domingo, 28 de julho de 2019

Caminho Sudeste: Caminho rural Abrantes - Fátima

No último cerca de ano e meio, percorrer os Caminhos do Tejo, o Caminho Central Português de Santarém a Ansião, os Caminhos Nascente e Poente, em datas diversas, proporcionou-nos a mim e à minha "mana" Paula a criação de um grupo de amigos destas rotas ligadas aos Caminhos de Fátima e de Santiago.
Estação CP de Abrantes, 27.Jul.2019, 8h25 (Foto: Luís Martins)
Nem sempre com os mesmos elementos, mas quando em Março passado fomos de Tomar à Nazaré - nos Caminhos da Finisterra portuguesa - logo ficou em agenda percorrermos o Caminho Sudeste, mais um dos tantos Caminhos de Peregrinação abertos e marcados pela Associação de Amigos dos Caminhos de Fátima. Trata-se de um percurso maioritariamente ao longo de caminhos rurais, com início em Abrantes e passando por Constância, cujo troço final, desde o Outeiro das Matas, coincide com o Caminho Nascente.
Com 3 elementos a madrugarem desde Lisboa e a "mana" Paula a entrar em Santarém, antes das 8 e meia da manhã de sábado estávamos a sair do comboio na estação de Abrantes, que na realidade é no Rossio ao Sul do Tejo.

Num dia de verão que mais parecia de outono, debaixo de chuva miudinha, a nossa peregrinação começou, portanto, por atravessar o Tejo. Todo o Caminho está excelentemente marcado com as setas azuis de Fátima, acompanhadas por vezes com
Ermida de S. Lourenço,
o tradicional voto Santiagueiro de "Bom Caminho". Passámos à porta da Pousada de Juventude de Abrantes, onde em Setembro de 2015 fiquei com os Novos Trilhos na descida de Belver à Praia do Ribatejo, que marcou o início de uma ligação entre dois irmãos que se viria a consolidar ao longo da preparação para o Caminho Francês. Aliás, entre Abrantes e Constância ... a Paula lembrar-se-ia que parte deste Caminho Sudeste coincidiu com aquela memorável descida do Tejo.
Travessia da Ribeira de Abrançalha ...
... e da Ribeira da Pucariça,
próximo de Rio de Moinhos
À uma da tarde estávamos a entrar na sempre bela Constância, a vila poema, ali onde o Zêzere abraça o Tejo. O Sol espreitava timidamente, mas a chuva já se tinha afastado. Almoçámos debruçados sobre o Zêzere. A quantidade de gente que por ali passava o sábado era significativa, apesar das feições meteorológicas pouco convidativas.

Em Constância, a vila poema, sobre o Zêzere
E assim atravessamos o Zêzere para poente
(Fotos: Luís Martins)
Continuando a seguir as setas azuis, depois de Constância faltavam-nos cerca de 16 km para Vila Nova, destino da primeira etapa. Agora em direcção noroeste, próximo de Grou cruzámos o Caminho Central Português de Santiago, no troço entre a Golegã e Tomar que 3 dos 4 elementos deste fim de semana tínhamos percorrido em Setembro

Caminho Central
Português de Santiago,
próximo de Grou ...
mas o nosso Caminho
agora era o de Fátima
Na tarde de sábado, ainda caminhamos 4 Peregrinos... (Foto: Luís Martins)
A tarde estava bem mais fresca que a tarde tórrida de Setembro passado. Mesmo assim, contingências do destino e dos Caminhos, a nossa Madalena acusava já o desgaste dos quilómetros percorridos. Pouco antes de Peralva e a cerca de 6 km do final da etapa ... sentiu-se incapaz de continuar. E é nestas alturas que vem ao de cima o espírito solidário não só do grupo como de quem de algum modo está ligado aos Caminhos. O Luís contactou de imediato um responsável pela Sociedade Instrutiva Recreativa e Desportiva Vilanovense, a associação que gere o Albergue de Vila Nova. O Sr. Mário Lopes dispôs-se de imediato a ir buscar a Madalena ... e ainda eu e o Luís não tínhamos chegado a Peralva já ele vinha de jeep pelos caminhos ao nosso encontro. E a Madalena lá foi.
Albergue de Vila Nova, na antiga Escola Primária da aldeia

 
Às 18h30, com 36 km percorridos, estávamos nós três a chegar a Vila Nova. A Madalena já tinha descansado e tomado banho ... e ainda a ponderar o que faria no dia seguinte. Quanto ao Albergue ... óptimas instalações, uma adaptação da antiga Escola Primária para alojamento de peregrinos, um exemplo do que poderia e deveria ser feito em tantas outras escolas, casas florestais, de cantoneiros e outras. A Sociedade Instrutiva Recreativa e Desportiva Vilanovense, em conjunto com a Associação de Amigos dos Caminhos de Fátima, que conseguiu as camas, estão sem dúvida de parabéns, não sendo demais realçar aqui toda a amabilidade, cordialidade e disponibilidade demonstradas, num claro e bem patente espírito peregrino e de apoio aos peregrinos. Bem hajam!

E o jantar ... foi como se vê,
na Sociedade Recreativa,
mesmo em frente do Albergue
Entre Soudos e Vila do Paço, 28.Jul.2019, 7h30 ... um novo dia tinha nascido
O Domingo acordou mais risonho, com o Sol a iluminar os céus. A temperatura subiria, pelo que às sete da manhã estávamos a partir de Vila Nova. Só três; a Madalena preferiu não abusar, até porque além da indisposição da véspera havia também um joelho a queixar-se. Assim ... chegou a Fátima mais cedo do que nós, de táxi desde o Albergue/Escola. Nós, começávamos a ver a oeste a serrania que tínhamos pela frente, numa etapa com menos 11 km mas com bastante mais altimetria.

Avançando para noroeste, seguindo as setas. Aldeias, caminhos rurais, serra ... Natureza!
Outeiro Pequeno, Carvalhal do Pombo, Rexaldia ... topónimos que se sucediam. A meio da manhã perguntámos por um café, indicaram-nos o Bar do Centro Cultural e Recreativo de Rexaldia ... uma excelente referência de simpatia ... e de bons pastéis de nata. Quase sempre por belos caminhos rurais e em gradual ascensão, antes das dez e meia estávamos no Outeiro das Matas. A 10 km do destino, tínhamos acabado de entrar no Caminho Nascente, Tomar - Fátima.
Alveijar: é para a esquerda ou para a direita?...
A partir dali era terreno conhecido. Tal como em Março, parámos para um pequeno reforço na Tasca de São Bernardo, que nada mais é do que um simpático recantozinho na aldeia, com assador, balcão e bancos, onde a população se reúne nas festas de São Bernardo, padroeiro do lugar. E em Alveijar, também tal como em Março, lá demos de novo de caras com o insólito das setas em sentidos opostos, obra insólita do Turismo de Portugal, a adulterar o trabalho voluntário de peregrinos, na "famosa" invenção da suposta "Rota das Carmelitas" ... que nunca existiu.
No horizonte, a norte, o Castelo de Ourém
Ao meio dia e meia hora estávamos em Fátima, na "rotunda dos pastorinhos"
Fátima, 12h40, com 61 km percorridos desde Abrantes
Dez minutos depois chegávamos ao Santuário. Tínhamos percorrido mais um Caminho. Encontrámo-nos com a Madalena junto à Capelinha das Aparições. Um mundo de gente circulava por todo aquele espaço. A massificação retira muito do que se possa sentir ao chegar. Fátima não é Santiago. Mas foi um belo fim de semana de Amizade, de convívio, de caminhar / peregrinar ... até porque...
Caminhar é encontrar-me comigo ... abrir um espaço para escutar o meu coração.
Mas, e os antigos sabiam-no, peregrinar exige tempo e determinação.
É preciso deixar que o corpo doa até deixar de doer...
É preciso recolhimento. E sinceridade. Largar o ruído do mundo...
Caminhar até que o destino perca toda a relevância.
Não é por acaso que, ao longo dos tempos, todas as religiões e filosofias aplicadas reservam um lugar especial à peregrinação. Como o reservam ao jejum. A renúncia e a entrega, dois exercícios tão difíceis quanto preciosos, que conduzem à percepção do essencial.
Gosto de peregrinar...
(Paula Moura Pinheiro, jornalista, in "Peregrinação", de Leonor Xavier)
Clique para ver o álbum completo

Sem comentários: