quarta-feira, 8 de novembro de 2017

Do Monte Perdido aos Caminhos de Fátima ... ou a história de outro par de botas...

Mais de metade dos 130 km non stop do passado dia 24, da porta de casa ao Santuário de Fátima, foram feitos com estas botas Trangoworld ... que ontem "sepultei". A história das minhas "aventuras", a história das fragas e pragas a que me tenho lançado ... também se conta através das minhas botas...
Em Março de 2014 publiquei nestas minhas crónicas a história de um par de botas Meindl que, nos meus pés, palmilharam léguas sem fim. Fiz-lhes o "funeral" nas Fontes Lares, o meu "santuário" nas terras de Vale de Espinho ... e no ano seguinte um segundo par idêntico ali ficou também; é raro ir às "minhas" terras raianas sem as visitar. Mas, paralelamente às Meindl e à sua substituição por umas Bestard para as "aventuras" mais "radicais", a minha sede de "aventuras" levou-me a comprar, no final de 2012, umas botas mais leves, mais propícias a longas caminhadas de vários dias. Talvez fosse o Caminho de Santiago já a chamar-me...! Optei por estas Trangoworld Cime ... e nunca me arrependi. Desde fins de 2012, palmilharam comigo bons quilómetros, em actividades marcantes na minha Vida.

Sobre o vale de Ordesa e nas águas do Canyon de Añisclo, durante o Monte Perdido Extrem, Julho de 2013
Curiosamente, a primeira prova de fogo destas históricas Trango foi o Monte Perdido Extrem, a maior aventura de montanha até hoje vivida. Em Agosto do mesmo ano completei 60 anos ... e dei-me a mim mesmo a prenda de percorrer 60 km num dia ... da várzea de Loures à costa oeste. Menos de dez dias depois estava a atravessar a Serra da Estrela em 4 dias, de Vila Soeiro à Torre e a Loriga.

Santa Cruz, 4.09.2013 - 60 km percorridos em menos de 14 horas ... poucos dias depois de completar 60 anos
Sobre o Covão da Areia, na espectacular Garganta de Loriga, Serra da Estrela, 12.09.2013
2014 foi o ano do meu primeiro Caminho de Santiago ... o Caminho da Aventura, como lhe chamámos. As minhas botas Trango, ainda jovens, levaram-me de Braga a Santiago e aos Camiños da fín da Terra. Emoções e vivências indescritíveis ... recordações inesquecíveis.

Brincando aos deuses: Quando construímos um "monolito" nos Montes de Testeiro, 11.07.2014
Pico Sacro, 13.07.2014: a entrega ao Universo! O Caminho faz parte de nós ... e nós fazemos parte do Caminho!
Plaza do Obradoiro, Santiago de Compostela, 13.07.2014
Para aqui convergem todos os Caminhos ... todos os destinos ... todas as emoções...
Fisterra, 14.07.2014 ... onde o fim se torna início...
No fim do Caminho, as Trango Cime voltaram a subir a escada do ninho ... mas 15 dias depois estavam a caminhar nas "minhas" terras mágicas de Somiedo, em Santiago ... e de novo nas terras do fim do Mundo ... desta vez com a estrela que ilumina os meus Caminhos...
Fisterra, 01.08.2014: 15 dias depois do "Caminho da Aventura" ... regresso com a estrela que ilumina os meus Caminhos...
Desde a "maratona" dos 60 anos / 60 km, o bichinho dos grandes desafios tinha ficado ... e em Outubro de 2014 lanço-me da Foz do Trancão às Azenhas do Mar; alguns contratempos reduziram contudo a meta para apenas 53 km. E chegava 2015 ... e o seu negro primeiro trimestre...

Azenhas do Mar, 20.10.2014: o Sol seguiu-nos
ao longo de cerca de 12 horas, desde a Foz do Trancão
A 27 de Fevereiro de 2015, na minha velha Praia de Santa Cruz, entrego às águas do oceano as cinzas da minha mãe ... às águas que me vieram beijar e cobrir as botas que me tinham levado de Braga a Santiago e às terras do fim do mundo! Por isso - e porque a magia dos Caminhos de Santiago se havia já instalado em mim - em Abril parto de Santa Cruz para aquele que seria o meu segundo Caminho ... Santa Cruz - Fátima - Santiago - Fisterra ... com as minhas botas Trango.

Santa Cruz, 15.04.2015: ia começar aquele que seria um longo Caminho...
De Santa Cruz, levava pequenos seixos da praia para deixar no fim do Caminho, lá nas terras "do fim do Mundo". Talvez, em Fisterra ... visse passar as cinzas da minha mãe no seu último Cruzeiro...
Mas as forças do Universo, o destino, ou o que se lhe queira chamar, não quiseram que este caminho se transformasse em Caminho. Uma inflamação plantar levou a que, ao quarto dia, em terras de Ourém, me visse obrigado a abortar o projecto. Nos 3 primeiros dias, entre Santa Cruz e Fátima, tinha tido a companhia de dois "irmãos" que o Universo tinha trazido à minha Vida ... e em Fátima encontrámo-nos os três com o meu pai. Do alto dos seus 90 anos e a gerir a solidão da perda da minha mãe ... também tinha ido de Santa Cruz a Fátima, ao volante do seu velho Corsa, companheiro inseparável de também tantas e tantas "aventuras".

Fátima, 18.04.2015: a "tarefa" até aqui estava cumprida, com 106 km nos pés desde Santa Cruz
Ponte dos Namorados, Corredoura, sobre a Ribeira de Ourém, 19.04.2015: falta-me a namorada... 😔
adiar do Caminho
O destino ditou o
Aa botas ainda chegaram a ser culpabilizadas pela paragem forçada. Supostas deficiências derivadas do muito que já tinham andado seriam as responsáveis ... mas o futuro encarregar-se-ia de provar que as minhas Trango ainda tinham muito para percorrer. O excesso de peso na mochila terá sido o principal responsável ... ou as forças do Universo a dizerem-me que aquela não era a altura de percorrer o Caminho das Estrelas ... e em Setembro as mesmas botas levaram-me aos Caminhos do Tejo, de Belver à Praia do Ribatejo ... caminhos que talvez tenham sido o berço dos Caminhos de Santiago que se seguiriam, passados e futuros...

Nos Caminhos do Tejo, 27.09.2015
O desafio da resistência - física e psicológica - continuava a espreitar de vez em quando. Em Novembro de 2015, quase que por acaso (ou talvez não...), fiz 72 km em menos de 14 horas, de casa a Santarém ... com as minhas botas Trango ... e em Setembro de 2016 elevei a fasquia para os 100 km, de casa a Santa Cruz ... via Estoril e Ericeira!
Já tinha entretanto comprado umas "primas" destas históricas botas, também Trango, destinadas essencialmente aos Caminhos de Santiago de 2016 e 2017; mas estas ainda haviam de fazer mais..

Nas lezírias, a caminho de Santarém, 28.11.2015: 72 km em menos de 14 horas...

Desafio K100 non stop: Santa Cruz, 17.09.2016 - 100 km
em 19 horas e 36 minutos ... com as minhas velhas Trango
E assim, por fragas e pragas... regresso ao início deste artigo: mais de metade dos 130 km non stop do passado dia 24, da porta de casa ao Santuário de Fátima, foram feitos com estas históricas Cime ... que ontem "sepultei". Agora sim no fim do seu Caminho, ainda fizeram cerca de 75 km até à Portela das Padeiras, a seguir a Santarém. E teriam feito o resto, embora já ambas um pouco "de boca aberta" nas partes laterais. Prevendo o fim - e preservando o conforto dos pés - levei na mochila umas botas simples mas relativamente novas... 😋
O que fazer às velhas Trango? Ao contrário das Meindl, estas nunca foram às terras raianas, pelo que não faria sentido levá-las para o meu "santuário" das Fontes Lares. As suas "primas", embora mais recentes - umas Trangoworld Xico - ficaram em Maio passado no Cabo Fisterra ... depois de quase 1500 km só nos Caminhos de Santiago de 2016 e 2017 ... e quase mais mil de outras "aventuras". Estas históricas Cime, portanto ... ocorreu-me dar-lhes o destino várias vezes testemunhado ao longo dos Caminhos de Santiago: darem vida a um local, servirem de vaso! E lá estão elas portanto, "plantadas" numa das floreiras de minha casa ... como imagem permanente das muitas recordações que me deixaram. Já não subirão mais a escada do ninho, como escrevi em Julho de 2014, no fim do Caminho da Aventura ... mas simbolizarão sempre a Vida, o Amor, a Felicidade, a Amizade!

Aqui ... as minhas velhas Trango Cime simbolizarão sempre a Vida, o Amor, a Felicidade, a Amizade!
E como a história das minhas aventuras por fragas e pragas também se conta através das minhas botas ... não quero terminar sem fazer uma referência a sete pessoas que, de uma forma ou de outra, também passaram pela "vida" destas minhas botas. Ligadas ao Monte Perdido Extrem, ao Caminho da Aventura e/ou às restantes actividades marcantes a que elas me levaram e aqui relembradas, o Universo transformou seis dessas sete pessoas em meus Manos e Manas, em verdadeiros Irmãos ... hermanos de corazón, como várias vezes nos identificamos nos Caminhos de Santiago. Elas e eles sabem quem são! A sétima pessoa também sabe: é a Estrela que me espera no fim dos meus Camiños ... que fica em cuidado quando parto para as minhas insanidades sãs ... que conta os dias e as horas para o meu regresso, para o "ninho" que construímos juntos, para os filhos, para os netos ... para os Manos e Manas que já vinham da noite dos tempos! A todos desejo ... Buen Camino!

2 comentários:

Helder Carvalho disse...

Nunca umas botas tiveram tanta importância....quais Jimmy Dolley quais quê!!! Essas sim são as botas de uma vida....que fizeram o seu percurso ao sabor dos quatro elementos....E que viveram as memórias de um quinto elemento.TU!!!!!

Grande Homem, companheiro e amigo.

José Carlos Callixto disse...

"Obrigatório" dizer ... Obrigado Helder! Grande abraço.