Conhecida como a mais antiga memória gráfica da humanidade, a arte rupestre
está presente em cerca de 1200 rochas espalhadas por mais de 80 sítios ao
longo do Vale do Côa. Apoiadas por um punhado de arqueólogos e milhares
de estudantes que levaram avante o slogan “As gravuras não sabem nadar!”, a arte paleolítica fez parar um país e levou à suspensão da construção de
uma barragem. Hoje, as gravuras do vale do Côa são Património Mundial e
celebram 25 anos de luta pela sua preservação.
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Vila Nova de Foz Côa, 12.Ago.2020, 8h50, do miradouro da
Lameira, sobre a Capela de Santa Bárbara
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Um pouco inacreditavelmente, nunca tínhamos visitado o
Parque Arqueológico do Côa. Uma estadia mais prolongada em Vale de Espinho, neste estranho ano de 2020,
proporcionou essa visita que já teria sido natural. De Vale de Espinho a Foz
Côa medeia pouco mais de uma centena de quilómetros. Assim, pouco depois das
nove da manhã de um dia de semana de Agosto, estávamos junto ao Museu do Côa
... preparados para recuar mais de 20 mil anos no tempo e no espaço.
Os primeiros núcleos de arte rupestre foram encontrados em 1991, mas só em
1994 é que se tornaram públicos. Em 1996, ante a enorme importância artística
e científica das gravuras do Côa, o governo português decidiu abandonar a
construção da barragem. O Vale do Côa constitui-se como o maior conjunto
mundial de arte paleolítica ao ar livre; a classificação dos núcleos de
gravuras como Património Mundial, em 1998, foi o processo de classificação
mais rápido de sempre da UNESCO.
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Canada do Inferno
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O
Parque Arqueológico do Côa
disponibiliza
visitas guiadas, em viaturas todo-o-terreno, a três dos principais sítios com arte rupestre
paleolítica: Canada do Inferno, Penascosa e Ribeira de Piscos; com a minha
parceira da aventura da Vida, tínhamos reservado os dois primeiros. Partindo
do Museu, o acesso à
Canada do Inferno
faz-se primeiro pela EN 222 e depois pelo estradão que dava acesso ao local
inicial da construção da barragem, na margem esquerda do
Côa. O
percurso final é a pé ... mas são apenas cerca de 400 metros, até ao local de
implantação das primeiras gravuras encontradas em 1991.
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As gravuras rupestres
de Foz Côa datam do Paleolítico Superior ao Magdaleniano (22.000
a 8.000 aC); representam um exemplo único das primeiras
manifestações da criação simbólica humana e dos primórdios do
desenvolvimento cultural. Constituem uma fonte incomparável para
a compreensão da arte paleolítica.
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Algumas das gravuras da Canada do Inferno, na margem esquerda
do Côa
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Regressados da Canada do Inferno (a visita dura cerca de duas horas), optámos
por fazer de seguida a visita ao Museu, já que à tarde tínhamos reservada a
descida ao núcleo de Penascosa. Construído entre 2007 e 2010, o
Museu do Côa tem
parte do seu volume como que engastado no topo da colina que encima a foz do
Côa, na sua margem esquerda. Ao longe, o edifício assemelha-se a um enorme
afloramento irrompendo do solo, integrando-se na paisagem e imitando as
irregularidades naturais do xisto, a rocha predominante em toda a região.
E como nem só da vista se enche a Alma ... o almoço foi no
Restaurante do
Museu do Côa. E foi uma excelente opção. Para além de uma boa relação
qualidade/preço ... a carta de vinhos dá nota da grande variedade e dinâmica
vitivinícola do Douro Superior, a única sub-região incluída ... e uma das
minhas duas regiões de eleição 😋
E à tarde tínhamos a segunda visita do dia, ao núcleo de
Penascosa. A 14 km de Foz Côa, a visita inicia-se no Centro de Recepção da aldeia de
Castelo Melhor. Segue-se em viatura todo-o-terreno, por uma estrada de terra batida entre
os campos de amendoeiras e oliveiras, ao longo de cerca de 6 kms.
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Vista de Castelo Melhor e
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descida ao núcleo de Penascosa
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Penascosa é um monte sobre o rio, em cuja encosta se encontram
dispersas 36 rochas gravadas, 30 delas com motivos paleolíticos, sendo
visitáveis cinco rochas, numa praia fluvial na margem direita do
Côa,
numa zona de vale aberto, onde o rio ainda corre no seu curso natural.
Percorrem-se apenas cerca de 300 metros a pé, por uma zona larga e plana que
não oferece dificuldades, apenas sendo necessário ascender por escadaria de
pedra às duas últimas rochas. Há sobretudo figuras paleolíticas de animais, em
picotado e abrasão, representando as várias espécies presentes na arte do Côa.
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Gravuras rupestres de
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Penascosa, margem direita do Côa
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Se de manhã tínhamos gostado da visita e da simpatia e profissionalismo de
quem nos acompanhou ... à tarde adorámos. Para se ser um bom guia neste tipo
de actividades não basta ter "decorado as matérias", é fundamental ter gosto
pelo que se faz e pelos temas que se descrevem. O nosso guia de Penascosa ...
foi muito para além disso. Numa cativante narrativa sobre as gravuras e o que
seria o quotidiano dos nossos antepassados pré-históricos, quase nos sentimos
recuar mesmo ao Paleolítico ... mas também à intrigante constatação de que o
Paleolítico foi ontem e de que os nossos antepassados caçadores/recolectores
... não eram assim tão mais "primitivos" do que nós.
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Castelo Melhor, vista desde o Castelo, 18h00
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Após a visita a Penascosa, o Castelo de Castelo Melhor mereceu uma curta
visita, a dominar o ondulado da paisagem duriense. De novo pela foz do
Côa, regressámos a Vila Nova de Foz Côa ... onde tínhamos reservado
"abrigo" no
Hotel Vale do Côa, uma unidade sem dúvida aconselhável.
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Paisagem duriense próximo de Castelo Melhor e, à direita, a foz
do Côa
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De Foz Côa ao S. Salvador do Mundo
Já que estávamos à beira
Douro ... antes de regressarmos à Raia
resolvemos percorrer um pequeno troço daquelas belas paisagens, com vinhas a
perder de vista e a ocupar as encostas que, há já bastantes anos, vimos a
partir do rio, nos cruzeiros do Porto à Régua e da Régua a Barca de Alva.
Agora, limitámo-nos a ir até à Barragem da Valeira, no local do famoso cachão
do mesmo nome.
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O Douro do alto de Vargelas, 13.Ago.2020, 10h10 Aqui
... "As montanhas entrelaçam-se, magníficas, para de repente se
escancararem em vales matizados com toda a paleta de verdes e
castanhos que Deus inventou." (Francisco Moita Flores)
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No mítico alto de S. Salvador do Mundo, sobre o
Douro e o Cachão da Valeira
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E no
S. Salvador do Mundo ... deixámos o
Douro e as
paisagens durienses. Por S. João da Pesqueira e Trancoso, regressámos à
Guarda, Sabugal ...
Vale de Espinho. Antes das quatro da tarde
estávamos de novo no nosso retiro raiano. Os percursos pedestres foram
mínimos, andámos menos de 2 km a pé, mas ao fim de 25 anos tínhamos enfim
conhecido as gravuras de Foz Côa!
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