domingo, 21 de março de 2021

K50 ... recebendo a Primavera nas terras da Raia

Vale de Espinho - Aldeia Velha - Aldeia da Ponte - Rebolosa - Alfaiates - Soito - Vale de Espinho


 
Cruzeiro da Có Pequena às
6h da manhã, 21.Mar.2021
Confinados por imposição de um vírus que ainda ninguém sabe como apareceu, no nosso "retiro" de Vale de Espinho sempre temos alguma liberdade para respirar os ares da Natureza ... e este peregrino das fragas e pragas sempre pode dar largas às suas jornadas de entrega e catarse. O equinócio da Primavera foi ontem às 9h37 da manhã ... mas portanto o primeiro dia completo de Primavera foi hoje ... em que acordei, sem sono ... pouco depois das quatro da manhã. Gizada no meu pensamento e transformada em percurso no Locus, já andava uma jornada de meia centena de quilómetros; já tinha saudades de um teste destes, há mais de um ano que não chegava à meta dos K50. E assim ... a minha "sagração da Primavera" foi de 12 horas a solo, numa bela jornada, maioritariamente por trilhos rurais, ligando 6 aldeias emblemáticas da Raia Sabugalense ... esta Raia que adoptei e me adoptou há quase meio século.
Serra do Homem de Pedra, 6h30 ... e o Sol nasce
À esquerda, atrás das eólicas ...
para abençoar a jornada a que me lançara
lá está o meu Xalmas, vigilante...
Saí do meu retiro, em Vale de Espinho, eram 5h40 ... já muito "à pele" para ver nascer o Sol na Serra do Homem de Pedra, às 6h29. Temperatura à partida ... -1,2ºC ... que não senti graças ao blusão de penas ... e à "corrida" para a Serra. Deixei a canada para as Fontes Lares, passei o Seixel ... e cheguei ao cume em cima do acontecimento 😅. O meu Xalmas lá estava, às cores do Sol nascente. Para nordeste, hoje não se via a Peña de Francia, envolta em neblina a contrastar com o céu azul.

Panorâmica da serra, com Aldeia Velha ao fundo ... e em Aldeia Velha, junto à ribeira do mesmo nome, 7h50
Senhora dos Caminhos, Aldeia Velha
(clique para aumentar e ler a placa)
Passada Aldeia Velha, com a bênção da Senhora dos Caminhos, o rumo era norte, por belíssimos caminhos rurais, que em parte conheci em Junho passado, quando da Global Nature Activity ... também a solo. Estava entre a ribeira de Aldeia Velha e a Ribeira de Forcalhos, que cruzei a caminho de Aldeia da Ponte. E até as cegonhas já chegaram...

Nos belos caminhos rurais a norte de Aldeia Velha
Recebendo também a Primavera, muito gado, vacum, equino e ovino, pastava nos frescos e verdes lameiros. Como quase sempre faço quando caminho sozinho ... eu dou-lhes os bons dias ... e elas respondem! 😍
Pouco depois das nove da manhã e já quase com 20 km percorridos, estava nas margens do Cesarão, formado pela junção das ribeiras de Aldeia Velha e de Forcalhos. Ruínas de velhos moinhos atestam as memórias de outros tempos, criando lugares bucólicos e convidativos à meditação.

Lameiros, margens e memórias do Rio Cesarão, entre a confluência das ribeiras
de Aldeia Velha e de Forcalhos e Aldeia da Ponte
Antes das dez estava em Aldeia da Ponte. Numa sã amizade e brincadeira, um amigo da "família" Caminheira "Gaspar Correia", aldipontense de gema, costuma andar ao despique comigo, val'espinhense adoptivo, sobre as belezas e importância das duas aldeias (Aldeia da Ponte e Vale de Espinho). Quis-lhe, por isso, fazer uma surpresa ... e publiquei numa rede social o testemunho de que havia chegado à Aldeia a pé, desde Vale de Espinho. "E esta, hein?", acrescentei. Pois é, Zé ... quando é que me vais fazer uma surpresa idêntica?... 🤪
Capela das Almas, Aldeia da Ponte, 9h55
Aldeia da Ponte e as
suas tradicionais picotas
A famosa ponte de Aldeia da Ponte, onde nesta bela área verde fiz a primeira pausa e reforço alimentar e de água
Dez e meia e a 22 km de casa, ainda continuei a rumar a noroeste, para cruzar o Cesarão pelo pontão das poldras. Por entre muros e campos com gado, fui subindo até próximo do geodésico da Vinha Nova (870m alt.), extremo norte desta "maratona"; a partir daí e passada a Rebolosa, o rumo passou a ser para oeste e sul, acompanhando agora o vale da Ribeira de Alfaiates.
Cruzeiro na bifurcação de caminhos rurais para a Rebolosa e para Aldeia da Ribeira
Pontão das poldras sobre o Cesarão, no caminho para o alto da Vinha Nova e para a Rebolosa
Também para o gado ... começou a Primavera...
Rebolosa ... uma aldeia com algumas originalidades ...
... como esta. Estamos a 260 km
do Porto e a 353 km de Madrid
Com a bênção da Senhora dos Caminhantes, em boa hora saí da estrada, pelo caminho que também me poderia levar a Aldeia da Dona. À beira da Ribeira de Alfaiates, fui encontrar um cativante local junto às ruínas de um antigo Moinho.
Ribeira de Alfaiates, junto às ruínas de velhos moinhos, perto da estrada Rebolosa - Nave
Faltavam vinte para o meio dia e tinha já 27 km nos pés; já tinha passado de metade do que me havia proposto. Agora a caminho da histórica Alfaiates, este troço do percurso já o havia feito com a "família" Caminheira "Gaspar Correia", há 6 anos, vindos de Vilar Maior.

A caminho de Alfaiates, subindo paralelamente à margem direita da ribeira do mesmo nome
Como já visitei Alfaiates por diversas vezes, para evitar a subida ao morro resolvi atravessar a ribeira. A passagem foi a vau, mas fez-se sem água dentro das botas ... mas o pior veio depois. A zona do ribeiro da Balsa ... tinha muito mais do que o ribeiro; na parte inicial do suposto atravessamento ... os terrenos alagados fizeram-me andar às voltas; depois ... vi-me de caras com gado bravo a olhar para mim com cara de espanto ... e entendi não os enfrentar. Mais de meia hora nestas voltas ... dispensaram-me de outras opções que tinha posto para completar o meu objectivo dos 50 km 😄

Ribeiro da Balsa, próximo de Alfaiates. Havia muito mais do que o ribeiro ... e finalmente no bom caminho...
Passando portanto a poente de Alfaiates, o destino era agora mais uma vez a ribeira do mesmo nome e a respectiva barragem. Às 13h25 e com 35 km percorridos, sentei-me para almoço ainda um pouco antes da barragem ... com os pés de molho na ribeira 😄. A segunda sandes mista e uma laranja ... e toca a andar! Depois, foi acompanhar a barragem e os belos bosques de carvalho negral da margem esquerda da ribeira, agora a caminho do Soito. Claro que a média de quase 6 km/h com que havia começado ... já descera significativamente. Coisas da idade ... a passos largos a caminho dos 70s...
Barragem de Alfaiates ... onde há
mergulhões-de-crista (Podiceps cristatus)
E lá ao fundo no horizonte ... de novo o meu Xalmas
Bosques de carvalho negral na margem esquerda da Ribeira de Alfaiates, a caminho do Soito
Foi também nestes bosques de carvalho negral que a Primavera se evidenciou, juntando ao verde dos lameiros o matizado de pequenas flores a atapetarem o solo, como que a chamar as fadas e duendes...

E às 15h10 estava no Soito, com
40 km percorridos ... faltavam dez...
Os últimos 10 km ... custaram! Talvez pelo efeito cumulativo de se tratar de terreno conhecido, do peso dos já percorridos, da falta de treino imposta pelo confinamento ... e da idade! Não sei se ainda me lançaria nos desafios dos 100 e 130 km que já fiz non stop...
O percurso escolhido foi pelos caminhos rurais a sul do Soito, entre Quadrazais e a Ribeira das Vinhas, rumo ao vale do Côa e à estrada Quadrazais - Vale de Espinho.

Soito - Vale de Espinho ... os últimos 10 km. Ao fundo já se via a "minha" Malcata
E o Côa esperava-me, junto ao Moinho da Escaleira e, nesta última foto, junto à TrutalCôa
Para fugir ao alcatrão da estrada, a opção pelo Moinho da Escaleira é muito bonita ... mas eu devia-me ter lembrado que desde pouco depois dele até ao viveiro das trutas ... é a corta mato puro e duro. Voltei à estrada ... com algum esforço. E já passava das cinco quando passei o viveiro; 48 km, marcava o Locus ... faltavam-me dois! Tinha dito à minha arraiana que estaria em casa entre as 17h30 e as 18h

O Côa a montante da TrutalCôa ... e chego a Vale de Espinho às 17h45
Estava cumprido o desafio que me propusera. Já fiz mais, mesmo nestas "minhas" terras da Raia ... mas estes 50 km deram-me plena satisfação;
Clique no mapa para ampliar ou aqui
para ver o percurso no Wikiloc
encheram-me os pulmões e a alma ... funcionaram como a catarse de que estava a precisar. Este Concelho do Sabugal podia e devia ter mais percursos pedestres marcados, inclusive de grande rota ... como esta circular com que "inaugurei" a Primavera.
Por último, dediquei esta caminhada, dedico esta crónica e dedico o vídeo que dela editei ... aos 5 amigos e amigas que era suposto terem passado comigo e com a minha estrela este equinócio e este início da Primavera ... o que a pandemia que vivemos não permitiu. Continuemos a manter a esperança e a fé de que ...

         (Sebastião Antunes)

1 comentário:

mosca disse...

Excelente Documentário. Parabéns e obrigado pela oportunidade que nos dás em poder "viver" essa aventura que, tal a forma capaz e completa como a descreves, nos faz "sentir lá". Na verdade sei pelo que te conheço que estiveste connosco o tempo todo. Abraço cheio de Amizade e Gratidão.