terça-feira, 6 de junho de 2023

Do Porto a Santiago, pelo Caminho da Costa (5)

Pontevedra - Vilanova de Arousa, na Variante Espiritual

No passado dia 3, em Pontevedra, escrevi que este Caminho Português da Costa estava a ser o meu primeiro Caminho de Santiago em que escrevia as crónicas durante o próprio Caminho. Eheh ... a partir de Pontevedra não escrevi mais nada. O Caminho não é mesmo o chão que pisamos! O Caminho somos nós ... e é o Caminho que dita tudo, inclusive quando é que descrevo ... o indescritível.
04.Junho.2023, 08h40 - Ao 7º dia desde Caminha (12º desde o Porto), atravessamos o Rio Lérez em Pontevedra
Desde Redondela, o Caminho passara a ser apenas o Caminho Português, o Caminho da Costa uniu-se ao Central. Em 2021, na estreia da minha peregrina do Caminho da Vida nos Caminhos de Santiago, seguimos pelo percurso principal, por Caldas de Reis; por isso, ao delinear este Caminho de 2023, optei por levá-la e aos nossos "Manos Velhos" pela Variante Espiritual, que percorri há 5 anos. Esta opção implicava contudo duas condicionantes: as etapas "oficiais" (Pontevedra - Armenteira e Armenteira - Vila Nova de Arousa) eram demasiado longas para os meus três companheiros; e a subida de Combarro a Armenteira sabia que iria ser penosa.
A extensão da primeira etapa foi e é fácil de resolver: não vejo razão para o percurso "oficial" fazer o enorme arco entre Pontevedra e Combarro. Assim, cruzámos o Lérez pela Ponte da Barca e não pela Ponte do Burgo, chegando a San Xoán de Poio em pouco mais de 4 km em vez dos mais de 9 km do percurso "oficial" ... e antes das dez da manhã estávamos à vista de Combarro, a bela vila de pescadores à beira da ria de Pontevedra, com os seus típicos espigueiros à beira mar.

Combarro, 04.06, 10h15 - À beira da ria de Pontevedra ... ia começar a penosa subida para Armenteira
A partir de Combarro, o dia foi de sensações e emoções fortes. Eu sabia que a subida para Armenteira ia ser complicada para os "meus" três peregrinos, nomeadamente para a minha "peregrina especial"; são mais de 400 metros de desnível a vencer em pouco mais de 6 km ... num dia em que o calor começava a apertar. Sempre com vontade de trepar ... quando as coisas ainda estavam bem resolvi contudo cortar caminho, a solo, por um atalho com mais de 30% de inclinação. A adrenalina da subida soube-me muito bem ... mas quando mais acima fiquei à espera três quartos de hora vi logo que nem tudo estava bem...
Sobre Combarro, 10h30 ... tinha começado há pouco a subida da serra de Armenteira...
Um troço a solo, de subida radical ... com direito a brincadeiras fotográficas pelo meio do paraíso...
Uma peregrina cansada... 😢
Miradouro do Loureiro, 12h10 - Os 4 Manos estavam de novo reunidos ... mas ainda faltava bastante...
A minha pobre peregrina já se arrastava. É nestas alturas que procuramos ajuda onde não sabemos. Não sei o que sou, não sei rezar ... não sei nada ... mas sei que, à minha maneira, pedi ajuda a Santiago. Troquei mensagens de desabafo com os meus "Manos" mais novos ... sempre presentes mesmo quando não o estão; pedi à minha Mana Cristina que intercedesse. Coincidência ou conjugação de preces ... apareceram umas nuvens a filtrar o Sol aberto ... uma brisa varreu um pouco os ares ... o troço mais exposto deu lugar à mata ... e pouco depois das duas estávamos em Armenteira...🙏

A caminho de Armenteira, num início de tarde quente ... o troço mais exposto vai dando lugar à mata ...
Surgem as primeiras casas de Armenteira ... descemos
um pequeno mas sinuoso troço do rio ... e de repente ...
... surge-nos uma "visão dourada" - Armenteira, Bar "O Comercio", 14h15
Quando numa última curva do Caminho surgiu a esplanada que eu já conhecia ... respirei de alívio. Obrigado, Santiago! Obrigado também, Cristina, pela tua companhia mesmo ausente ... e pela tua Fé! Aquelas foram as horas mais duras deste Caminho. Felizmente tudo acabou bem ... muito bem mesmo!
A pobre peregrina ... agora tinha frio...
Pulpo á feira, Albariño, pimentos Padrón ... uns pican e outros non 😂
Um bom almoço e descanso recompôs o corpo e as mentes!
Aquele almoço durou quase duas horas! E que dizer quando pousa junto a nós uma mosca ... que parece ter a Cruz de Santiago?...
Não poderíamos estar em melhor sítio para nos questionarmos espiritualmente. O Mosteiro de Armenteira aparece referenciado pela primeira vez em documentos Cistercienses no Séc. XII. Reza a lenda que D. Ero, ou Eiro, seu Abade, consumido em dúvidas espirituais, passeia um dia fora do Mosteiro e pede à Virgem Maria que lhe mostre o Paraíso. Nisto, ouve o canto melodioso de um passarinho, até que, quando o canto acaba e regressa ao Mosteiro ... nada estava igual; tinham-se passado 200 anos!
Mosteiro Cisterciense de Armenteira, 04.Junho.2023, 16h15
No meu Caminho de 2018, fiquei no Albergue de Peregrinos de Armenteira. Agora, para estes quatro "manos velhos", tínhamos reservado a Casa Eirado de Valdedeus, uma antiga casa de lavoura esplendidamente recuperada e com preço especial para peregrinos. E o Argimiro, anfitrião, fez questão de nos ir buscar; a casa dista pouco mais de 1 km do Mosteiro ... e a que Paraíso ele nos levou!
Mas às 19h voltámos a pé ao Mosteiro, para participar na benção do Peregrino, pela pequena Comunidade de Irmãs Cistercienses de Armenteira. Depois, no "nosso" Eirado de Valdedeus, quando o dia declinou não se passaram os 200 anos de D. Ero ... mas pareceu-nos assistir a um verdadeiro Crepúsculo dos Mágicos ... e a um verdadeiro Despertar dos Mágicos...

No paraíso do Eirado de Valdedeus, 04.Junho.2023, 21h40 - O Crepúsculo dos Mágicos...
Despertar dos Mágicos, Eirado de Valdedeus, 05.Junho.2023, 07h50
E foram assim 4 peregrinos completamente "novos" que iniciaram um novo dia ... até porque o novo dia era bem mais fácil que o anterior, mais curto ... e com um autêntico banho de Natureza, ao longo da Ruta da Pedra e da Auga, acompanhando o curso do rio Armenteira. Eu já conhecia a rota, de quando a fiz há 5 anos; lembrava-me que era fabulosa ... mas a realidade suplantou tudo o que me lembrava!

Quatro Peregrinos / Manos partem alegres e rejuvenescidos de Armenteira, 05.06.2023, 09h50
Ao longo da fabulosa Ruta da pedra e da auga
... um autêntico banho de beleza natural
Reconstituição de uma aldeia labrega ... memórias do Tempo, cantadas pelos Fuxan Os Ventos,
A Quenlla e tantos outros grupos de música tradicional galega
A caminho de Ribadumia ... a ruta da pedra e da auga vai-se transformando ... na ruta da auga e do biño... 😂
É dura, a vida de um peregrino... 😊
Mais um Crepúsculo dos Mágicos ... junto à Igreja de Santa Baia (Santa Eulalia), Ribadumia, 21h05 
A foto ao lado é a da minha cabeceira em Ribadumia ... mas o "cenário" é o mesmo todas as noites, em todos os Caminhos de Santiago já percorridos. O buff pode variar ... mas a Vieira e a cabaça são as mesmas, há 9 anos, desde o Caminho "da Aventura" (o agora chamado Caminho da Geira e Arreeiros); desde aí ... vão 14 Caminhos de Santiago 🙏✨
No dia seguinte, 6 de Junho, os 4 "Manos Velhos" regressavam ao mar, de Ribadumia a Vilanova de Arousa. Nesse dia, escrevia eu na rede social que ter ali os "meus" peregrinos ... era uma benção. Ter vivido com eles este Caminho (que eu já conhecia desde Redondela) ... é Sentir que a Amizade/Amor que nos une aos 4 há 50 anos (este ano de 2023 é o "ano especial" dos 50 anos de muita coisa...) une-nos também agora na magia, nas emoções, nas experiências e Vivências dos Caminhos de Santiago. O campus stellae estava cada vez mais próximo! Ultreïa 🙏
Subindo o Rio Umia rumo a Ponte Arnelas, 06.Junho.2023, 08h50
Capela de Santa Marta,
Ponte Arnelas, 09h35
E regressámos ao mar, ou melhor, à Ria de Arousa. Na foto, a ponte para a Isla de Arousa.
Ponte pedonal para Vilanova de Arousa, 12h35
Mar de Santiago ... daquele cais partiríamos no dia seguinte

           Mais uma "prova" das iguarias galegas ...
e de mais um Albariño... 😆
Vilanova de Arousa, 06.06.2023, 15h20 ... na véspera da Traslatio
Em Vilanova de Arousa faltavam-nos duas etapas ... a primeira num misto marítimo-fluvial e pedestre. Tal como há 5 anos, íamos participar na Traslatio, a reconstituição da rota de trasladação do Apóstolo Santiago no mar de Arousa e Rio Ulla. No Albergue A Corticela, tínhamos uma camarata para os quatro ... e estávamos praticamente no porto de onde sairíamos às oito da manhã do dia seguinte.
(Escrito em casa, 2 dias depois do regresso)                                                    Continua

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