sexta-feira, 13 de setembro de 2019

Machu Picchu ... a cidade perdida dos incas (6)

Quando atravessamos Intipunku - a Porta do Sol - ... e entramos em Machu Pichu
3ª feira, 10 de Setembro; 4º e último dia no Qhapaq Ñan, o Caminho Inca. A expectativa era grande. O "despertar dos mágicos" foi mais cedo: às 4 da manhã já estávamos acordados, no acampamento. A já habitual lavagem à gato, chá de coca, o pequeno almoço, desta vez volante ... e pouco mais abaixo estávamos no posto de controlo de Wynay Wayna. Estávamos a 3,5 km da Porta do Sol.
Fila para o controlo de Wynay Wayna, 10.Set.2019, 5h30 - Tínhamos começado há pouco a 4ª e última etapa do Caminho Inca
Entre as 5h40 e as 6h00, à medida que descemos, o dia começa a clarear, preparando-nos o anfiteatro em que íamos entrar
Como se o Universo lesse o êxtase em que, de dia para dia, aquele ancestral Caminho nos estava a colocar, a meteorologia foi também, ao longo dos 4 dias, num crescendo de luz, de Sol e de cor. Nesse crescendo ... o quarto e último dia foi o mais sublime. Os deuses incas sabiam que esta é uma oportunidade que não repetiríamos ... e brindaram-nos com um dia imponente, até mesmo de calor!
Atrás das montanhas, o Sol nasceu antes das seis da manhã, como nos dias anteriores ... mas até se elevar acima delas e nos aquecer ... seria o tempo de descermos até Intipunku - do quíchua Inti, Sol + Punku, Porta - à vista do rio Urubamba e, por vezes, de Machu Picchu Pueblo ... ou Aguas Calientes.

Num desce e sobe de uma ondulação que nos embalava o avanço ... 15 minutos antes das sete chegávamos à Porta do Sol
Neste momento, quem estiver a ler estas minhas linhas perguntar-se-á talvez: "Então ... mas a afamada Porta do Sol, a Intipunku Inca ... é apenas isto? Aqueles muros de pedra com uma entrada que a foto acima documenta?". Não! A Porta do Sol é mais, muito mais, do que apenas uma passagem num muro de pedra. A Porta do Sol é a sensação de estar a entrar numa cidade desaparecida durante séculos! Intipunku é a sensação de a atravessar, com o Sol a começar a surgir atrás das montanhas mágicas que o esconderam ... é receber a energia dos primeiros raios solares que ali chegam directamente ... como se nos sentíssemos elo de ligação entre a Terra e o Céu ... entre a realidade e o Sonho.
Como somos pequenos face ao Universo ... ao Universo que nos manda o Sol que nos ilumina ... o Sol que nos dá Vida!
Intipunku situa-se a 2.745 metros de altitude ... e é também a antecâmara da cidadela de Machu Picchu ... a cidade perdida que, de repente, se abre aos nossos pés! No solstício de verão - 21 de Dezembro - o Sol aparece na Cidade Inca com os raios a entrarem exactamente por este lugar!
Aos nossos pés, passada a Porta do Sol ... está a cidade perdida de MACHU PICCHU !!!
Lá em baixo, à direita, o rio Urubamba
Ainda o conjunto de muros da Porta do Sol. Pela sua remota e estratégica localização, acredita-se que Machu Picchu só deu as boas-vindas a pessoas convidadas e seleccionadas da elite do império.
Só quase meia hora depois retomámos a marcha. Mas ainda não eram oito horas de uma manhã já com algum calor quando nos embrenhámos na cidadela de Machu Picchu.
Machu Picchu, 10 de Setembro de 2019, 8h10 - Uma Amizade cimentada na Qhapaq Ñan: Yanasukuna para sempre!
Percorrer as ruas e os templos da cidadela inca, entre a "velha" montanha - Machu Picchu - e a "nova" montanha - Wayna Picchu - é uma experiência fascinante. Construída no século XV sob as ordens de Pachacuti, é o símbolo mais típico do Império Inca. Consta de duas grandes áreas: a agrícola, formada principalmente por terraços e recintos de armazenamento; e a urbana, na qual se destaca a zona sagrada, com templos, praças e mausoléus reais. A função de Machu Picchu seria supervisionar a economia das regiões conquistadas, com o propósito secreto de refugiar o soberano Inca e o seu séquito mais próximo. Foi elevada à categoria de Património Mundial da UNESCO em 1983.
O deus Sol -  Inti - lança os seus raios sobre o vale do Urubamba
e o cume do Putukusi (montanha feliz)
Templo do Sol, Machu Picchu, 9h15
Terraços em socalcos de Machu Picchu, com a montanha "nova" -  Wayna Picchu - em pano de fundo
Terraços e escadas, com a "velha" montanha - Machu Picchu - ao fundo
Na "rocha da montanha", a rocha escultural que imita a conformação das montanhas a norte de Machu Picchu
Kay Inti atiyniyuq ... com a força do deus Sol... 😊
Lamas e alpacas passeiam-se por entre as ruínas de Machu Picchu
O Templo do Condor, ave sagrada dos Incas
Machu Picchu ia ficar nas nossas memórias como um Sonho que se realizou. Como disse a Madalena ...
Aguas Calientes (Machu Picchu Pueblo), 10h55
       Chegar ... p'ra continuar a partir...
       E partir p'ra descobrir
       Que os olhos ao sonhar
       Cheios ficam ao chegar...
Iñiy musquy, dizem os peruanos em quíchua ... é preciso acreditar nos sonhos! Nós acreditámos! Tínhamos percorrido o Caminho Inca clássico, a Qhapaq Ñan imperial. Às onze da manhã estávamos em Machu Picchu Pueblo, como modernamente chamam à vila termal de Aguas Calientes, aos pés de Machu Picchu, para onde descemos de autocarro desde a cidadela inca.

Ver o álbum completo
do 4º dia de Caminho Inca
Aguas Calientes (Machu Picchu Pueblo), 11h00
Aguas Calientes (ou Machu Picchu Pueblo) é um mundo de turismo. A linha de comboio Inka Rail chega até ali, trazendo e levando todos os dias os turistas que não podem ou que não se atrevem a chegar à cidade perdida a pé,
através das montanhas. A nossa aventura estava a aproximar-se do fim ... mas não sem uma muito merecida comemoração e despedida do nosso guia Washington Mateos Huanca, num memorável almoço no bar e restaurante a que nos levou, o Machu Pisco, à beira da linha do comboio ... em que começámos por brindar com um pisco sour, o drink mais famoso do Peru, à base de limão e pisco, uma aguardente de uva com graduação alcoólica entre os 35% e os 45%. Do almoço fizeram parte pratos tipicamente peruanos, como não podia deixar de ser. O ceviche, uma salada de peixe cru com uma marinada chamada leite de tigre, e o cuy, o porquinho-das-índias. Alimento dos incas e fonte de proteínas na dieta dos povos da serra, o cuy sempre esteve presente em qualquer evento importante ... como era o nosso. Desde a época do império, o costume era que fosse esmagado – ou chactado - entre duas pedras de rio, para depois o assar na brasa untado com ají, uma espécie de pimenta picante.
E foi com muita amizade e emoção que nos despedimos do Washi. Os serviços de guia terminavam ali. Tínhamos a tarde por nossa conta e o alojamento garantido no Hotel Inkaterra, um espectacular hotel de 5* constituído por vários módulos no meio da selva. Finalmente ... íamos poder tomar banho! 😂
Um dos muitos módulos do Hotel Inkaterra, em Aguas Calientes
Jantar no Hotel Inkaterra,
10.Set.2019, 19h50
No nosso pacote da Papa-Léguas / HCT, estava ainda incluída uma segunda entrada em Machu Picchu e a subida à montanha na manhã do dia seguinte. Contudo, até porque ao contrário do anterior o dia 11 amanheceu chuvoso ... optámos por gozar o muito aprazível lugar de Aguas Calientes. Ver Machu Picchu do alto da "velha" ou da "nova" montanha, que antes da viagem eu considerava que seria um dos pontos mais altos da nossa aventura ... concluímos de comum acordo que não acrescentaria nada ao muito que tínhamos vivido. Subir Machu Pichu ou Wayna Picchu deve ser, naturalmente, uma experiência inesquecível ... para quem não chegou à cidadela inca e a viu também do alto ... com a inesquecível sensação de entrar por Intipunku, a Porta do Sol.
Aguas Calientes, 11.Setembro.2019, 11h25
Não nos arrependemos da opção tomada. Passear por Aguas Calientes é, como em Cusco, entrar no espírito peruano e andino. E neste pueblo machupiccheño ... fomos encontrar uma espectacular obra escultórica, em pedra, de reconhecidos artistas Cusqueños e artesãos de Aguas Calientes, ao longo das ruas que bordejam o rio do mesmo nome. Sem dúvida uma inspiração em pedra, que conta a história inca, a história da interligação entre a Terra e os Céus. Simplesmente fantástico!
Pachamama ... a Mãe Terra ...
... e um mosaico do monumental conjunto escultórico de Aguas Calientes. Uma palavra: fabuloso!
Ainda em Aguas Calientes, não podíamos deixar de visitar as termas que lhe dão o nome. Não iríamos banhar-nos nas águas que dão o nome ao rio, afluente do Urubamba, e ao pueblo, mas a subida às piscinas termais merece também a pena ... até pelos grafitis ... eu que não ligo muito aos mesmos.

Rio Aguas
Calientes e respectivas piscinas termais
Eu, que normalmente não ligo a grafitis ... fiquei encantado com os grafitis das nascentes termais de Aguas Calientes
Com esta explosão de arte e de cor, o nosso Sonho estava-se gradualmente a aproximar do fim. Tínhamos vivido 7 dias num outro mundo ... quase do outro lado do mundo. E ainda estávamos dentro dele. Voltámos ao Machu Pisco, o bar junto à estação do comboio, o comboio que seria a última aventura dentro da aventura. Pouco depois das duas da tarde, partíamos de comboio de regresso a Ollantaytambo, onde um transfer da HCT nos esperava de regresso a Cusco e à "nossa" Casa Andina.

Inka Rail ... o comboio do Urubamba, entre
Aguas Calientes e Ollantaytambo
Por volta das seis da tarde estávamos de regresso a Cusco e à "nossa" Casa Andina, onde jantámos. No dia seguinte íamos deixar o Peru, mas este jantar teve ... um vinho português! Eu tinha levado, destinado à nossa celebração final ... um Quinta dos Termos Vinhas Velhas...
Último jantar em Cusco, 11.Setembro.2019, 19h45 ... com Quinta dos Termos Vinhas Velhas!

 
5ª feira, 12 de Setembro. Uma manhã descansada, na Casa Andina ... e à hora do almoço estávamos de partida ... de regresso à velha Europa. Decididamente ...

Os voos de regresso decorreram sem história, ou melhor ... com as muitas histórias que tínhamos Vivido e Sentido. Sim, porque ... nós somos o que Sentimos! A aventura peruana foi inesquecível ... foi estar dentro de um filme ... de um filme que ... ainda um dia destes será estreado...!
Aeroporto de Cusco, 12.Setembro.2019, 15h05 - Ia começar o regresso à realidade, ao dia-a-dia ... ao "ninho"
No gigante dos ares que nos transportou de
Lima a Madrid, 13.Setembro.2019
13.Setembro.2019, 15h58 ... sobre Lisboa ...
Entre o Sonho e a realidade ... tinha acontecido Vida! Obrigado Washi. Mais do que um simples guia, foste profissional, companheiro ... amigo. Obrigado Madalena ... a nossa amizade nos trilhos a que o Universo nos levou foi cimentada nas asas de um Condor ... o majestoso Condor dos Andes. Obrigado também, como sempre, à "estrela" que me acompanha no Caminho da Vida e ao "ninho" que com ela construí. Obrigado pachamama ... Mãe Terra; obrigado Inti ... deus Sol; obrigado ... Universo!

Já depois do regresso, a Madalena escreveria ainda que ...
Álbum completo de
Aguas Calientes e regresso
Se palavras houver...
Ficaram perdidas pelos picos acima...
Envoltas pelas neblinas à deriva...
De beleza altiva
Companheira amiga...
Tropeçadas pelos degraus abaixo...
A escorregar sem pressa de cair
A elevarem-se com força de subir
E serem brisa, luz, sonho
Chegada, partida, andamento...
Espíritos cruzados p'lo firmamento
A escutarem-se livremente
Pelos tempos eternamente...
OBRIGADA machupitchengo
Pela tua mão tão quente...
E eu dir-lhe-ia que ... obrigado eu também, pelas mãos que ambos demos. A Vida é Bela!


El Condor Pasa ... Yau kuntur llaqtay orgopy tiyaq / Maymantam gawamuhuakchianqui, kuntur kuntur

2 comentários:

Rui Cortes disse...

São estas descrições fantásticas do Zé Carlos (e informações extremamente úteis para quem queira fazer o Machu Picchu e principalmente o Caminho Inca) que me fazem vontade de pedir a reforma e embarcar nestas aventuras. Irei a tempo?

Raul Fernando Gomes Branco disse...

Mais uma vez uma reportagem extremamente bem contada e motivante! Deixa-me triste por não poder sonhar! A idade e a saúde já não permite! Mas, estive lá, pela magistral reportagem! Obrigado Callixto.