quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Nas Rotas do Ouro Negro (Maciço da Gralheira)

Quando em Março de 2002 percorri o vale do Paivô e o Portal do Inferno (ainda com a autocaravana como base), ficaram-me sempre na mira os muitos percursos pedestres de que então tive conhecimento, nomeadamente à aldeia "mágica", abandonada e perdida nos contrafortes da Serra da Arada, a aldeia de Drave. As pedras parideiras e a espectacular Frecha da Mizarela foram os atractivos daquela primeira visita, aos quais voltei  em  Abril de 2009 quando realizei, com os Caminheiros Gaspar Correia, dois belos percursos no maciço da Gralheira, que me viria a chamar ainda em 2009 para um tradicional "encontro de contadores, lareiras e sabores".
Candal, Maciço da Gralheira, 5.10.2012
Dez anos depois da primeira visita, no fim de semana alargado do último 5 de Outubro enquanto feriado ... a minha "família" caminheira voltou a levar-me à Gralheira, para três espectaculares percursos da imensa rede implementada pela Câmara de Arouca. Por entre paisagens fabulosas, por trilhos carregados de história e de estórias, os vestígios da saga do volfrâmio predominaram nos dois primeiros dias ... nas rotas do ouro negro.
A aldeia de Candal marcou o ponto de partida para a primeira jornada pedestre, na sexta feira. Não foram jornadas longas, mas o relevo obriga a um sucessivo desce e sobe, que começou a 820 metros de altitude, um pouco acima de Candal. Íamos descer para o vale do Paivô, serpenteando ao longo da encosta a oeste da ribeira do mesmo nome e do morro de Pena Ruiva.
Belos exemplares de carvalho alvarinho,
perto de Candal, 5.10.2012
Covelo de Paivô à vista
Pouco antes das duas da tarde tínhamos descido sensivelmente 500 metros. E que melhor local poderia haver, para o merecido almoço, do que precisamente as margens do Paivô, pouco antes da aldeia de xisto de Covelo de Paivô?

Diversos aspectos rurais próximo de Covelo de Paivô e da beleza do rio que lhe deu o nome
Em Covelo de Paivô mantém-se o apego às tradições, desde a malha do centeio às desfolhadas; uma vez atravessada a aldeia, seguiu-se o percurso do PR 13, "Na Senda do Paivô", que nos levaria a Regoufe ... e a subir de novo quase até aos 700 metros de altitude. Numa tarde demasiado quente para Outubro, a ladeira foi-se subindo lentamente, mas apreciando sempre as espectaculares panorâmicas para o vale do Paivô e, depois, para a ribeira de Regoufe.
Subida de Covelo de Paivô para Regoufe, 5.10.2012
Dois episódios marcariam a nossa chegada a Regoufe: naquela tarde quente, umas cervejinhas sabiam bem ... mas a informação era que o único café estava fechado. Eis senão quando surge uma senhora que diz: "mas eu vou abri-lo"! A "invasão" claro que foi imediata... J! O outro episódio: junto a um chafariz, jazia abandonada uma máquina fotográfica, no seu estojo. Julgando que a mesma era pertença de alguém do meu grupo que já tinha passado anteriormente, levei-a. Mas ... não era de nenhum dos "meus" caminheiros. Que fazer? Voltar atrás e pô-la no mesmo sítio? Hmm... Melhor seria entregá-la a alguém da aldeia; contando a história a uma aldeã, indicou-me logo que "o senhor Fernando é o presidente da junta e está além para as batatas". Estava eu então a contar a história ao Sr. Fernando ... quando surge esbaforido o legítimo dono da máquina fotográfica, a quem outros companheiros do meu grupo já tinham informado da minha acção; deu pela falta dela ... quando já ia a caminho da aldeia de Drave ... voltando assim atrás até Regoufe. E assim fiz a minha boa acção do último 5 de Outubro enquanto feriado... J!
Ruínas das Minas de Regoufe, 5.10.2012
O autocarro esperava-nos junto às ruínas das Minas de Regoufe. Do subsolo deste lugar e das montanhas que o envolvem foram extraídas e exportadas toneladas de volfrâmio - o "ouro negro"... - sobretudo para as forças aliadas durante a II Guerra Mundial, período durante o qual as minas foram concessionadas a empresários ingleses que faziam a sua exploração. E como ali se sente a mesma nostalgia - eu diria a mesma magia... - que se sente nas Minas dos Carris ... no "meu" Gerês!
À semelhança de 2002 e 2009, a base de alojamento desta "aventura", "Nas Rotas do Ouro Negro", foi o parque de campismo do Merujal ... onde entre outros atributos se come uma sopa de castanha divinal!

O dia seguinte, sábado, era destinado a um fabuloso percurso resultante de troços do PR6 ("Caminho do Carteiro") e do PR8 ("Rota do Ouro Negro"). Num dia felizmente muito mais fresco do que o anterior, com nuvens a filtrar o Sol, começámos a jornada pouco depois das 9:30h, próximo de duas aldeias típicas destas encantadoras serranias, as aldeias de Tebilhão e Cabreiros.

No "Caminho do Carteiro" (PR6), próximo de Tebilhão, no início da segunda caminhada, 6.10.2012
Ao longo das leiras em socalcos, ou por entre o casario e o verde que cobre os seus múltiplos e pequenos campos de cultivo, os cenários são impressionantes e fazem-nos meditar no esforço hercúleo dos residentes para, ao longo dos tempos, dominar a montanha agreste e dura.

Vidas perdidas no tempo...
(Foto da direita: Manuel Carreira)
Ao fundo a aldeia de Cabreiros, com as suas leiras em socalcos
A descida de Cabreiros para Rio de Frades é qualquer coisa de sensacional! Montanhas e montanhas a perder de vista, até às cumeadas de Montemuro, numa paisagem inesquecível. Para além de nós próprios, o silêncio é quebrado pelo sibilar suave da brisa que desce da montanha e, por vezes, pelo canto das aves. A nascente acompanhamos o vale da ribeira do Seixo, afluente do Rio de Frades, por sua vez afluente do Paivô.

A espectacular descida para o Rio de Frades e respectivas cascatas
Sobre as cascatas do Rio de Frades
Túnel mineiro de Rio de Frades
Da povoação de Rio de Frades, diz-se que foi fundada por frades jesuítas que ali procuraram refúgio na época pombalina, quando da extinção das ordens religiosas. Em Rio de Frades assentaram os alemães o seu centro de exploração mineira de volfrâmio, durante a 2.ª Guerra Mundial, que captavam em múltiplas minas abertas nos montes das cercanias. As minas foram abandonadas depois da guerra, encontrando-se as construções em ruínas. Mas antes da povoação de Rio de Frades, um ligeiro desvio em direcção ao rio conduz-nos a uma antiga galeria mineira, através da qual se acede a um autêntico paraíso, onde impera a água e o verde, numa mistura mágica e inesquecível.
Aspectos do paraíso nas margens do Rio de Frades, só acessível através do túnel mineiro
Já almoçados, e embora apetecesse ficar eternamente naquele paraíso, chegámos à povoação: Rio de Frades. Um café? Pois com certeza que sim ... pelo menos uma "imitação" de café, com água fervida propositadamente para nós e algo que nem soubemos bem o que era, saído de um frasco de Tofina de uma simpática aldeã que nos "ofereceu" cafés e bebidas refrescantes ... a 70 cêntimos cada "Tofina"!

Dois aspectos de Rio de Frades ... na "Rota do Ouro Negro"
Em Rio de Frades passámos do PR6 para o PR8, ora subindo a encosta da Pena Amarela, ora descendo para a ribeira do mesmo nome e voltando a subir, à vista da aldeia de Bouceguedim, no vale do Paivô. Nova sucessão de panorâmicas espectaculares, serpenteando à beira dos profundos e encaixados vales em cujas encostas os "pilhas" se aventuravam a abrir a rocha a golpes de picareta, na esperança de encontrarem o "ouro negro", que lhes permitiria fazer pequenas fortunas; os "pilhas" eram os que demandavam a serra sem contrato nem projecto, no tempo da dita "febre do volfrâmio".
Entre Rio de Frades e Pedrogão, nas encostas da Pena Amarela. Ao fundo, Bouceguedim, no vale do Paivô
Às quatro e meia da tarde estávamos à vista de Pedrogão. Já só nos faltava descer à ribeira de Bouceguedim ... e subir a bom subir para Fuste. Se ainda existe um mundo rural, a aldeia de Fuste é um testemunho vivo dessa ruralidade. Aquele ruído surdo, aquele chiar que estávamos a ouvir ao entrar na aldeia ... era mesmo o chiar dos carros de bois! A saudade aqui tem outra dimensão...

Pedrogão: ribeira de Bouceguedim
Entrada em Fuste
Fuste ainda vive ao som dos carros de bois
Domingo, último dia em terras de Arouca e do maciço da Gralheira. Dia de regresso a Lisboa, a caminhada tinha forçosamente de ser mais curta, mas não menos bela. Entre Souto Redondo e Rossas, seguimos parte do PR 2, "Caminhos do Urtigosa". A paisagem é mais rural, acompanhando campos cultivados, socalcos, castanheiros, carvalhos, cerejeiras, caminhos centenários de calçada, por vezes cobertos por frondosas ramadas. Passada a aldeia de Póvoa, por frondoso bosque de carvalhos, castanheiros e loureiros, descemos os ribeiros de Souto Redondo e de Escaiba, para o vale do Urtigosa. Rossas e a sua igreja matriz começa a avistar-se desde antes da pequena aldeia de Torneiro ... e antes das 12:30h tínhamos terminado as actividades deste fantástico fim de semana serrano.

Souto Redondo, 7.10.2012
Milheirais à entrada de Póvoa
Magia de luz, no bosque antes da aldeia de Torneiro
Em terras de Arouca - e como era preciso repôr energias - antes do regresso ainda houve lugar a um lauto almoço de vitela arouquesa, regada com um bom verde da zona. E, no regresso a Lisboa, fomos brindados por um espectacular pôr-do-Sol que fechou com chave de ouro estes três dias de "aventuras" com a  minha "família" caminheira!
Fabuloso pôr-do-Sol sobre a Serra
de Montejunto, no regresso a Lisboa
Ficam, como habitualmente, os percursos realizados e o vídeo desta fabulosa actividade.


2 comentários:

Lírio disse...

Mas que saudades desses ares de Xisto!!!
Uma zona muito especial e cheia de histórias,mesmo assim ainda me falta muito para conhecer! Já fiquei a saber mais umas coisas desses bandas, nomeadamente o túnel dos mineiros, terei de lá ir um dia!
Obrigada pela bela partilha, e pelas sensações transmitidas que tão bem as compreendo:)

Um grande abraço

Anónimo disse...

Deve ter sido espetacular.
Um site com um pouco de história de uma dessas aldeias:
https://sites.google.com/site/riodefradesaldeia/