sábado, 11 de agosto de 2018

O paraíso a Ocidente (1)

... ou nos encantos da ilha das Flores
9.08.2018 - Bom dia Flores
Depois do Pico, S. Jorge, Faial e Terceira ... rumámos a Ocidente. No programa dos Caminheiros Gaspar Correia estavam 5 dias nas ilhas do grupo ocidental dos Açores ... as ilhas que já são muito mais americanas do que europeias. Efectivamente, as Flores e o Corvo localizam-se a oeste da Dorsal Média Atlântica, que materializa a fronteira entre a placa americana e as placas eurasiática e africana.
Das minhas anteriores digressões pelos Açores, retinha como minhas ilhas "eleitas" (pelas belezas naturais) S. Jorge e as Flores. Na semana anterior, a curta visita a S. Jorge consolidou essa ideia, confirmada também agora sem dúvida nas Flores ... e alargada ao Corvo!

Santa Cruz das Flores, com o Corvo ao fundo, 9.Agosto.2018, 13h30
Que estávamos verdadeiramente num paraíso, confirmámo-lo logo à chegada, no percurso entre Santa Cruz das Flores e a Fajã Grande, que foi a base para a nossa descoberta das ilhas mais ocidentais dos Açores. Flores ... enquadram soberbamente todas as paisagens, como o cenário da famosa Rocha dos Bordões, formação que resultou de uma consolidação rápida de uma espessa camada de basalto, sujeita a uma disjunção prismática que lhe deu o aspecto colunar que a caracteriza, de modo muito semelhante à também famosa Calçada dos Gigantes, na costa da Irlanda do Norte.

A famosa Rocha dos Bordões, ex-libris da Ilha das Flores
Miradouro do Portal, sobre a fabulosa costa ocidental das Flores
Na mágica e misteriosa Ilha das Flores, fizemos três trilhos lineares, todos a terminar na nossa "base" da Fajã Grande, onde se situa o ponto mais ocidental da Europa, no ilhéu de Monchique ... isto se não tivermos em linha de conta que as Flores e o Corvo se encontram já na placa americana.
PR3FLO - Miradouro das Lagoas - Poço do Bacalhau
Depois de na véspera termos admirado, numa tarde de Sol, a imponência do Miradouro da Lagoa Funda e da Lagoa Comprida, a primeira caminhada nas Flores começou precisamente nesse ponto, mas numa manhã envolta em neblinas que iam gradualmente tapando e destapando a paisagem.
Lagoa Funda (à esquerda) e Lagoa Comprida, vistas do Miradouro das Lagoas, 9.Agosto.2018, 18h10
O trilho rodeia a Lagoa Comprida a leste e, junto à estrada que atravessa o centro da ilha no sentido N/S, abeira-se da Lagoa Seca, para logo a seguir rumar à Lagoa Branca. Juntamente com outras três - Caldeira Funda, Rasa e da Lomba - estas lagoas permanecem quase sempre suspensas num imenso mar de nuvens que alimentam de pluviosidade as florestas de laurissilva que descem as encostas. As Sete Lagoas faziam parte da caldeira de um grande vulcão primordial da ilha das Flores.

Início da primeira caminhada nas Flores,
10.Agosto.2018, 11h00
Rumo à Lagoa Branca, 600m alt.
Após a Lagoa Branca, o trilho sobe aos 650 metros de altitude, rumo às falésias da costa oeste. Atraído por forças ocultas naquela manhã misteriosa, acelerei o passo encosta acima, deixando os meus mais de 40 companheiros a mais de 1 km de distância. Com a Lagoa Branca sempre no fundo da caldeira, o nevoeiro mantinha-se à cota mais alta. Cheguei, fotografei aquele paraíso perdido ... e o nevoeiro desceu, envolvendo todo o ambiente numa espessa e húmida nuvem. A Lagoa Branca não revelou mais os seus mistérios, apesar da mais de meia hora que por ali aguardei pelos mais retardatários.

A magia da Caldeira da Lagoa Branca ... antes de o nevoeiro a cobrir com um manto espesso, húmido ... e mágico
Por volta da uma da tarde estávamos a almoçar, nas falésias floridas sobre a Fajã Grande. E depois ... depois seria o "mergulho" para o Atlântico, descendo dos 550 metros de altitude em direcção ao ocidente, com o oceano à nossa frente e o ilhéu de Monchique lá em baixo. Terra, para além do ilhéu ... só se víssemos a estátua da liberdade!
Ao longo da vertiginosa descida das falésias floridas da abrupta costa ocidental das Flores, rumo à Fajã Grande
Conteira, ou roca-da-velha (Hedychium gardneranum)
14h15 - Já nas fajãs próximas da Fajã Grande, com o Ilhéu de Monchique ao fundo
Cascata da Ribeira das Casas
Chegados à Fajã Grande, a caminhada terminaria no Poço do Bacalhau, piscina natural formada pela fabulosa Cascata da Ribeira das Casas, sobranceira à pequena vila mais ocidental da Europa. A água precipita-se de cerca de 90 metros de altura, criando espectaculares efeitos de neblina à medida que o vento empurra as gotículas no ar húmido.
São muitas as teorias relativas à origem daquele topónimo. Diversos navegadores portugueses devem ter ancorado nesta baía nas suas viagens essencialmente de regresso do Atlântico norte, para se abastecerem de água e víveres e para recrutarem marinheiros, permitindo assim que a população primitiva conhecesse o bacalhau, talvez até o transaccionasse, trocando-o por produtos agrícolas. Segundo a tradição oral, as habitações primitivas da Fajã Grande dispunham-se junto à ribeira (daí "Ribeira das Casas"), sendo o poço um possível local de esconderijo ou de armazenamento daquele peixe.

A espectacular piscina natural do Poço do Bacalhau, recolhendo as águas que se precipitam da Ribeira das Casas
O resto da tarde de sexta feira foi de relax na Fajã Grande. A banhos para quem quis provar as águas do Atlântico ... de volta de uma mesa de convívio na Barraca Q'Abana para quem quis provar as famosas e saborosas lapas 😊. E o jantar, tal como os seguintes, seria também à beira mar, no Papadiamandis, Restaurante que adoptou o nome do cargueiro liberiano que encalhou 300 metros ao largo da Fajã Grande em 22 de Dezembro de 1965.
PR1FLO - Ponta Delgada - Fajã Grande
Sábado, 11 de Agosto. A segunda caminhada nas Flores era em dia de festa em Ponta Delgada. Sim, Ponta Delgada não é só na ilha de S. Miguel, as Flores também têm a sua Ponta Delgada, pequena vila no extremo norte da ilha. As festividades habituais em tantas vilas e aldeias durante o mês de Agosto também ali se celebravam ... incluindo uma grande tenda de comes e bebes montada a ocupar mais de metade da estrada!!!
Ponta Delgada, 11.08.2018, 11h45 - O insólito acontece
... e tivemos de caminhar 3 km pela estrada
A caminhada era suposto começar próximo do Farol da Ponta do Albernaz, o farol mais ocidental da Europa ... mas por manifesta impossibilidade de o autocarro passar teve de começar cerca de 3 km antes, à saída de Ponta Delgada! O percurso coincidia de qualquer modo com a GR das Flores, um percurso de quase 50 km que, proveniente de Santa Cruz pela costa oriental, atravessa Ponta Delgada e segue para a costa oeste, coincidindo depois com o PR1 e PR2.

Farol da Ponta do Albernaz, o farol mais ocidental da Europa, no extremo noroeste da ilha das Flores
O dia amanhecera mais cinzento que o anterior, mas a chuva miudinha no início da caminhada rapidamente amainou, dando lugar a esporádicos aguaceiros. E dir-se-ia que estávamos na Irlanda, ou nas highlands da Escócia, ao longo de uma paisagem agreste e selvagem, de recortes litorais cavados por numerosas linhas de água, percorrendo falésias multicoloridas.

Descendo a selvática costa ocidental das Flores, no sentido norte / sul. Ilhéu de Maria Vaz, na última foto
Pouco depois das quatro da tarde estávamos a iniciar novo "mergulho" para a Fajã Grande. Uma cancela assinala o início do troço mais inclinado, através de denso bosque que de quando em vez se abre sobre o mar, mesmo por cima do Ilhéu de Monchique. É necessário redobrar cuidados nesta descida, particularmente em dias húmidos ... como quase sempre; mas é uma descida espectacular.

Cancela no início do vertiginoso "mergulho" para a Fajã Grande
"Janelas" abertas sobre a costa ocidental
das Flores, com a Fajã Grande ao fundo
No denso bosque da encosta abrupta, já apenas a pouco mais de 100 metros de altitude
Aproximamo-nos da Fajã Grande
Ilhéu de Monchique, ponto mais ocidental da Europa
A Igreja de Nossa Senhora do Carmo, já nas fajãs a norte da Fajã Grande
A ocidente, só o mar imenso ...
de onde viria uma chuva imensa...
Estávamos mesmo ... num Portal do Paraíso...
De novo na "nossa" Fajã Grande, em fim de caminhada. Ao fundo, a Igreja de Nossa Senhora do Carmo
Foi debaixo de chuva que fizemos os últimos 2 km desta fabulosa caminhada. Passava das seis da tarde quando regressámos às "nossas" casas na Fajã Grande. No dia seguinte ... partiríamos à conquista do Corvo ... numa "aventura" marítima que contarei no próximo artigo.

As duas primeiras caminhadas na Ilha das Flores:


PR3FLO - Miradouro das Lagoas - Poço do Bacalhau: 7,61 km
PR1FLO - Ponta Delgada - Fajã Grande: 11,67 km

(Escrito em Vale de Espinho, em 24 e 25 de Agosto)
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