quarta-feira, 25 de maio de 2016

De Saint Jean Pied de Port a Santiago (3)

Santiago de Compostela, 25.05.2016: às 10:45h entrávamos no Obradoiro, com chuva ... mas a chuva em Santiago é Arte!
DAS TERRAS DE PALENCIA A SANTIAGO ... no Caminho de uma Vida
"Calzadilla de la Cueza. Uma pequena terra "perdida" nas estepes cerealíferas das terras de Palencia" ... começava assim o post anterior nestas minhas memórias. Tinham passado 14 dias desde que havíamos saído de Saint Jean Pied de Port ... 14 dias sobre os quais pouco escrevi ... 14 dias aos quais se seguiram outros em que nada escrevi. O Caminho de Santiago não se descreve ... o Caminho de Santiago vive-se ... sente-se. O Caminho de Santiago faz parte de nós ... e nós fazemos parte do Caminho!

Alto del Perdón, entre Pamplona e Puente La Reina, 30.04.2016
Ao escrever estas linhas, já regressei ao ninho que "abandonei" por mais de um mês. Lá, no Caminho das Estrelas, não havia motivação para escritas. Havia, sim, motivação e sede de beber toda a magia que estávamos a viver, dia a dia, minuto a minuto, km a km. Pouco mais escreverei portanto; aliás, já sobre o "Caminho da Aventura" assim aconteceu.

Ermida de San Nicolás de Puente Fitero, próximo do Rio Pisuerga, 10.05.2016
Momentos altos do Caminho: no meio do nada, ao 13º dia, surge-nos a Ermida de San Nicolás de Puente Fitero, antigo hospital de peregrinos. A Confraternita di San Jacopo di Compostella restaurou-a nos anos 90 do século passado ... e ali surgiram espontaneamente os abraços entre nós, os então cinco elementos desta aventura espiritual; a Paula e a Lena haviam-se juntado em Burgos aos três que a tínhamos iniciado em terras de França. E da Ermida de San Nicolás trouxemos a segunda Credencial del Peregrino.
Cruz de Ferro, 17.05.2016
Outro ponto alto foi sem dúvida a Cruz de Ferro. No cume do Monte Irago, a 1530 metros de altitude, a Cruz de Ferro ergue-se no ponto mais alto do Caminho Francês. Três de nós chegámos ali ao amanhecer, envolvidos numa neblina mágica e mística, antes da grande quantidade de outros peregrinos.
A primitiva cruz datará do século XI, erigida sobre um conjunto de seixos que os viajantes já amontoavam desde época celta, nos locais estratégicos dos caminhos, e que logo se cristianizavam com cruzes. Seja-se o que se for do ponto de vista espiritual, locais como este impõem uma sensação de que pertencemos a forças superiores. Espontaneamente, como que conduzido por mãos alheias, ali erigi um pequeno "monolito", recordando o construído em 2014 com os Irmãos do "Caminho da Aventura" no alto de O Paraño, nos Montes de Testeiro.
Três dias depois estávamos a entrar na Galiza ... no Cebreiro. Indescritível...! O Cebreiro é um local mágico ... ou não contivesse a Igreja de Santa María La Real um cálice que a lenda relaciona com o Santo Graal.

Entre Villafranca del Berzo e o Cebreiro, por catedrais verdes... (19.05.2016)
Cume de O Cebreiro ... onde nos
entregamos ao mundo! (20.05.2016)
A Luz que ilumina a Vida
(Santa María La Real, Cebreiro, 20.05)
A
Aunque hubiera recorrido todos los caminos,
cruzado montañas y valles
desde Oriente hasta Occidente,
si no he descubierto la libertad de ser yo mismo
no he llegado a ningún sitio.

Aunque hubiera compartido todos mis bienes
con gentes de otra lengua y cultura,
hecho amistad con peregrinos de mil senderos
o compartido albergue con santos y príncipes,
si no soy capaz de perdonar mañana a mi vecino,
no he llegado a ningún sitio.

                             (Fray Dino, Monge Franciscano)
xx
Sem dúvida que dos pontos altos do Caminho também fazem parte as catedrais verdes que atravessávamos, mesmo quase às portas do Campo das Estrelas. À medida que nos aproximávamos de Santiago de Compostela, as energias pareciam redobrar em nós...

Caminhos do verde ... da luz ... da força anímica ... ou do que se lhe queira chamar...
Monte do Gozo, 25.05.2016 - E na manhã do 28º dia ... já vemos a Catedral de Santiago...!
Com quase 800 km percorridos desde Saint Jean, ou quase 600 desde Burgos no caso da minha Mana Paula ... às dez e meia da manhã do dia 25 de Maio entrávamos, de mãos dadas, na Praça do Obradoiro! E ... chovia em Santiago! Mas a chuva em Santiago é Arte! Até porque esse é (foi) outro ponto alto do nosso Caminho das Estrelas: inacreditavelmente para muitos com quem nos cruzávamos, tínhamos apanhado apenas umas poucas manhãs de chuva, nunca persistente! Santiago protegeu-nos, sem dúvida, ao longo da nossa "missão"!
Chove em Santiago ... na chegada ao Obradoiro
Pisar o Obradoiro depois de 28 dias consecutivos de Camiño ... é indescritível. Não pelos 28 dias em si, mas pelas emoções e sensações de um convívio 24 horas por dia ... pelas sensibilidades tantas vezes à flor da pele ... pelo que vimos, ouvimos e "lemos" ... pelas amizades feitas com outros que, como nós, tinham (têm) unha estrela por guia ... pelo que crescemos e aprendemos!
O abraço ao Apóstolo, a passagem pelo seu suposto túmulo ... e Santiago era agora nossa, para uma tarde em que de novo o Sol brilhou! Nas memórias estavam já os longínquos Pirenéus, as estepes de Palencia, os cumes nevados dos Picos de Europa, primeiro, dos Montes de León e de Sanabria, dos Ancares, do Cebreiro! Nas memórias estava a nossa saudosa Lena, que apenas teve a possibilidade de fazer a parte menos interessante do Caminho, entre Burgos e as planuras anteriores a León. Obrigado Lena, pela tua companhia nessa semana, pela tua amizade ... pelo que és! Nas memórias estavam também o Vinicius, a Letícia, o Alexandre, o Félix, os amigos húngaros ... e tantos outros que fomos conhecendo ... com quem fazíamos uma festa cada vez que nos reencontrávamos noutro albergue.
Mas, por opção ou contingência, para dois dos quatro que chegámos ao Obradoiro o Camiño terminava mesmo em Santiago. O Zé Manel e o António regressariam no dia seguinte ... não sem antes invocar as forzas do ar, terra, mar e lume, para conxurar todos os males da nosa alma. O tradicional pub Fucolois foi, mais uma vez, o "altar" eleito para a obrigatória Queimada galega.
O grupo, que começara a três, passara a cinco em Burgos e se reduziria a quatro uma semana depois ... ia agora portanto reduzir-se a dois. Só eu e a Paula tínhamos pela frente os quatro dias finais ... os dias dos Camiños da Fín da Terra. Ao meu 29º dia de "andadura" e 19º da minha Mana Paulita ... partiríamos bem cedo para as "terras do fim do mundo"!

(Escrito em 7 de Junho de 2016, já regressado ao "ninho")

1 comentário:

Raul Fernando Gomes Branco disse...

O admirável Callixto, a sua admirável aventura, e a sua não menos admirável reportagem - " Um hino à vida". Parabéns Callixto . Um abraço de admiração e simpatia.