Apesar de maioritariamente já percorrido, um desafio para uma Grande Rota na margem do 
Tejo é sempre tentador. Dinamizado por um "mano" e na companhia de outro ... é duplamente tentador.
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| Bobadela, 25.01.2017 ... 6h58 | 
O ponto de encontro era na praia dos pescadores da 
Póvoa de Santa Iria, para dali seguir o mais possível junto ao 
Tejo. Mas, à semelhança da "
aventura insana" de Novembro de 2015 - quando fiz 
da Bobadela a Santarém em menos de 14 horas - resolvi partir ... da porta de casa 😊
Apesar da manhã bastante fria e de um denso nevoeiro ... às sete horas já estava a avançar rumo a 
S. João da Talha, 
Pirescoxe, 
Santa Iria...
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| No Aqueduto do Alviela, junto a Pirescoxe | 
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| Há universos numa gota de água... (junto à Solvay, Póvoa de Santa Iria) | 
Apenas um curto troço de EN 10 junto a Santa Iria, e depois junto à linha do comboio, pelo viaduto de acesso à Solvay, a Rua da República e a Estação CP da Póvoa. E antes das oito e meia, com quase 8 km percorridos, estava no início do 
Trilho do Tejo, junto à antiga aldeia dos 
Avieiros da Póvoa e da respectiva Associação. Pouco mais à frente, na antiga praia dos pescadores ... restava-me aguardar pelos "manos" e pelos restantes participantes, que chegaram por volta da hora marcada. O objectivo inicial era seguirmos até ao 
Carregado, mas o "chefe" indicou logo que esta era uma jornada ao sabor da respectiva evolução, a acompanhar o 
Tejo ... e as memórias dos "
Avieiros".
Desde sempre o rio 
Tejo atraiu pescadores vindos de longe. Com a chegada do século XX, 
Vieira de Leiria tornou-se protagonista de uma das mais singulares migrações internas que Portugal conheceu: a dos "
Avieiros". Durante décadas, esta gente dividia a sua vida entre o Verão em Vieira e o Inverno no Tejo, mas chegou o dia em que deixaram de regressar durante o Verão, ficando para sempre ligados à história do rio. Alves Redol retratou a vida quotidiana daqueles nómadas de um rio-vida, ao qual estavam sujeitos de forma irremediável, no infortúnio ou na bem-aventurança.
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| Aldeia avieira da Póvoa: memórias perdidas no tempo, que o Tempo não deixa esquecer | 
Mas, na esteira dos Avieiros do Tejo ... nós estávamos também no 
Caminho de Fátima / Santiago. Quando, em Julho de 2013 conheci o 
Parque Ribeirinho da Póvoa, então recém inaugurado, estava ainda longe de saber que, apenas um ano depois ... os 
Caminhos de Santiago iam entrar no Caminho da minha Vida.
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| No Caminho... (Foto: J. M. Messias) | 
Os caminhos do Parque da Póvoa fazem parte do 
Caminho do Tejo, proveniente de Lisboa e da várzea do 
Trancão.
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| Pouco depois das 11 horas estávamos no Museu do Ar, em Alverca | 
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| Pouco depois de Alverca, uma ruralidade em contraste com as indústrias envolventes | 
Após uma breve pausa em 
Alverca, continuámos na senda das setas azuis e amarelas, até próximo da 
Quinta do Cochão, uma quinta setecentista infelizmente degradada, que pertenceu à Casa do Cadaval. Ali, o 
Caminho de Fátima / Santiago ruma à EN 10, devido à dificuldade de transposição de algumas valas e à existência de algumas fábricas abandonadas.
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| Quinta do Cochão, Alverca | 
Junto à 
Quinta do Cochão deixámos provisoriamente o Caminho. O nosso "guia" conhecia por onde passar ... até porque rumávamos agora à 
Praia das Maçãs, uma antiga praia fluvial, no Tejo, também conhecida por 
Praia dos Tesos, entre Alverca e o 
Sobralinho. Frequentada ainda nos anos 50 e 60 do século passado por operários e agricultores que não tinham posses para se deslocarem para outras praias mais "célebres" - daí o topónimo "dos tesos" - nela chegaram a ser montadas barracas de praia e havia até quem vendesse tremoços. Presentemente, fala-se na sua eventual recuperação ("
O Mirante", 2009), o que seria não só uma mais valia para as populações como também um impulso para que o 
Caminho do Tejo pudesse finalmente unir a Póvoa a Vila Franca de Xira.
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| A caminho e na Praia das Maçãs (Praia dos Tesos). Já passava do meio dia, mas o nevoeiro persistia. | 
À 
Praia das Maçãs seguiram-se as ruínas das velhas fábricas de aproveitamento de madeiras e de moagens. As valas que conduzem pequenas linhas de água para o Tejo foram ultrapassadas por pontões improvisados ... e nem sempre muito estáveis. Mas à uma hora estávamos em terreno seguro.
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| Transpondo valas à beira-Tejo, entre a Praia dos Tesos e o Sobralinho | 
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| Paredes que viram passar vidas, famílias, labuta | 
A partir do 
Sobralinho, o objectivo seguinte era a histórica 
Coluna de Hércules, sobranceira a 
Alhandra. Meio a corta mato, a subida não foi propriamente fácil, mas à uma e meia estávamos a almoçar, sob a protecção da clássica figura grega e com a bela panorâmica sobre Alhandra e o 
Tejo. Datada do final do século XIX, o monumento comemora a vitória das tropas anglo-lusas sobre os exércitos napoleónicos. Hércules simboliza a resistência dos exércitos aliados face ao invasor.
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| Subida à Serra de S. Lourenço e à Coluna de Hércules
 
 
 Panorâmica sobre Alhandra e o Tejo, com
 a Ponte de Vila Franca ao fundo
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Uma vez almoçados, descemos a 
Alhandra, que atravessámos, e de novo à margem do 
Tejo. para percorrer a sempre bela zona ribeirinha entre aquela vila e 
Vila Franca de Xira.
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| Memória do Dr. Sousa Martins, natural de Alhandra
 e respectiva Casa Museu, na zona ribeirinha
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Percorrer estas margens é recordar José Tomás de 
Sousa Martins, natural de Alhandra, mas também 
Alves Redol, mais uma vez ... e 
Soeiro Pereira Gomes e os seus "Esteiros" ... "
minúsculos canais, como dedos de mão espalmada, abertos na margem do Tejo. Dedos das mãos avaras dos telhais que roubam nateiro às águas e vigores à malta. Mãos de lama que só o rio afaga".
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| Alhandra: monumento a Soeiro Pereira Gomes e a todos os “filhos dos homens que nunca foram meninos” Por trás, ao fundo, a Igreja de S. João Baptista
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| Uma garça viaja à boleia de um banco de jacintos | 
Passava já das três e meia quando iniciámos o passeio ribeirinho de Alhandra a Vila Franca. Um passeio onde todos os bancos são ilustrados por belos 
grafítis ... mas onde um tem um significado muito especial...
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| (Foto: João Brito) | 
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| Dedico esta foto a todos os peregrinos. Mas dedico-a especialmente e dedico o que sinto cada vez que aqui passo aos que comigo já
 partilharam as sensações e as emoções de um Caminho de Santiago!
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Já à entrada de 
Vila Franca, Álvaro Guerra recorda-nos que "
ao futuro entregarei sempre o melhor do meu passado" ... e no 
Cais da Jorna revivemos a vida dos trabalhadores rurais das lezírias que, ao longo da primeira metade do sec. XX, ali se juntavam às segundas feiras a fim de contratarem trabalho por uma semana - os "
jornaleiros" - junto dos proprietários rurais ou seus capatazes - os "
manajeiros". Outros tempos ... outras lutas ... outras gentes...
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| Vila Franca de Xira: monumento de homenagem ao Cais da Jorna | 
Às quatro e meia da tarde estávamos no 
Jardim Constantino Palha, entre o rio e a linha férrea. Era cedo, mas era tarde para prosseguir; havia que regressar. Pelo lado do autor destas linhas, com a "etapa" matinal até à Póvoa, tinha palmilhado quase 28 km ... os restantes seis elementos cerca de 20.
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| Um adeus a Vila Franca ... com os | 
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| olhos em Alves Redol e nos Avieiros... | 
"Um rio vive, respira, trabalha, constrói e destrói. Também os homens. Mas os homens amam e apaixonam-se. Por belas coisas, às vezes; por coisas mesquinhas, outras tantas."
(Alves Redol, "Avieiros")
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| Estação CP de Vila Franca de Xira, 16h50 | 
E o regresso foi de comboio. Em menos de meia hora ... seis "intérpretes" desta caminhada literária saíram na estação da 
Póvoa. Outro ... saiu na 
Bobadela. E todos trazíamos mais umas belas memórias para guardar; as memórias da margem do 
Tejo, das suas gentes, da sua história, da sua luta. Mas também da paixão que o nosso "guia" transmitia a cada esquina do caminho ... ou do 
Caminho!