Sábado, 17 de Outubro, poucos minutos depois das seis da manhã: a maioria dos "mágicos" que iam construir uma semana mágica começavam a reunir-se no terminal rodoviário junto à gare do Oriente.
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17 de Outubro ... a caminho do paraíso! |
Três tinham vindo de comboio, do Porto e de Coimbra, alta madrugada. Um tinha vindo de Évora, de véspera, e ficado em minha casa ... tal como a "
Alma de Montanhista", vinda do berço da nacionalidade. A primeira magia foi aliás o seu aparecimento, já que a sua participação foi mantida em segredo até à hora da partida...
J
Em Videla, próximo do nó da A1/A23, entraram os últimos três elementos ... sendo um deles o próprio motorista do pequeno autocarro ... o mesmo da edição de 2014. Amigo, motorista e caminheiro vindo da "família" Gaspar Correia, o Paulo foi sempre o primeiro do grupo ... pelo menos ao volante...
J. Depois ... seguiu-se a viagem sem história por
Vilar Formoso,
Salamanca,
Zamora, a velha auto-estrada A66 ... até entrar no paraíso. E o paraíso escolhido para a primeira "aventura" deste ano era o cume mais alto do ocidente da Cordilheira Cantábrica:
Peña Ubiña.
Peña Ubiña (Tuiza de Arriba - Torrebario)
Há muito que
Peña Ubiña me cativava. O imponente maciço das
Ubiñas e dos
Huertos del Diablo chamava-me, cada vez que o vi recortado no horizonte, a partir de terras de
Somiedo ou do vale de
San Emiliano, como ainda o havíamos visto em 2014. Tinha a logística bem estudada ao pormenor, mas a feliz possibilidade de participação da Dorita, amante da escalada e conhecedora de Peña Ubiña ... deu-nos uma guia para o primeiro e mais alto dos três cumes que nos propusemos alcançar.
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Estrada Cabrillanes - Tuiza de Arriba: falta pouco... |
Na longa viagem de autocarro ... tivemos tempo para comemorar o aniversário do "mano" Zé Manel ... bem como para distribuir as
t-shirts em boa hora por ele idealizadas para este evento, que se começava a tornar memorável desde as primeiras horas. E assim, 12 horas depois de sair de Lisboa, com o dia a declinar, estávamos na pequena aldeia de
Tuiza de Arriba, nos confins do concelho asturiano de Lena ... aos pés de
Peña Ubiña.
A estrada acaba ali, a pouco mais de 1200 metros de altitude ... mas o nosso destino era o
Refúgio de Meicín, 350 metros mais acima. Estacionado o autocarro e carregadas as mochilas, a "aventura" estava finalmente a começar. Sob um céu cinzento, num dia a escurecer e debaixo de uma chuva miudinha, percorremos os pouco mais de 2 km até ao Refúgio.
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Tuiza de Arriba, 19h00: o autocarro vai dormir ...
... e aí vamos nós montanha acima!
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dia de aniversário... J |
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Para refúgio de montanha, o
Refúgio de Meicín é um "hotel" de 5 estrelas. Bem equipado, boas instalações, a cordialidade da simpática guarda Tania, são características que logo nos cativaram. Ao jantar ... nem o bolo e as velas faltaram ao aniversário do Zé Manel ... mas às onze era a hora do silêncio ... um silêncio interrompido, durante a alta e escura noite, pelo soar das fortíssimas rajadas de vento e pela chuva que amedrontava ... os menos crédulos no pacto da Cristina com S. Pedro...
J
O Domingo acordou com nuvens altas, ameaçadoras, mas também com as cores fantásticas de um nascer do Sol prometedor. Quase mil metros acima de nós,
Peña Ubiña aguardava-nos. E a jornada começou, com a carga às costas, já que o percurso era de travessia. O Paulo acompanhou-nos até ao alto de
Terreros, já que depois tinha de regressar ao autocarro e a
Tuiza ... para fazer mais de 70km a contornar a cordilheira e para ir ao nosso encontro em
Torrebario.
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Rumo ao alto de Terreros. Peña Ubiña espera-nos... |
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La Carba, 2000 metros de altitude |
À medida que subíamos, a panorâmica abria-se gradualmente para norte e nascente. O Refúgio parecia já um ponto perdido na imensidão da montanha. Em linha recta, não estávamos longe dos
Puertos de Agüeria, primeiro percurso da edição 2014, já em terras de
Quirós. A neblina adensou-se, o Sol teimava em não aparecer. Mas, confiantes nas previsões ... preparámo-nos para o ataque ao cume.
Na cumeada entre as vertentes asturiana e leonesa, entre as duas moles das
Ubiñas -
Peña Ubiña Pequeña (2193m) e
Peña Ubiña La Grande (2417m) -
La Carba é o ponto de mais fácil acesso ao cume. Este "mais fácil" significa pouco mais de 1 km de extensão ... mas mais de 400 metros de desnível. A nossa guia - a nossa "
Alma de Montanhista" - tinha-nos feito o "filme" da "aventura"; com calma, requerendo alguns pontos de trepada - e de destrepada no regresso - subir ao cume estaria ao alcance de todos.
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10:30h - Tinha começado a grande ascensão a Peña Ubiña |
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Ao longo da crista, 2370 metros de altitude |
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Vultos no nevoeiro... |
Praticamente ao meio dia em ponto, a frente do "pelotão" atingiu os 2417 metros do cume de
Peña Ubiña. O nevoeiro tinha fechado, ocultando-nos as fabulosas panorâmicas que dali seguramente veríamos. Mas, mesmo assim ... sentiamo-nos gnomos, actores de um conto de fadas e duendes; os deuses das
Ubiñas pareciam querer tomar conta de nós ... e tomaram...
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Cume de Peña Ubiña (2417m alt.): um pouco desfocados ... mas felizes... J |
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Nas Ubiñas, para a eternidade... |
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With arms wide open ...
e abraços com muita Alma... J
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Vista aérea: o nevoeiro mágico abre janelas momentâneas para nosso deleite |
Sensivelmente meia hora no cume ... e iniciámos a descida. Como que se não quisessem deixar-nos sair sem vislumbrar os horizontes, os deuses das
Ubiñas sopravam as nuvens por fracções de segundo, que nos abriam janelas sobre o "mundo perdido" que estávamos a sobrevoar. Ali, entre a rocha e o céu, entre a neblina e os laivos do horizonte, sentíamo-nos pequenos, insignificantes, dependentes da Natureza que nos rodeava ... dependentes da Montanha, Senhora e Mãe.
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No regresso a La Carba ... janelas abertas sobre um "mundo perdido"... |
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Por aqui ... houve alguém "agarrado" pelos deuses das Ubiñas... |
E aqui, nesta descida do cume da
Ubiña ... a Montanha foi, para mim, verdadeiramente Senhora e Mãe. Pela primeira vez em quase meio século de "aventuras", pela primeira vez em tantas fragas e pragas galgadas, tive um acidente que poderia ter sido trágico. Uma distância mal calculada, uma pequena distracção numa pequena fracção de segundo ... e o pé esquerdo falhou a rocha onde o ia apoiar. Desequilibrado, senti-me enrolar sobre mim próprio ... e aterrar mais abaixo, entre rochas ... com os pés acima da cabeça. Ouvi de imediato um sonoro "
não lhe mexam, não lhe mexam" ... que me levou a dizer "
Estou bem, não se assustem". E, para o que foi ... estava realmente bem! Vim a saber, pelos amigos que assistiram, que dei duas cambalhotas ao longo das rochas ... e que fui amortecido pela mochila, pelo impacto numa concavidade rochosa que me travou, e, seguramente ... pelos deuses das
Ubiñas e da Montanha. Na base de onde iniciáramos a ascensão e à qual regressávamos, tinha ponderado, como vários outros, levar ou não levar a mochila ao cume. Decidi levá-la. Caso não o tivesse feito ... poderia não estar aqui para contar. A mochila funcionou como
airbag ... mas alguma mão me agarrou naquela ravina, guiou a minha queda para o nicho rochoso onde aterrei...!
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Regresso a La Carba, depois de uma aparatosa queda. As instruções da "comandante" eram agora ... que permanecesse sempre atrás dela. Obrigado ... grande "Alma de Montanhista" |
Obrigado
Montanha! Obrigado
Ubiñas! Os teus deuses sabiam que ainda quero passar muito mais fragas; os teus deuses sabiam que eu tinha de guiar o resto do grupo nos dias seguintes, nas terras mágicas de
Somiedo; os teus deuses sabiam ... que eu tinha de voltar para a minha estrela ... que, naturalmente ... só soube da queda 5 dias depois, quando voltei! Mas obrigado também, um grande obrigado, a todos os meus companheiros nesta "aventura", aos que assistiram e se assustaram mais do que eu, e, principalmente, à Rita e ao Arménio, que me trataram, primeiro no próprio local e, depois, no final dos dias que se seguiram, às várias mazelas resultantes deste incidente. Quase duas semanas depois ... ainda cá estão...
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Quase três da tarde ... começou a descida para Torrebario |
Da cumeada de
La Carba já avistáramos terras de
Somiedo, mas a tarde tornou-se mais cinzenta, por vezes com alguma chuva miudinha. Descíamos agora a vertente leonesa, em direcção poente, para o
Vale de San Emiliano e para a pequena aldeia de
Torrebario, que víamos sempre lá em baixo.
Pouco a norte de Torrebario tínhamos feito, em 2014, a primeira paragem no paraíso, próximo de
Puerto Ventana ... e à vista do maciço das
Ubiñas.
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Torrebario mais próximo |
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Torrebario, 16:35h ... acabados de descer dos céus... |
O "nosso" Paulo já tinha dado a volta com o autocarro, claro ... e à entrada de
Torrebario o "mano" Zé Manel veio também ao nosso encontro. O bom senso aconselhara-o a poupar o joelho para as "aventuras" dos dias seguintes, pelo que, não tendo feito o cume de Peña Ubiña, desceu directamente de La Carba a Torrebario. Só então soube, portanto ... que alguém rebolara na descida da
Ubiña...
Em Torrebario terminava a primeira caminhada e a primeira parte de uma semana mágica. Tínhamos feito o primeiro e mais alto cume dos "Cumes de Somiedo e Ubiñas". Por
Torrestio e pela estrada florestal do vale do Traspando - onde o cruzamento com meia dúzia de carros não foi fácil... - o Paulo levou o autocarro aos 1700 metros de altitude do
Alto da Farrapona ... onde estávamos a entrar em terras de
Somiedo. O destino era
Saliencia ... para 5 noites e 4 dias mágicos!...
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17:25h - Cores de Somiedo, no Alto da Farrapona |
1 comentário:
Tudo escrito com a sabedoria e sensibilidade habitual, foi efectivamente um grande dia, um belo percurso, vivido e partilhado por um grande grupo de amigos unidos pela mesma paixão,todos ficamos mais enriquecidos no final.....um grande abraço.
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