quarta-feira, 13 de maio de 2020

Ao 62º dia ... Montejunto com chuva e nevoeiro

... ou finalmente um regresso às origens ...

Nos seus 9 anos de existência e excepto para a parte retrospectiva, nunca este blog sofreu uma interrupção de quase dois meses … e mesmo assim o último post foi um sonho acordado. O culpado desta pausa foi, naturalmente … o malfadado coronavírus. Desde o dia 13 de Março, o país e o Mundo estão em estado de alerta/emergência/calamidade!
Albergue de Alpriate, 03.Abr.2020, 8h30
Que saudades do meu Gerês … de Somiedo … dos meus grandes espaços. O meu ano especial de 2020 - o ano do meu cinquentenário de "aventuras" - ficará afinal marcado por esta prisão sem grades, por este mundo estranho em que entrar numa loja com o rosto tapado deixou de ser para um assalto … em que abraçar e beijar as pessoas que amamos passou a ser uma ameaça.
Todas as actividades dos Caminheiros Gaspar Correia estão canceladas, pelo menos até Setembro. Os restantes grupos com que costumo caminhar estão igualmente parados. Nem os Amigos podemos ver ... a não ser quando muito no mundo virtual que as tecnologias criaram. Abril e Maio, meses que nos últimos anos foram marcados pelos Caminhos de Santiago, este ano são marcados pelas Memórias dos Caminhos...
Várzea do Trancão, no Caminho de Fátima/Santiago, em pequena caminhada com a minha "estrela", 01.Maio.2020
Nestes dois meses, contudo ... seria impossível estar parado. Individualmente ou com quem coabitamos, nunca foi proibido sair de casa ... nunca foi proibido tratar do corpo e da mente! E por isso, embora a um ritmo muito mais lento, as minhas "léguas sem fim" foram apesar de tudo aumentando ... na várzea do Trancão ... pela frente ribeirinha do Tejo ... no Monte Serves ... no Parque das Nações ... no Monte dos Castelinhos ... e até comprei uma "bicla" para aumentar um pouco o raio de acção destas "aventuras confinadas"... 😋
11.05.2020 - Um "instrumento" para novas "aventuras"... 😋
Mas, nesta longa "noite escura e bretemosa" ... parece ver-se finalmente "un raio de sol ... unha rosa, que abrirá, no mencer, novos camiños". Desde 4 de Maio, o desconfinamento já permite "a prática de atividade física e desportiva recreacional até dois praticantes", mesmo não coabitantes. E assim ... dia 8 fui mostrar ao "mano" Zé Messias o Monte dos Castelinhos, ali sobre a Castanheira do Ribatejo. Depois ... a previsão meteorológica para o dia 13 de Maio não era nada famosa ... talvez a ajudar a mentalizar os grupos de Peregrinos a não se dirigirem a Fátima. Mas algo nos tinha feito combinar, a mim e à Madalena - a minha panaymi peruana 😉 - um desbravar da Serra de Montejunto, a serra mais alta da Estremadura, com uns hereges 666 metros de altitude ... o número da besta! Montejunto ... a Serra que a Madalena todos os dias vê da sua janela!
A caminho da Serra de Montejunto, num "Despertar dos Mágicos" ... mágico e místico - 13.Maio.2020, 8h10
Assim, este regresso às origens ... considerei-o a primeira caminhada a sério, após dois meses de confinamento. Porquê? Por aquelas razões ... que a razão não explica. Por uma espécie de realismo fantástico, desenhado desde logo no autêntico "Despertar dos Mágicos" de uma manhã que acordava ... mágica e mística. Encontrámo-nos no Miradouro da Cruz de Salvé Rainha, e, como que saída do realismo fantástico de Pauwels e Bergier ... a panorâmica a noroeste estava aberta, sobre Pragança e os campos agrícolas do Cadaval e da rica zona Oeste ... com a Cruz a abraçar uma ligação fantástica entre a Serra e o Mar ... entre o nevoeiro e a claridade ... entre o Céu e a Terra.

Panorâmica do Miradouro da Cruz de Salvé Rainha, com Pragança e os campos do Oeste aos pés
O cume da Serra, atrás de nós, estava coberto pelo nevoeiro ... mas a Madalena confiou em mim e eu na intuição de que os Céus estariam connosco. E estiveram ... e o Sol chegou a abrir! Logo no início, passámos pela entrada da Gruta da Salvé Rainha. Há quase exactamente 50 anos ... foi uma das primeiras "aventuras" espeleológicas em que participei, levado pelo meu saudoso professor Ribau.
À entrada da Gruta de Salvé Rainha, 13.Maio.2020 ...
... e com 4 espeleólogos amigos na Gruta de Salvè Rainha
30.Nov.1970 ... há quase meio século!
Subida da Calçada dos Frades e ruínas do Convento dos Dominicanos, a 640 metros de altitude
Quase no cume da Serra de Montejunto, próximo da ermida de Nossa Senhora das Neves, encontram-se as ruínas do primeiro convento da Ordem de São Domingos em Portugal. O Sol já tinha chegado a abrir, mas o nevoeiro persistia, como que a levar o nosso imaginário para as histórias e crenças que recheiam a tradição oral destas terras e das suas gentes. Não vimos mouras encantadas nem encontrámos cobras a roubar leite ... mas no mato que ladeia a íngreme descida do trilho da Penha da Cruz parecia-nos ver, por entre a ramagem, os olhos e as faces de fadas e duendes ... espantados com a presença de dois seres humanos num meio e numa manhã tão agreste...

Descida do íngreme trilho da Penha da Cruz (encosta sul), numa manhã de nevoeiro denso e misterioso
Com várias cascalheiras e a humidade a cobrir as pedras e o ar, fios de teias apareciam-nos por vezes atravessados, com gotículas de orvalho a brilhar. A Madalena media todos os centímetros de solo. "Estamos quase no estradão", dizia-lhe eu; e estávamos ... desde o início da descida que estávamos a pouco mais de 1 km do chamado caminho da meia encosta, sobre Cabanas de Torres e os Casais da Pedreira. Descemos cerca de 300 metros de desnível; demorámos uma hora e quinze minutos ... mas depois de dois meses limitado a passeios à volta de áreas urbanas ... este dia, esta caminhada e especialmente esta descida ... soube-me a uma dádiva dos deuses ... talvez dos deuses incas que, em Setembro passado, transformaram dois amigos ... em Amigos unidos pela pachamama ... a Mãe Terra.
                                         Como tudo o que se desce tem de se subir ... voltamos às alturas ...
                                          ... rumo aos bosques misteriosos próximos do Parque Rural e do Centro de Interpretação

Próximo do Centro de
Interpretação ... restos de um
Concílio dos Druídas?...


Já na encosta nascente, a subida foi menos "tenebrosa" do que a descida ... embora agora sim com alguma chuva. De um esboço inicialmente estudado para este dia dedicado a Montejunto, prescindimos do "trilho da falha" e do regresso pela já conhecida Penha do Meio Dia. O início da tarde ameaçava um resto de dia cinzento e frio ... e optámos pelo regresso à Salvé Rainha pela segurança da estrada.
Regresso ao Miradouro da Cruz de Salvé Rainha. Terminávamos a primeira caminhada a sério em dois meses...
E como se a caminhada e o realismo fantástico que os deuses nos deram neste regresso às origens não bastasse ... a Madalena tinha levado merenda para os dois ... e eu o vinho e o queijo 😇. E que merenda a Madalena levou! Dos brócolos ao bolo de limão e a tudo o resto ... divinal! 😜
E assim, ao 62º dia de confinamento ... a Serra que a Madalena todos os dias vê da sua janela ... foi o palco de um verdadeiro regresso às origens ... aos grandes espaços ... à magia e à envolvência da Natureza. Percorremos apenas 10 km ... mas o que interessam os km? Uma caminhada não se mede em quilómetros ... mede-se e sente-se pelo que nos transmite ... pelo que nos deixa.
A 1ª caminhada a sério...
Dizes tu, Zé ... e também de mistério 😘
Que ventos nos vão trazendo
Memórias do que foi e agora sendo
Tal encontro nos anima num crescendo...
OBRIGADA Zé Callixto
Serra de Montejunto...quase 11km
A tartaruga e a lebre 😅
Que "rica" descida
E "boa" subida...
Por entre nevoeiro
De sons de aves fadas duendes cheio...😎
(Madalena Estácio Marques)         
OBRIGADO, Madalena! 🤗😊

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