Na serra, ainda hoje se vê uma estrela que brilha de maneira diferente das outras, como que à procura do velho pastor. É a estrela Aldebaran, a mais brilhante da constelação do Touro.
Há 6 mil anos, esta estrela nascia exactamente sobre a serra no final de Abril, quando os pastores neolíticos se deslocavam para as pastagens mais altas, onde permaneciam durante os meses quentes.
 |
Panorâmica próximo da Torre, Serra da Estrela, 11.11.2017, 8h55 |
Não sei se o velho pastor se chamaria João, nem se a sua companheira, se é que a tinha, se chamaria Isabel ... mas o João e a Isabel, "velhos" apaixonados pela
Serra da Estrela, residentes na
Covilhã e companheiros em diversas "aventuras" por outras fragas, há muito que me desafiavam, e à minha estrela, para uma actividade nesta serra que é um pouco deles. E o desafio ... teve resposta neste fim de semana que acabámos de viver, com um grupo de mais de trinta outros amantes da montanha e dos grandes espaços. A
Pousada de Juventude das Penhas da Saúde foi a base em que nos reunimos na sexta à noite ... e sábado às 8h30 estávamos a iniciar uma fabulosa caminhada.
 |
Pátria granítica... |
Partindo do cruzamento junto à
Torre, a 1948 metros de altitude, bordejámos as ladeiras íngremes sobre o
Covão Cimeiro, as Lagoas dos
Cântaros e do
Peixão e o fabuloso vale da Ribeira da
Candieira, para depois rumarmos a noroeste, atravessando as
Chancas.
Apesar do Sol, a água das lagoas estava cristalizada à superfície, formando uma grossa camada de gelo. Contudo, o solo, ali habitualmente bem encharcado, pouca ou nenhuma água continha, como consequência da seca que nos tem assolado.
 |
Sim ... é gelo |
 |
mesmo!... |
Antes das dez e meia estávamos no geodésico do
Cume, a 1858 metros de altitude. O objectivo seguinte era a
Lagoa dos Conchos, ou
Covão dos Conchos. À primeira vista, parece uma lagoa vulgar, mas na realidade é uma pequena barragem que desvia as águas da
Ribeira das Naves para a Barragem da
Lagoa Comprida, através de um túnel com 1519 metros de comprimento, construído em 1955, cuja entrada é uma espécie de vórtice, ou funil, no extremo ocidental da lagoa. O funil do Covão dos Conchos é célebre nas redes sociais, onde já foi comparado ao cenário de um filme de ficção científica, com a água a precipitar-se para o seu interior. Nas minhas anteriores "aventuras" na Serra da Estrela, curiosamente nunca se tinha proporcionado conhecê-lo ... mas o baixo nível da água não nos permitiu ver se não as paredes de betão e granito daquele "misterioso" vórtice.
 |
Barragem do Covão dos Conchos e o seu "misterioso" vórtice ... acima do nível actual das águas... 😪 |
Continuando a atravessar o planalto central, ao fundo avistávamos já os
Fragões das
Penhas Douradas. O almoço estava "marcado" para outro local emblemático da Serra, este já meu "velho" conhecido: a
Nave da Mestra. Reza a história que um juiz, o Dr. Matos, construiu ali a sua casa de férias em 1910. A construção foi concretizada pela mão-de-obra vinda de Manteigas em cima de mulas, por um caminho que ainda hoje existe, ajudada por macacos hidráulicos utilizados para levantar as pedras gigantes, incluindo aquela que constitui o gigantesco telhado da casa.
 |
A caminho da Nave da Mestra |
 |
Covão da Nave da Mestra, visto do cimo da respectiva Fenda de acesso, ou "talisca" |
 |
Descida da Talisca, fenda natural na rocha, que dá acesso à Casa do Juiz |
 |
A Casa do Juiz e o amplo Covão da Nave da Mestra |
Pouco mais de meia hora para almoçar - e alguns ainda para uma sesta...
😛 - e pouco depois das duas estávamos de novo em marcha, a nordeste do geodésico do
Piornal, de novo em direcção ao
Cume.
 |
Da Nave da Mestra ao Cume ... com vultos na paisagem... |
Pouco depois das três e meia estávamos próximos da estrada da
Lagoa Comprida e frente à
Garganta de Loriga, com 17 km percorridos. Tínhamos sensivelmente mais uma hora e meia de luz ... o suficiente para completar a jornada com um
tour pela parte superior daquele mítico desfiladeiro e pelas lagoas do
Covão do Quelhas e
Serrano, completando quase 23 km de serra.
 |
Sobre o Covão do Boeiro e o Covão do Meio, na espectacular Garganta de Loriga |
 |
Lagoa do Covão do Quelhas |
 |
Lagoa Serrano |
Cinco e um quarto, com o Sol a por-se ... e estávamos de novo no cruzamento da
Torre, de regresso aos carros. A caminhada tinha sido durinha, mas estávamos de alma cheia. Cheia de Sol, cheia de cor, cheia de Vida! E mais tarde ... ficaríamos também cheios de um magnífico jantar e convívio, no Restaurante "
Varandas da Estrela", mesmo junto à
Pousada de Juventude.
Rota do Sol e das Faias
Para o segundo dia deste fim de semana serrano, os nossos "pastores" João e Isabel reservavam-nos a fabulosa paleta de cores de um percurso com base em
Manteigas, misto do PR11 (Rota do Sol) e do PR13 (Rota das Faias). Pouco depois das nove da manhã estávamos a sair da vila, cruzando a Ribeira das Forcadas e subindo o pronunciado vale da
Ribeira de Pendil, que há 4 anos descera, no segundo dia da minha
Travessia da Serra da Estrela.
 |
Rota do Sol (PR11), 12.11.2017: Manteigas fica para trás ... rumo ao Sol |
À medida que deixávamos
Manteigas para trás, o vale do
Zêzere apresentava-se em toda a sua imponência. E antes das onze horas estávamos junto à
Capela de S. Lourenço, com as aldeias do
Sameiro e
Vale de Amoreira aos nossos pés, nas margens do Zêzere.
 |
O vale glaciar do Zêzere, visto do cimo do vale de Pendil |
 |
A caminho da Capela de S. Lourenço, o Outono dá-nos uma antevisão do que vamos encontrar na Mata das Faias |
 |
Capela de S. Lourenço ... na magia dançante do Sol e de um velho carvalho |
 |
Contemplando o vale do Zêzere, do miradouro |
 |
natural junto à Capela de S. Lourenço |
A seguir à Capela e ao geodésico do mesmo nome ... entraríamos no paraíso! Sim ... os paraísos ainda existem. A
Rota das Faias ziguezagueia na vertente oeste da serra de S. Lourenço ... e brindou-nos com uma autêntica explosão de cores e de tons. As imagens falam mais alto que quaisquer palavras...
 |
Rota das Faias ... uma magia de cor, de sensações, do som das folhas pisadas, do vento na ramagem ... o paraíso existe! |
 |
E regressamos ao vale da Ribeira de Pendil ... |
 |
... e a Manteigas |
À uma e meia estávamos de regresso à vila de
Manteigas. O fim de semana aproximava-se do fim. E, fechando com chave de ouro o que foram dois dias fabulosos ... os estômagos foram aconchegados no restaurante "
Vale do Zêzere". O desafio estava cumprido! Se a alma do velho pastor que adorava a estrela Aldebaran ainda paira pelas fragas da Serra ... é testemunha do muito que estas mais de trinta almas adoraram estas duas jornadas pelas cores do Outono serrano. Obrigado, João e Isabel! Das paisagens à Amizade, ao convívio, à organização (e até à gastronomia) ... tudo foi 5 estrelas nestas Cores de Outono, na Serra da Estrela!