segunda-feira, 19 de julho de 2021

De Santander a Santiago, pelo Caminho de Liébana, Camino Olvidado e Caminho de Inverno (Prólogo)

Os Caminhos de Santiago traçaram muito da história dos últimos 7 anos da minha Vida, das minhas "aventuras" de ar livre. O último, em Maio passado, foi o Caminho do meu "renascer" ... o renascer das
fragas e pragas que eu precisava de ultrapassar ... o primeiro em que tive ao meu lado a minha pequena/grande peregrina ... a peregrina que percorre comigo o Caminho da Vida.
Algum Caminho me marcou mais do que os outros? Não sei responder. Cada um deles teve os seus episódios, a sua magia, os seus mistérios ... e até os seus "milagres". O Caminho Francês foi o maior; dizem que é o Caminho de todos os Caminhos; foram mais de 900 km ... 32 dias consecutivos a andar, até aos Camiños da fín da Terra, até Muxía e Fisterra. Sim ... muito antes da descoberta do túmulo do Apóstolo Santiago, no século IX, já peregrinos de toda a Europa cruzavam a Espanha, rumo ao que pensavam ser a finis terrae; peregrinus é a contracção de per (através) e ager (campo, terra).
O Despertar dos Mágicos... (à saída de Torres del Río, Caminho Francês, 3.Maio.2016)
O Sonho e a História...
Se o meu Caminho Francês nasceu de um Sonho ... outros Sonhos foram fermentando, sempre, no meu imaginário. Eu, que toda a Vida gostei de caminhar a solo, só eu e a Natureza ... não fiz ainda nenhum Caminho de Santiago sozinho. Tal como nas caminhadas, não há-de ser melhor nem pior ... será diferente; será uma maior viagem interior ... uma catarse mais profunda.
E que outros Sonhos foram fermentando no meu imaginário? Bem, de certo modo os que nascem do muito que leio sobre os Caminhos e a sua história. Com a ocupação Árabe da Península, os mouros representavam uma ameaça para quem se aventurava a atravessar os campos, o que obrigou a arranjar alternativas mais a norte.
Mosteiro de Santo Toribio de Liébana, onde se venera o
Lignum Crucis (Camino Lebaniego)
O Caminho do Norte já era conhecido, mas era difícil devido às numerosas rias e às intempéries do golfo da Biscaia. Os peregrinos tiveram de encontrar Caminhos entre as tempestades da costa, a norte, e os Árabes, a sul. Esses Caminhos atravessavam forçosamente as montanhas cantábricas, como os Caminhos do Salvador e o Primitivo, que percorri em 2017. Durante a ocupação Árabe, velhas calçadas romanas e caminhos de montanha substituíram assim o itinerário a que hoje se chama Caminho Francês. Vindos da costa cantábrica, muitos peregrinos percorriam o chamado Caminho Vadiniense, nome que provém de uma tribo pré-romana que vivia no oeste da Cantábria, leste de Astúrias e nordeste de Leão; na parte inicial desse traçado, dirigiam-se ao Mosteiro de Santo Toribio de Liébana, para venerar o maior pedaço conhecido do Lignum Crucis, a Vera Cruz na qual Jesus Cristo foi crucificado - Camino Lebaniego; outros, provenientes de terras bascas pelo norte de Burgos e sul da Cantábria, cruzavam as montanhas palentinas e leonesas, até às terras de El Bierzo e destas à Galiza, no que constituía a alternativa mais segura ao Caminho Francês. Mas, depois da reconquista Cristã da Península, esse velho Caminho acabou por cair no esquecimento, passando a ser um Camino olvidado ... até que os peregrinos do século XXI o redescobriram ... e até que veio parar aos meus Sonhos...
Do Sonho ao Estudo e à Preparação...
O Camino Olvidado parte do Caminho do Norte em Bilbau, atravessa a Viscaya e percorre o norte das províncias de Burgos, Palencia e León; não me importava de o percorrer na totalidade ... mas os Caminhos de Liébana e Vadiniense chamavam-me mais. Atravessando o coração dos Picos de Europa (a que tantas vezes levei grupos de alunos desde há mais de 30 anos, nos tempos áureos do "meu" Ensino), o Caminho Lebaniego / Vadiniense é seguramente o subir da Montanha a que o Roberto Carlos já se referia há tantos anos: "Eu vou seguir uma luz lá no alto ... Eu vou ouvir uma voz que me chama ... Eu vou subir a montanha ... e ficar bem mais perto de Deus "...
E assim ... o Sonho começou a transformar-se em estudo, em projecto. Consultar as características das etapas ... procurar informações de albergues e de outras formas de alojamento ... acompanhar a evolução da pandemia que nos assola ... ter presente o certificado da dupla vacinação ... que o mesmo é dizer, portanto ... começar a caminhar antes mesmo do primeiro passo.
Caminho Lebaniego / Vadiniense cruza o Camino Olvidado no município leonês de Cistierna, unindo-se ao Francês em Mansilla de las Mulas. Cistierna é portanto uma excelente "agulha" para continuar pelo Camino Olvidado, seguindo até às terras templárias de Ponferrada e de El Bierzo ... e destas à Galiza pelo Caminho de Inverno. Foi este o Sonho que comecei a esboçar ... o Sonho com que já tinha sonhado num outro Tempo ... no Tempo de uma ilusão...
De Santander a Santiago de Compostela ... pelos viejos Caminos das peregrinações jacobeias ... pelas terras de Liébana e do Lignum Crucis. Mais de 700 km ... qualquer coisa para cerca de um mês ... qualquer coisa para mais de dezasseis mil metros de desnível ... qualquer coisa que não estaria de todo, pelo grau de dificuldade, ao alcance da pequena grande peregrina que me acompanhou de Valença a Santiago em Maio passado. E o Universo começou a dizer-me ... que este seria o primeiro Caminho de Santiago a percorrer comigo próprio ... a solo.
Da preparação ... à hora da partida
E assim ... na altura em que publico estas linhas estou a bordo de um autocarro entre Madrid e Santander. Deixei Lisboa e o meu "ninho" ontem à noite, também de autocarro, para Madrid. A covid também nos roubou o velho Sud Expresso, que tanto jeito dava para estas ligações ao norte da Península. Já conheço a sensação de sair do "ninho", de deixar para trás as "avezinhas" e a companheira do maior de todos os Caminhos - o da Vida. Mas desta vez ... parti sozinho ... vou fazer o Caminho sozinho. Nunca estamos sozinhos no Caminho ... mas sei que a preocupação e ansiedade são redobradas para quem fica. Mas também sei ... que a compreensão é redobrada ... e que esta compreensão ... respira e projecta o Amor que nos une há quase meio século. Ultreïa!
Amanhã iniciarei o meu Caminho em Santander. Não, não vou estar um mês fora; já o estive quando do Caminho Francês; agora ... o projecto é percorrer os Caminhos Lebaniego, Vadiniense e Olvidado, até Ponferrada ... deixando o Caminho de Inverno ... talvez para um próximo Inverno ... um dia ... qualquer dia. Amanhã vou começar a subir a Montanha ... e a cantar com o Roberto Carlos ...

 

"Eu vou seguir uma luz lá no alto...
 Eu vou ouvir uma voz que me chama...
 Eu vou subir a montanha...
 e ficar bem mais perto de Deus"...


Deus ... Universo ... Inteligência Superior ... o nome é o menos importante...

3 comentários:

Raul Fernando Gomes Branco disse...

Bueno camino!Um abraço

Unknown disse...

A voz é a que canta dentro
Cá tão dentro feito um alento
Que ao respirar se torna vento
Que nos alevanta em encantamento...
Quantos passos o caminho tem
Só o sabe quem de lá vem
Bom caminho 🤗

José Carlos Callixto disse...

Lindo.
Só é pena ser anónimo.