terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Águas que correm para o Coa (3)

"Mistérios" do Vale da Maria, da Fonte Moira e da Assentada

A propósito das minhas recentes "descobertas" da Serra de Béjar e dos confins da Serra da Gata, um grande amigo, ele como eu caminheiro de longa data, dizia-me que os adjectivos começam a ficar gastos para falar das minhas aventuras. Os adjectivos podem começar a ficar gastos ... mas a minha paixão, as sensações vividas, o misto de sonho e realidade, o êxtase, o autêntico levitar destas e nestas minhas "aventuras" ... esses ainda não começaram a escassear, bem pelo contrário, aumentam a cada caminhada, a cada esquina da montanha, a cada marca deixada na neve, na terra ou nas folhas caídas, a cada gole de água pura e cristalina, a cada cume onde abro os braços, em entrega aos deuses do céu e da Terra, captando os mistérios da Natureza, captando e carregando a energia para continuar, nesta senda pelo eterno, pelo lá longe, nesta catarse de emoções. Enquanto houver vida e forças que me permitam essa purificação do corpo e da mente … quero seguir em frente!
6.Jan.2013 - Vale de Espinho ... o meu retiro
No meu retiro de Vale de Espinho desde o último dia 27 - de onde aliás parti para aquelas duas primeiras "aventuras" de 2013 - claro que nos restantes dias não estaria parado em casa. Tanto ainda no ano passado como já depois do regresso de nuestros hermanos, curtas deambulações levaram-me a cantos e recantos de que me sinto fazer parte – como as "sagradas" Fontes Lares – e inclusive dentro dos limites da própria aldeia. Projectos à volta de Vale de Espinho continuam a não me faltar, como seja a continuação da (re)descoberta das águas que correm para o Côa ... o "Rio Sagrado".
Fontes Lares, 6.01.2013 - Em entrega ao "barroco sagrado"
Em Outubro, a "peregrinação" tinha ficado na Ribeira dos Abedoeiros. Ontem… lancei-me à subida de uma das encostas mais carismáticas da área de Vale de Espinho, o Vale da Maria, que aos 920 metros de altitude e a sudeste do Cabeço da Pelada passa a ter o nome de Barroca da Fonte Moira. E assim, numa manhã gélida, saí de casa e rumei ao Pontão do Pisão ... a caminho do Vale da Maria.
Vale de Espinho, 7.01.2013, 9:30h ... 0,7ºC. Caiu um nevão de noite? Não, são os campos geados!
Tal como em muitas das minhas anteriores deambulações por estas terras, que adoptei há quase 40 anos, eu sabia que as fotos que publicasse iriam despertar a nostalgia de quem viveu os tempos em que estas terras tinham vida, gente, trabalho, suor.
"O meu Avô Madaleno e os filhos mais velhos receberam o terreno do Vale da Maria e ali plantaram castanheiros, vinha, árvores de fruto. .... Ali tiveram trabalhos e sonhos. A mobília de quarto, de escritório e de sala para o meu irmão, quando casou, foi feita em madeira de castanho do nosso Vale da Maria. .... Nunca esquecemos o Vale da Maria. Algo de mágico se mantém, como que um eco do sonho que fez correr o meu Avô, há mais de cem anos. Faz parte das memórias de família e está preso no coração."
(Aurora Martins Madaleno)
Vale de Espinho, Pontão do Pisão ... a caminho do Vale da Maria
"Agora é Pontão e antes eram poldres que eu saltava, muitas vezes a medo, porque as pernitas não davam mais e caía para a água. Do lado de lá tínhamos um chão com milho, batatas, cebolo, feijão, pimentos... Dali cheguei a ir direita ao nosso Vale da Maria a levar tabaco ao meu Avô Madaleno. Pelo caminho tinha medo das lagartixas. Uma vez encontrei um ninho com perdigotos e assustei-me. Eles também se assustaram comigo e corriam mais do que eu. Eu ia a subir, já cansadita, com os meus 5 ou 6 anitos. O meu Avô ficou contente ao ver-me chegar e deu-me da sua merenda. Vi-o fazer o cigarro e acendê-lo com dois seixos."
Sempre o mais possível junto à água, subi pois o Vale da Maria sabendo que, quando as divulgasse, as minhas fotos iam provocar a saudade e alimentar os sonhos. É a magia destas terras.
Ribeira do Vale da Maria,
Rio Côa tem magia
Que nos atrai e encanta,
Tal como o Vale da Maria
Para mim é terra santa.

Terra santa, digo bem,
E também o seu ribeiro,
Pois à lembrança me vem
O meu sonho derradeiro.

7.01.2013
Sonho que tenho só meu
E que não digo a ninguém,
Um sonho que não morreu
Na minha alma se detém.

(Aurora Martins Madaleno)
Subir o Vale da Maria é realmente uma das caminhadas mais agradáveis na área de Vale de Espinho. Mesmo em épocas de seca, é uma das poucas linhas de água que, vindas das encostas da Malcata, não se secam por completo. Quando tinha o meu "burro" (o meu velho UMM), quantas vezes a cruzei, a caminho da Pelada e do Cabeço da Moura. Mas a pé, subindo o seu curso, sucedem-se os lameiros, o pinhal, os antigos campos de cultivo.

"Chões, lameiros, regatos, plantas da nossa terra..."
E lá ao fundo é Vale de Espinho
"Pela encosta acima houve em tempos um pinhal grande e outro semeado, houve dezenas de castanheiros .... cerejeiras, macieiras, pereira, loureiro, um pessegueiro e até cortiços ao cimo, encostados à parede da vinha."
"Cantando de pedra em pedra ...
cantigas de embalar e de sonho."
"A minha Avó Bicha tinha um chão muito perto deste sítio.
Esses braços nos saudam, eu sei ...reconhecido à Natureza."

"Muita água vai na serra a correr para o vale ...
E Vale de Espinho é um presépio onde, ao centro, os sinos tocam e a saudade soluça nas gentes."
"No meio da seara de centeio, lá estava a Corte. No cimo da vinha, do lado esquerdo, lá estava o choço... e lá encontrei o meu Avô Madaleno... e lá estava a cantarinha da água fresca, à sombra. Bem pertinho, um canteiro com melões e melancias - um luxo que dava muito trabalho, porque se ia buscar a água à Ribeira do Vale da Maria e subia com ela a pequena encosta ao longo de um correr de giestas. Para uma criança era obra..." .... "Depois é aquela beleza pura, agreste, .... o estar só no meio daquela maresia, o cheiro dos pinheiros, das giestas, o murmúrio dos ramos dos castanheiros carregados de ouriços, o canto de tantos pássaros, o cantar da minha Mãe e do meu Pai, o cantar das minhas irmãs, o meu próprio cantar só com a natureza presente."
Já na Barroca da Fonte Moira, com Vale de Espinho ao fundo
"Lembro-me e imagino-me à sombra dum destes pinheiros a espantar as formigas da minha mantinha, enquanto as ceifeiras faziam a sesta."
A cerca de 920 metros de altitude, a sudeste do Cabeço da Pelada e pouco acima do choço que trouxe o passado ao presente, a ribeira do Vale da Maria  passa a ter o nome de Barroca da Fonte Moira. Porquê da Fonte Moira? Ninguém sabe ao certo. Conta-se que andaram por lá os mouros, que teriam até escavado umas minas, mais lendárias que reais. Percebe-se na foto abaixo o vieiro onde nascem as águas da pequena barroca, hoje envoltas em densos matos e silvados, nascente e vieiro que é pois a origem das águas "mágicas" do Vale da Maria.

O vieiro onde correm, incipientes, as primeiras águas da Fonte Moira, que alimentam o Vale da Maria
"Hoje é só mato, mas havia pão semeado noutro tempo. Lavrava-se a encosta e semeava-se centeio ou trigo. Nós tínhamos uns pinheiros na Fontamoira de um lado da Barroca e seara do outro."
Ao cimo da Barroca da Fonte Moira estava no Cabeço Passil, a 1040 metros de altitude ... e eram horas de regressar a casa. Na senda das águas que correm para o Côa, a descida foi ao longo do curso da Barroca da Assentada, afluente da do Nabo da Crasta.

Barroca da Assentada
"Nesta zona há muitas nascentes, muita água. Em cada
vai seco; mas acontece que há sítios onde a água 

baixa corre um regato que no verão, por vezes
brota como nascente, muito fresca e cristalina."
Lameiros da Barroca da Assentada
"Lameiros verdinhos para o gado e para nós nos espojarmos..."
Barroca do Nabo da Crasta ... ou da Cresta?
A Assentada lança as suas águas na ribeira do Nabo da Crasta a nordeste do Cabeço do mesmo nome. "Nabo da Crasta" ... ou "da Cresta"? Tal como em relação a outros topónimos, há divergências entre o que  consta nas cartas topográficas e os nomes que o povo sempre lhes atribuiu. Tendo em conta que a produção de mel era uma actividade bastante difundida em toda esta zona (ainda o é, embora em muito menor escala), é natural que a toponímia correcta seja "da Cresta", termo relativo ao "crestar" dos favos.

As águas do Nabo da Crasta correm para os Abedoeiros
Praticamente no ponto onde em Outubro passado tinha terminado a minha última "corrida" ao longo das águas que correm para o Côa, sobre o vale da Ribeira dos Abedoeiros, estava terminada mais esta "missão". Restava o regresso ao ninho de Vale de Espinho ... pela velha ponte romana de todas as magias!

A velha Ponte de Vale de Espinho ...
"Ponte que nos leva e que nos traz, sobretudo que me fica em memórias tantas..."

O poema e todas as citações deste artigo são da autoria de Aurora Martins Madaleno ... filha e neta das terras do Vale da Maria. É com muito prazer que lho dedico, e é com a amizade pessoal e com a paixão que tenho por estas terras, que adoptei como minhas, que orgulhosamente aqui incluí os muitos comentários que ontem foi fazendo às minhas fotografias. Aurora ... muito obrigado!
Fica, como sempre, a possibilidade de verem (ainda) mais fotografias, bem como o percurso que segui nesta "peregrinação".
Clique para ver o álbum completo
Clique para ver o percurso

1 comentário:

JORGE FIGUEIREDO SANTOS disse...

Mais uma bela jornada com notáveis apontamentos fotográficos.