Em
1990 e
1994, com a "minha" Escola Secundária de Sacavém, nos tempos áureos em que o Ensino era Ensino, levei grupos de alunos a conhecerem o
Parque Natural de Montesinho, essa jóia preciosa no extremo nordeste transmontano. Alguns deles despertaram para a Natureza em actividades como aquelas; alguns deles seguiram uma vida profissional nas Ciências da Natureza; muitos deles ... permanecem meus amigos ... quase 30 anos depois.
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Aldeia de Vilarinho, 7.Março.2019: a equipa
prospectora vai iniciar as operações |
Um quarto de século depois, voltei a
Montesinho nestes últimos 3 dias, vindo das "minhas" terras raianas ... com a minha "estrela arraiana" e os "manos velhos" Maria dos Anjos e António Mousinho. O mote para o regresso ... os reconhecimentos para uma actividade da nossa "família" Caminheira Gaspar Correia. Três dias, três belíssimas caminhadas ... e a muita Amizade que já vem de há quase meio século.
Quinta feira o destino era o vale do
Rio Baceiro e da ribeira do
Ornal, um percurso centrado na aldeia de
Vilarinho e identificado como
PR4 pelo Parque Natural de Montesinho. O dia esteve cinzento e com aguaceiros, obrigando a tirar das mochilas o equipamento para a chuva ... e teria feito falta também o equipamento para a travessia de zonas alagadas... 😊
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Capela de Santo Amaro, num esporão sobranceiro à Ribeira de Ornal |
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Memórias de alguém da aldeia de Vilarinho?... |
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Ribeira de Ornal |
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Ribeira de Ornal ... e o
universo numa gota de água... |
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Campos alagados e moinho, nas margens do Rio Baceiro |
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Ponte sobre o Rio Baceiro |
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E de regresso à aldeia de Vilarinho |
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Bragança, 8.Março.2019, 8h05 - Ao fundo, na Serra de Montesinho ... havia neve! |
A base para esta "redescoberta" do
Parque Natural de Montesinho foi em
Bragança. E obedecendo às previsões, o dia seguinte acordou soalheiro; frio, mas soalheiro. Mas, lá ao fundo ... via-se neve! E aquela era a direcção de
Montesinho! A depressão que havia trazido a chuva e aguaceiros dos dias anteriores ... para Montesinho e para as montanhas de
Sanabria tinha trazido neve! O dia, portanto ... prometia ... tanto mais que era o dia do meu regresso à
Lama Grande, 25 anos depois.
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Subida de Montesinho à Barragem da Serra Serrada |
Da aldeia de
Montesinho subimos à Barragem da Serra Serrada. Das minhas memórias de há 25 anos lembrava-me que o autocarro, embora não muito grande, tinha chegado quase à
Lama Grande, mas pelo caminho por onde ainda tentámos subir de carro rapidamente concluímos que não teria sido. Assim, voltei a descer à aldeia; o acesso é pelo estradão que parte do cruzamento da Cheira da Cruz, na base do geodésico de Montezinho. A velha barragem da
Serra Serrada seria então a base para os reconhecimentos ... e para me separar dos meus três companheiros. Enquanto eles seguiam directamente para a Lama Grande, rumei a solo para os cumes da linha de fronteira ... e para a neve.
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Acima da Barragem da Serra Serrada ... chegou a neve! |
Até próximo do marco de fronteira 386, o trilho era bem nítido. Já estava acima dos 1300 metros de altitude ... sentindo-me pequeno, muito pequeno naquela imensidão. As pás do parque eólico espanhol vigiavam a minha progressão ... mas uma vez cruzada a
Ribeira das Andorinhas, quando a fronteira inflecte para poente ... o trilho desapareceu na neve e no mato. E o dia de Sol deu lugar, por momentos, a um céu cinzento de onde chegaram a cair uns pequenos farrapos de neve.
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Rumo à Lama Grande ... |
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... eu não estava afinal |
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sozinho nesta imensidão gelada... |
E assim, pouco depois do meio dia e 25 anos depois, cheguei à Casa da
Lama Grande! Os meus três companheiros tinham trazido o carro até onde a neve o permitiu, mas quedaram-se quase 1km a sudeste ... o que me fez (re)viver a solo as memórias, boas, de quando professores e alunos ali souberam conjugar convívio, amizade, responsabilidade, liberdade.
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Casa da Lama Grande, nos confins da Serra de Montesinho ... 25 anos depois |
A Casa da
Lama Grande era uma Casa Abrigo gerida pelo
Parque Natural de Montesinho. Como já referido, em
1990 e
1994 alojei-me ali com grupos de jovens (dos quais inclusive os meus dois filhos fizeram parte) e com outros professores. Claro que as condições não eram luxuosas ... nem eram luxos que então ali esperávamos. O que quis foi transmitir aos meus alunos um pouco daquela que sempre foi a minha Paixão pela Natureza, pelos grandes espaços, pela imensidão natural. A Casa da
Lama Grande foi construída aproveitando um dos imponentes penedos graníticos em que a serra é fértil. Perfeitamente integrada na paisagem, possuía um vasto salão com lareira, uma cozinha, instalações sanitárias com duches e, no piso superior, as camaratas que alojavam 20 a 30 pessoas. Mas ... tudo isso foi nesse passado distante. À infeliz semelhança de outras casas abrigo e florestais nas nossas Áreas Protegidas ... a Casa da Lama Grande foi abandonada ... degradada ... vandalizada... 😰
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Quando saudade ... nostalgia ... tristeza
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... raiva ... andam de mãos dadas...
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Uma pesquisa simples pela história da
Lama Grande traz-nos sucessivas notícias de projectos de aproveitamento e de ocupação. Em Dezembro de 2008, o "
Público" noticiava: "
Casas do Parque Natural de Montesinho lotadas para o fim de ano e brevemente abertas aos jovens". Mas os anos passaram e passam ... e a Casa da Lama Grande agoniza, guardando dentro daquelas paredes de pedra memórias e histórias ... recordações de quando a Conservação da Natureza em Portugal não era letra morta ... de quando a Educação Ambiental se praticava, se ensinava, se aprendia ... se Vivia! Senhores governantes ... senhores do
Instituto da Conservação da Natureza e Florestas ... urge voltar a fazer com que as áreas protegidas sejam mais do que leis num papel morto, esquecido, ressequido...
Ainda a solo e com o pensamento mergulhado no criminoso estado da
Lama Grande ... claro que me surgiram as imagens da Ventosa, do Canto da Ribeira, da Quinta do Major, da Nascente do Côa ... e de outras casas abrigo abandonadas na "minha" Malcata e nas Mesas ... e em tantos outros lugares. Somos um país pobre ... ou um pobre país?...
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Adeus Lama Grande ... |
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até quando?... |
Antes da uma da tarde a "equipa" estava de novo reunida ... mas apenas para o necessário reforço alimentar. De novo a solo, o objectivo era agora o alto
Sabor, o rio que nasce ali do lado de
nuestros hermanos, paredes meias com a fronteira, atravessa Montesinho e corre para o Douro.
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Ao fundo surge a albufeira das Veiguinhas, no alto Rio Sabor |
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Descendo o vale do alto Sabor, aqui na Barragem das Veiguinhas |
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E o Sabor segue o seu curso para sul, rumo ao Douro |
Os meus companheiros haviam entretanto regressado à
Serra Serrada, para dali descerem ao meu encontro na zona das
Pedras Negras, verdadeiro miradouro natural sobre a aldeia de
Montesinho. Em sentido contrário e depois de passado o testemunho (leia-se a chave do carro...
😊), subi o troço que eles desceram, acompanhando o vale da
Ribeira das Andorinhas, enquanto eles desciam directamente para a aldeia, onde daríamos por finda esta belíssima jornada.
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A aldeia de Montesinho, do alto do miradouro natural das Pedras Negras |
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Subida do vale da Ribeira das Andorinhas, rumo à Açude das Gralhas |
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Barragem da Serra Serrada, de regresso, 15h35 |
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Aldeia de Montesinho, 16h00 ... com o seu famoso Café infelizmente fechado |
Em fim de uma jornada de serra, uma boa "loirinha" ou algo mais teria sabido bem ... mas embora a tabuleta na porta dissesse "Aberto"
... o famoso
Café Montesinho estava fechado. Uma simpática aldeã ainda nos disse que estavam para os campos ... e até se dispôs a ir chamá-los ... mas quanto tempo levariam a largar a faina e vir? Ficará para quando viermos com a nossa "família" Caminheira.
Entre esta digressão circular quase sempre a solo e os reconhecimentos prévios de acesso à Serra, tinha percorrido sensivelmente 26 km neste belo dia de quase fim de inverno. Depois foi o regresso a
Bragança ... para no dia seguinte recordar
Rio de Onor.
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Vale do Rio de Onor, 9.Março.2019, 9h50 |
O último destes três dias no
Parque Natural de Montesinho foi dedicado a uma curta mas belíssima caminhada por terras de
Rio de Onor … ou
Riohonor de Castilla … "
un pueblo mixto único en la península ibérica, una unidad poblacional donde la frontera, en vez de separar, unió a sus habitantes".
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Rio de Onor, 19.Maio.1984. O Carlos Magalhães
é o segundo a contar da direita |
Tal como à Lama Grande, não ia a Rio de Onor há 25 anos ... mas
10 anos antes, em
Maio de 1984, o meu saudoso professor e amigo Carlos Magalhães tinha-me feito uma proposta irrecusável: levar um grupo de alunos meus à Serra da Nogueira e a Rio de Onor, num autocarro dos Serviços Florestais, no sentido de eventualmente lhes despertar interesses nas áreas da Biologia, Silvicultura, gestão florestal e afins! Isto ... há 35 anos!... Hoje ... dediquei esta visita a
Rio de Onor e dedico este texto à saudosa memória do Carlos Magalhães.
O percurso que agora escolhemos para
Rio de Onor foi o
PR11BGC. Deixei a minha "estrela" e os "manos velhos" onde o trilho sai da estrada alcatroada, fui pôr o carro à entrada da aldeia, pronto para nos recolher no final ... e voltei atrás a pé, ao encontro deles, descendo depois ao vale do Rio de Onor.
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Belo exemplar de carvalho negral, secular, declarado árvore notável |
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Neste local ... três corços atravessaram o prado à nossa frente ...
bem mais rápidos do que qualquer tentativa para os fotografar... |
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Cantos e recantos paradisíacos, à medida que subimos o curso do
Rio de Onor |
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E temos a aldeia de Rio de Onor à vista |
Eram onze e meia da manhã quando entrámos em
Ruidenore, o nome que a aldeia recebe no dialecto rionorês, um dialecto de base asturo-leonesa que apresenta alguns traços do português transmontano e do dialecto sanabrés do Sul.
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Igreja Matriz de Rio de Onor |
A aldeia está muitíssimo bem preservada e a fronteira só existe nos mapas. Os casamentos mistos sempre foram frequentes, como frequentes são as deslocações de um e do outro lado, para trabalhar nos campos de lavoura. Resulta por isso anedótico o facto de ter existido uma corrente que dividia ambas as aldeias entre 1975 e 1990; na sequência do 25 de Abril de 1974 existia o temor de que as tropas de Franco entrassem em Portugal por este ponto fronteiriço. É precisamente junto a essa corrente a foto de Maio de 1984, com os meus alunos de então e o saudoso Dr. Carlos Magalhães.
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Na rusticidade bem preservada de Rio de Onor |
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Na margem esquerda do Rio Onor, junto à foz da Ribeira de Regassores: tínhamos acabado de passar uma fronteira virtual |
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Em Riohonor de Castilla, atravessando o rio pelas poldras |
De Rio de Onor a Puebla de Sanabria não chega a 20 km; não admira, portanto, que em Rio de Onor tenha vindo ter comigo uma indicação do
Camino de Santiago Sanabrés. Um dia destes ... estarei lá.
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O chamamento de Santiago... |
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Regressados ao lado português de Rio de Onor ... |
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... aproximava-se a hora da partida |
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Um adeus a Rio de Onor ... ou apenas um até breve |
Eram horas de almoço, mas o único restaurante, "
O Trilho d'Onor", é pequeno e já tinha muita clientela à porta. Fomos almoçar n'"
O Careto", na pequena e bonita aldeia de
Varge, à beira do
Rio Igrejas, que juntamente com o Onor se junta ao
Sabor em
Gimonde. E os dias de Montesinho estavam no fim ... e que dias! Com os Caminheiros Gaspar Correia ... brevemente haverá mais
😊
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