domingo, 18 de outubro de 2015

Cumes de Somiedo e Ubiñas (1)

Sábado, 17 de Outubro, poucos minutos depois das seis da manhã: a maioria dos "mágicos" que iam construir uma semana mágica começavam a reunir-se no terminal rodoviário junto à gare do Oriente.
17 de Outubro ... a caminho do paraíso!
Três tinham vindo de comboio, do Porto e de Coimbra, alta madrugada. Um tinha vindo de Évora, de véspera, e ficado em minha casa ... tal como a "Alma de Montanhista", vinda do berço da nacionalidade. A primeira magia foi aliás o seu aparecimento, já que a sua participação foi mantida em segredo até à hora da partida... J
Em Videla, próximo do nó da A1/A23, entraram os últimos três elementos ... sendo um deles o próprio motorista do pequeno autocarro ... o mesmo da edição de 2014. Amigo, motorista e caminheiro vindo da "família" Gaspar Correia, o Paulo foi sempre o primeiro do grupo ... pelo menos ao volante... J. Depois ... seguiu-se a viagem sem história por Vilar Formoso, Salamanca, Zamora, a velha auto-estrada A66 ... até entrar no paraíso. E o paraíso escolhido para a primeira "aventura" deste ano era o cume mais alto do ocidente da Cordilheira Cantábrica: Peña Ubiña.

Peña Ubiña (Tuiza de Arriba - Torrebario)
Há muito que Peña Ubiña me cativava. O imponente maciço das Ubiñas e dos Huertos del Diablo chamava-me, cada vez que o vi recortado no horizonte, a partir de terras de Somiedo ou do vale de San Emiliano, como ainda o havíamos visto em 2014. Tinha a logística bem estudada ao pormenor, mas a feliz possibilidade de participação da Dorita, amante da escalada e conhecedora de Peña Ubiña ... deu-nos uma guia para o primeiro e mais alto dos três cumes que nos propusemos alcançar.
Estrada Cabrillanes - Tuiza de Arriba: falta pouco...
Na longa viagem de autocarro ... tivemos tempo para comemorar o aniversário do "mano" Zé Manel ... bem como para distribuir as t-shirts em boa hora por ele idealizadas para este evento, que se começava a tornar memorável desde as primeiras horas. E assim, 12 horas depois de sair de Lisboa, com o dia a declinar, estávamos na pequena aldeia de Tuiza de Arriba, nos confins do concelho asturiano de Lena ... aos pés de Peña Ubiña.
A estrada acaba ali, a pouco mais de 1200 metros de altitude ... mas o nosso destino era o Refúgio de Meicín, 350 metros mais acima. Estacionado o autocarro e carregadas as mochilas, a "aventura" estava finalmente a começar. Sob um céu cinzento, num dia a escurecer e debaixo de uma chuva miudinha, percorremos os pouco mais de 2 km até ao Refúgio.
Tuiza de Arriba, 19h00: o autocarro vai dormir ...
... e aí vamos nós montanha acima!

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Refúgio de Meicín ... em
dia de aniversário... J

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Para refúgio de montanha, o Refúgio de Meicín é um "hotel" de 5 estrelas. Bem equipado, boas instalações, a cordialidade da simpática guarda Tania, são características que logo nos cativaram. Ao jantar ... nem o bolo e as velas faltaram ao aniversário do Zé Manel ... mas às onze era a hora do silêncio ... um silêncio interrompido, durante a alta e escura noite, pelo soar das fortíssimas rajadas de vento e pela chuva que amedrontava ... os menos crédulos no pacto da Cristina com S. Pedro... J

18 de Outubro, 8:25h, no Refúgio de Meicín ... e a jornada vai começar...
O Domingo acordou com nuvens altas, ameaçadoras, mas também com as cores fantásticas de um nascer do Sol prometedor. Quase mil metros acima de nós, Peña Ubiña aguardava-nos. E a jornada começou, com a carga às costas, já que o percurso era de travessia. O Paulo acompanhou-nos até ao alto de Terreros, já que depois tinha de regressar ao autocarro e a Tuiza ... para fazer mais de 70km a contornar a cordilheira e para ir ao nosso encontro em Torrebario.
Rumo ao alto de Terreros. Peña Ubiña espera-nos...
La Carba, 2000 metros de altitude
À medida que subíamos, a panorâmica abria-se gradualmente para norte e nascente. O Refúgio parecia já um ponto perdido na imensidão da montanha. Em linha recta, não estávamos longe dos Puertos de Agüeria, primeiro percurso da edição 2014, já em terras de Quirós. A neblina adensou-se, o Sol teimava em não aparecer. Mas, confiantes nas previsões ... preparámo-nos para o ataque ao cume.
Na cumeada entre as vertentes asturiana e leonesa, entre as duas moles das Ubiñas - Peña Ubiña Pequeña (2193m) e Peña Ubiña La Grande (2417m) - La Carba é o ponto de mais fácil acesso ao cume. Este "mais fácil" significa pouco mais de 1 km de extensão ... mas mais de 400 metros de desnível. A nossa guia - a nossa "Alma de Montanhista" - tinha-nos feito o "filme" da "aventura"; com calma, requerendo alguns pontos de trepada - e de destrepada no regresso - subir ao cume estaria ao alcance de todos.
10:30h - Tinha começado a grande ascensão a Peña Ubiña
Ao longo da crista, 2370 metros de altitude
Vultos no nevoeiro...
Praticamente ao meio dia em ponto, a frente do "pelotão" atingiu os 2417 metros do cume de Peña Ubiña. O nevoeiro tinha fechado, ocultando-nos as fabulosas panorâmicas que dali seguramente veríamos. Mas, mesmo assim ... sentiamo-nos gnomos, actores de um conto de fadas e duendes; os deuses das Ubiñas pareciam querer tomar conta de nós ... e tomaram...
Cume de Peña Ubiña (2417m alt.): um pouco desfocados ... mas felizes... J
Nas Ubiñas, para a eternidade...
With arms wide open ...
e abraços com muita Alma... J
Vista aérea: o nevoeiro mágico abre janelas momentâneas para nosso deleite
Sensivelmente meia hora no cume ... e iniciámos a descida. Como que se não quisessem deixar-nos sair sem vislumbrar os horizontes, os deuses das Ubiñas sopravam as nuvens por fracções de segundo, que nos abriam janelas sobre o "mundo perdido" que estávamos a sobrevoar. Ali, entre a rocha e o céu, entre a neblina e os laivos do horizonte, sentíamo-nos pequenos, insignificantes, dependentes da Natureza que nos rodeava ... dependentes da Montanha, Senhora e Mãe.
No regresso a La Carba ... janelas abertas sobre um "mundo perdido"...
Por aqui ... houve alguém "agarrado" pelos deuses das Ubiñas...
E aqui, nesta descida do cume da Ubiña ... a Montanha foi, para mim, verdadeiramente Senhora e Mãe. Pela primeira vez em quase meio século de "aventuras", pela primeira vez em tantas fragas e pragas galgadas, tive um acidente que poderia ter sido trágico. Uma distância mal calculada, uma pequena distracção numa pequena fracção de segundo ... e o pé esquerdo falhou a rocha onde o ia apoiar. Desequilibrado, senti-me enrolar sobre mim próprio ... e aterrar mais abaixo, entre rochas ... com os pés acima da cabeça. Ouvi de imediato um sonoro "não lhe mexam, não lhe mexam" ... que me levou a dizer "Estou bem, não se assustem". E, para o que foi ... estava realmente bem! Vim a saber, pelos amigos que assistiram, que dei duas cambalhotas ao longo das rochas ... e que fui amortecido pela mochila, pelo impacto numa concavidade rochosa que me travou, e, seguramente ... pelos deuses das Ubiñas e da Montanha. Na base de onde iniciáramos a ascensão e à qual regressávamos, tinha ponderado, como vários outros, levar ou não levar a mochila ao cume. Decidi levá-la. Caso não o tivesse feito ... poderia não estar aqui para contar. A mochila funcionou como airbag ... mas alguma mão me agarrou naquela ravina, guiou a minha queda para o nicho rochoso onde aterrei...!
Regresso a La Carba, depois de uma aparatosa queda. As instruções da "comandante" eram agora ... que permanecesse sempre atrás dela. Obrigado ... grande "Alma de Montanhista"
Obrigado Montanha! Obrigado Ubiñas! Os teus deuses sabiam que ainda quero passar muito mais fragas; os teus deuses sabiam que eu tinha de guiar o resto do grupo nos dias seguintes, nas terras mágicas de Somiedo; os teus deuses sabiam ... que eu tinha de voltar para a minha estrela ... que, naturalmente ... só soube da queda 5 dias depois, quando voltei! Mas obrigado também, um grande obrigado, a todos os meus companheiros nesta "aventura", aos que assistiram e se assustaram mais do que eu, e, principalmente, à Rita e ao Arménio, que me trataram, primeiro no próprio local e, depois, no final dos dias que se seguiram, às várias mazelas resultantes deste incidente. Quase duas semanas depois ... ainda cá estão...
Quase três da tarde ... começou a descida para Torrebario
Da cumeada de La Carba já avistáramos terras de Somiedo, mas a tarde tornou-se mais cinzenta, por vezes com alguma chuva miudinha. Descíamos agora a vertente leonesa, em direcção poente, para o Vale de San Emiliano e para a pequena aldeia de Torrebario, que víamos sempre lá em baixo.
Pouco a norte de Torrebario tínhamos feito, em 2014, a primeira paragem no paraíso, próximo de Puerto Ventana ... e à vista do maciço das Ubiñas.
Torrebario mais próximo
Torrebario, 16:35h ... acabados de descer dos céus...
O "nosso" Paulo já tinha dado a volta com o autocarro, claro ... e à entrada de Torrebario o "mano" Zé Manel veio também ao nosso encontro. O bom senso aconselhara-o a poupar o joelho para as "aventuras" dos dias seguintes, pelo que, não tendo feito o cume de Peña Ubiña, desceu directamente de La Carba a Torrebario. Só então soube, portanto ... que alguém rebolara na descida da Ubiña...


Em Torrebario terminava a primeira caminhada e a primeira parte de uma semana mágica. Tínhamos feito o primeiro e mais alto cume dos "Cumes de Somiedo e Ubiñas". Por Torrestio e pela estrada florestal do vale do Traspando - onde o cruzamento com meia dúzia de carros não foi fácil... - o Paulo levou o autocarro aos 1700 metros de altitude do Alto da Farrapona ... onde estávamos a entrar em terras de Somiedo. O destino era Saliencia ... para 5 noites e 4 dias mágicos!...
17:25h - Cores de Somiedo, no Alto da Farrapona
O Albergue de Saliencia vai ser a nossa "casa" por 5 noites ...
(Escrito em Vale de Espinho, 29 de Outubro)

1 comentário:

joaquim Gomes disse...

Tudo escrito com a sabedoria e sensibilidade habitual, foi efectivamente um grande dia, um belo percurso, vivido e partilhado por um grande grupo de amigos unidos pela mesma paixão,todos ficamos mais enriquecidos no final.....um grande abraço.