Por isso e por muito mais ...
GRACIAS A LA VIDA!