quinta-feira, 13 de agosto de 2020

Visita ao Parque Arqueológico do Vale do Côa

25 anos depois de ... "As gravuras não sabem nadar ! "

 

Conhecida como a mais antiga memória gráfica da humanidade, a arte rupestre está presente em cerca de 1200 rochas espalhadas por mais de 80 sítios ao longo do Vale do Côa. Apoiadas por um punhado de arqueólogos e milhares de estudantes que levaram avante o slogan “As gravuras não sabem nadar!”, a arte paleolítica fez parar um país e levou à suspensão da construção de uma barragem. Hoje, as gravuras do vale do Côa são Património Mundial e celebram 25 anos de luta pela sua preservação.

Vila Nova de Foz Côa, 12.Ago.2020, 8h50, do miradouro da Lameira, sobre a Capela de Santa Bárbara
Um pouco inacreditavelmente, nunca tínhamos visitado o Parque Arqueológico do Côa. Uma estadia mais prolongada em Vale de Espinho, neste estranho ano de 2020, proporcionou essa visita que já teria sido natural. De Vale de Espinho a Foz Côa medeia pouco mais de uma centena de quilómetros. Assim, pouco depois das nove da manhã de um dia de semana de Agosto, estávamos junto ao Museu do Côa ... preparados para recuar mais de 20 mil anos no tempo e no espaço.
Côa visto de junto do Museu do Côa, 12.Ago.2020, 9h30
Os primeiros núcleos de arte rupestre foram encontrados em 1991, mas só em 1994 é que se tornaram públicos. Em 1996, ante a enorme importância artística e científica das gravuras do Côa, o governo português decidiu abandonar a construção da barragem. O Vale do Côa constitui-se como o maior conjunto mundial de arte paleolítica ao ar livre; a classificação dos núcleos de gravuras como Património Mundial, em 1998, foi o processo de classificação mais rápido de sempre da UNESCO.
Canada do Inferno

Canada do Inferno

O Parque Arqueológico do Côa disponibiliza visitas guiadas, em viaturas todo-o-terreno, a três dos principais sítios com arte rupestre paleolítica: Canada do Inferno, Penascosa e Ribeira de Piscos; com a minha parceira da aventura da Vida, tínhamos reservado os dois primeiros. Partindo do Museu, o acesso à Canada do Inferno faz-se primeiro pela EN 222 e depois pelo estradão que dava acesso ao local inicial da construção da barragem, na margem esquerda do Côa. O percurso final é a pé ... mas são apenas cerca de 400 metros, até ao local de implantação das primeiras gravuras encontradas em 1991.


           As gravuras rupestres de Foz Côa datam do Paleolítico Superior ao
Magdaleniano (22.000 a 8.000 aC); representam um exemplo único das
primeiras manifestações da criação simbólica humana e dos primórdios
do desenvolvimento cultural. Constituem uma fonte incomparável
para a compreensão da arte paleolítica.
Algumas das gravuras da Canada do Inferno, na margem esquerda do Côa

Museu do Côa

Regressados da Canada do Inferno (a visita dura cerca de duas horas), optámos por fazer de seguida a visita ao Museu, já que à tarde tínhamos reservada a descida ao núcleo de Penascosa. Construído entre 2007 e 2010, o Museu do Côa tem
O edifício do Museu do Côa, qual bunker no cimo da colina
parte do seu volume como que engastado no topo da colina que encima a foz do Côa, na sua margem esquerda. Ao longe, o edifício assemelha-se a um enorme afloramento irrompendo do solo, integrando-se na paisagem e imitando as irregularidades naturais do xisto, a rocha predominante em toda a região.
E como nem só da vista se enche a Alma ... o almoço foi no Restaurante do Museu do Côa. E foi uma excelente opção. Para além de uma boa relação qualidade/preço ... a carta de vinhos dá nota da grande variedade e dinâmica vitivinícola do Douro Superior, a única sub-região incluída ... e uma das minhas duas regiões de eleição 😋

Castelo Melhor e Penascosa

E à tarde tínhamos a segunda visita do dia, ao núcleo de Penascosa. A 14 km de Foz Côa, a visita inicia-se no Centro de Recepção da aldeia de Castelo Melhor. Segue-se em viatura todo-o-terreno, por uma estrada de terra batida entre os campos de amendoeiras e oliveiras, ao longo de cerca de 6 kms.

Vista de Castelo Melhor e
descida ao núcleo de Penascosa
Penascosa é um monte sobre o rio, em cuja encosta se encontram dispersas 36 rochas gravadas, 30 delas com motivos paleolíticos, sendo visitáveis cinco rochas, numa praia fluvial na margem direita do Côa, numa zona de vale aberto, onde o rio ainda corre no seu curso natural. Percorrem-se apenas cerca de 300 metros a pé, por uma zona larga e plana que não oferece dificuldades, apenas sendo necessário ascender por escadaria de pedra às duas últimas rochas. Há sobretudo figuras paleolíticas de animais, em picotado e abrasão, representando as várias espécies presentes na arte do Côa.
Gravuras rupestres de
Penascosa, margem direita do Côa
Se de manhã tínhamos gostado da visita e da simpatia e profissionalismo de quem nos acompanhou ... à tarde adorámos. Para se ser um bom guia neste tipo de actividades não basta ter "decorado as matérias", é fundamental ter gosto pelo que se faz e pelos temas que se descrevem. O nosso guia de Penascosa ... foi muito para além disso. Numa cativante narrativa sobre as gravuras e o que seria o quotidiano dos nossos antepassados pré-históricos, quase nos sentimos recuar mesmo ao Paleolítico ... mas também à intrigante constatação de que o Paleolítico foi ontem e de que os nossos antepassados caçadores/recolectores ... não eram assim tão mais "primitivos" do que nós.
Castelo Melhor, vista desde o Castelo, 18h00
Após a visita a Penascosa, o Castelo de Castelo Melhor mereceu uma curta visita, a dominar o ondulado da paisagem duriense. De novo pela foz do Côa, regressámos a Vila Nova de Foz Côa ... onde tínhamos reservado "abrigo" no Hotel Vale do Côa, uma unidade sem dúvida aconselhável.
Paisagem duriense próximo de Castelo Melhor e, à direita, a foz do Côa

De Foz Côa ao S. Salvador do Mundo

Já que estávamos à beira Douro ... antes de regressarmos à Raia resolvemos percorrer um pequeno troço daquelas belas paisagens, com vinhas a perder de vista e a ocupar as encostas que, há já bastantes anos, vimos a partir do rio, nos cruzeiros do Porto à Régua e da Régua a Barca de Alva. Agora, limitámo-nos a ir até à Barragem da Valeira, no local do famoso cachão do mesmo nome.

O Douro do alto de Vargelas, 13.Ago.2020, 10h10
Aqui ... "As montanhas entrelaçam-se, magníficas, para de repente se escancararem em vales matizados com toda a paleta de verdes e castanhos que Deus inventou." (Francisco Moita Flores)
No mítico alto de S. Salvador do Mundo, sobre o Douro e o Cachão da Valeira
E no S. Salvador do Mundo ... deixámos o Douro e as paisagens durienses. Por S. João da Pesqueira e Trancoso, regressámos à Guarda, Sabugal ... Vale de Espinho. Antes das quatro da tarde estávamos de novo no nosso retiro raiano. Os percursos pedestres foram mínimos, andámos menos de 2 km a pé, mas ao fim de 25 anos tínhamos enfim conhecido as gravuras de Foz Côa!

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