48 horas depois do primeiro "directo" ... cá estou a relatar a "aventura". A
rede telemóvel só hoje voltou a ser suficiente para "transmitir" ...
transmitir o turbilhão de sentimentos de êxtase que são intransmissíveis,
infotografáveis, infilmáveis, mas que estão para todo o sempre guardados no
mais íntimo das minhas vivências, no mais profundo das minhas recordações.
"Nas montanhas encontro a simplicidade que o Homem nunca terá,
o amor incondicional tanto apregoado mas que ninguém conhece,
que dá e recebe e nunca mentirá…
Uma cabana que proporciona todo o conforto que jamais a luxúria
dará.
Serra! Tão simples e tão bela! ....
Paz de espírito, beleza rara, pura e simples, onde encontrar?
Serra! De fingimentos não precisa, nem de mostrar o que não tem,
pois ninguém olhará com ar de desdém!
E de mais não precisa, quem tudo isto na montanha sente, tem, e não
tem..."
Recuemos à minha primeira noite, no
trilho da cumeada: dois
polares e o saco cama permitiram uma noite suficientemente quente, até ao
despontar dos primeiros alvores de um novo dia. Quando me apercebo, pouco
passava das seis da manhã, confirmo todas as previsões meteorológicas: o
Xurés galego estende-se em frente da tenda; não há uma nuvem
no céu!
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9.05.2011, 6h:06 - no algures belo onde passei a noite, o dia começa
despontar...
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... e o dia desponta esplendoroso! Ao fundo, a barragem de
Vilarinho das Furnas
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Pequeno almoço (a penúltima sandes, leite com chocolate…), higiene matinal
(com toalhetes tipo avião…), arrumar a tralha, desmontar a tenda … e às 7:25h
estou a partir para o resto do trilho da cumeada, do qual aliás tinha feito
menos de metade. E assim, ora aproximando-me das vertiginosas vertentes da
Encosta do Sol, ora mais próximo da linha de fronteira e da
vertente galega, a minha "aventura" vai progredindo.
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E a "aventura" progride, no reino do granito...
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... por entre paisagens de sonho e de êxtase
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Por comunicação via internet, sabia que um meu "cúmplice" de paixão,
responsável pelo blog "
Carris", vinha ao meu encontro precisamente nos
Carris. Uma hora
de marcha e estou aos 1400 metros de altitude. A partir daí, a progressão é
razoavelmente plana. Avisto o
Outeiro da Meda, o
Curral das Albas, sigo para a
Amoreira … e
reconheço o já meu conhecido pico do
Sobreiro, que com os
seus 1538 metros de altitude é o segundo ponto mais alto do
Gerês, a seguir à
Nevosa. Antes das 10:30h,
atravesso a
Corga dos Salgueiros da Amoreira. Dá-me tempo à
vontade de chegar aos Carris antes do Rui Barbosa, que me havia dito sair da
Portela do Homem às 9:30h. Decido subir a encosta sul do pico
dos Carris, directamente para o que resta daquela aldeia mineira. E às 11:20h
chego, pela terceira vez, aos
Carris! Não foi portanto ainda
desta vez que ali assisti ao nascer do Sol … mas também não terá sido
certamente a última vez que subi aos Carris…
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9.05.2011, 11:20h: chego mais uma vez aos Carris!
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Lagoa dos Carris, com a Nevosa ao
fundo
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Mochila a assinalar a minha presença à entrada, vejo chegar dois caminhantes
àquelas paragens agrestes. São checos, amantes dos percursos pedestres. E faço
tempo à espera do Rui Barbosa, ocupo-o com uma pequena "peregrinação" por
entre as ruínas. Acerco-me da vertente da
Lamalonga, vou até
à beira da lagoa dos Carris. Defronte de mim, a
Nevosa imponente … e lá ao fundo Pitões.
Pitões das Júnias … a aldeia mágica! Regresso à entrada do
complexo mineiro, refresco-me nas águas límpidas e frescas, almoço. O Rui
Barbosa não chega … e poucos minutos antes da uma da tarde decido começar a
descer o estradão, ao seu encontro. E é assim que conheço pessoalmente o
responsável pelo blog "
Carris", afinal acompanhado por outro amante destas terras e igualmente
"blogueiro" da Natureza e do Gerês, através do blog "
Portugal Nature". Vieram também pela Encosta do Sol, mas descendo depois ao Teixo e ao velho
estradão mineiro em que nos encontrámos. Trocamos impressões, partilho as
ideias que tenho em mente, como já o havia feito por mail … mas têm o carro na
Portela do Homem, onde portanto têm de regressar. Definitivamente … a minha
"aventura" era para viver a solo! O Rui e o Xavier seguem para os
Carris … eu sigo para as
Lamas de Homem.
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Curral das Abrótegas
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Ponte das Abrótegas, alto Homem
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Lamas de Homem. Apetece-me citar Xuacu Amieva ...
"onde l'agua ñaz". Aqui nasce o Rio Homem!
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Os prados e lameiros das
Lamas de Homem são a fonte de onde
brota o
Rio Homem. Pouco antes da
Ponte das Abrótegas, abandono o estradão mineiro, em direcção
ao sul, subindo o rio recém nascido, que cruzo por volta das 13:30h … para
recomeçar a subir. A 1460 metros de altitude, um pouco a norte dos
Cocões do Concelinho, o êxtase da panorâmica que se me
apresenta leva-me a uma paragem, para partilhar com a família e amigos a
sensação extraordinária de ali estar. Num ângulo de 180º, toda a vertente
leste e sul da Serra do Gerês aparece aos meus pés, com
Pitões no horizonte, mas uma povoação maior - em princípio
Montalegre - ainda mais ao longe. Mais perto, as aldeias
do sul do Gerês -
Cela,
Lapela,
Xertelo,
Cabril - e o vale do
Cávado. E, mais perto mas bem mais abaixo de mim, as
Lagoas do Marinho, onde havia estado já em 2008. Estava bem
no coração do Gerês profundo. Sentia-me no topo do mundo, rei daquela
panorâmica ímpar ... daquele "
reino maravilhoso"!
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Ao fundo, as Lagoas do Marinho
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No coração do Gerês profundo. No topo do mundo, eu era rei daquela
panorâmica ímpar ... daquele "reino maravilhoso"!
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Contorno a face oeste dos
Cocões do Concelinho, desço ao vale
da
Corga das Mestras, que acompanho durante quase meia hora.
O trilho ruma depois a sudeste. Reaparecem as
Lagoas do Marinho, já mais perto, e desço para as
Minas do Borrageiro. Muito mais modesto que os Carris, este
complexo mineiro está contudo no mesmo estado de degradação e abandono.
Quantas histórias, quanto sofrimento, quanta dor guardarão aquelas ruínas. A
saga do volfrâmio deixou memórias nas terras e nas gentes do Gerês.
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Rumo ao Penedo Redondo e às
Minas do Borrageiro
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Corga das Mestras
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Minas do Borrageiro. A saga do volfrâmio deixou
memórias nas terras e nas gentes do Gerês.
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São 16:15h quando deixo o
Borrageiro. A tarde está quente.
Com o
Penedo Redondo bem à minha frente, falta-me pouco para
as
Lagoas do Marinho, ou para o estradão do
Porto da Laje, meu próximo objectivo. Meia hora depois, aos
1200 metros de altitude … encontro contudo uns convidativos e frescos prados,
quase suspensos sobre o abrupto vale do Porto da Laje. Ainda umas boas duas
horas e meia de descanso, com bom Sol e água fresca, eram uma tentação difícil
de resistir. E a tentação venceu...! Que cenário! Entrada da tenda virada para
o vale, só apetecia rebolar naquela relva verde e fresca! A descida ao
Porto da Laje ficaria para o dia seguinte, mantendo-se
possíveis as duas hipóteses estudadas a partir daí: regressar ao Gerês via
Fichinhas e
Conho, onde poderia dormir a
terceira e última noite, ou descer para
Fafião, completando
nesse caso uma travessia total da serra, no sentido norte/sul. Tinha feito 7
km desde os Carris, quase 15 km desde manhã, quase 20 km desde a
Portela do Homem.
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Sobre o vale do Porto da Laje, onde resolvi dar-me um
fim de tarde soalheiro, contemplando o indescritível...
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... e com este jardim
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por companhia!
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A noite foi muito menos fria do que a anterior. Quando acordei, o Sol já
começara a preencher o vale do
Porto da Laje. O cenário era
de sonho! Mas 20 minutos antes das 9 da manhã deixo aqueles prados, que foram
a minha "casa" por um fim de tarde soalheiro e uma noite amena. O trilho
sobe um pouco a encosta … e cheguei ao morro onde havia subido em Julho de
2008, a partir das
Lagoas do Marinho, que agora vejo pela
última vez. Às 9 horas estou no estradão do Porto da Laje, precisamente no
ponto extremo onde naquele ano tinha feito inversão. Desta vez ia mesmo
descê-lo: 5,5 km de um velho estradão, que conduz a uma velha mini-albufeira,
construída no rio da
Pigarreira, bem no fundo daquele
profundo e apertado vale. O
Penedo Redondo vai ficando para
trás, cruzo as Corgas da
Mão de Cavalo e de
Valongo, começo a ver a face leste do maciço das
Sombrosas. E às 10:10h chego ao
Porto da Laje, a 790 metros de altitude: tinha descido mais
de 400 metros. Ali se juntam o rio da
Pigarreira e o rio da
Touça, vindo este último do profundo vale que bordeja a face
oeste das
Sombrosas. Meia dúzia de vacas eram as guardiãs do
Porto da Laje!
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10.05.2011: já no estradão do Porto da Laje, descendo
para o vale
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Primeira vista das Sombrosas, face leste
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E chego ao Porto da Laje
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O dia soalheiro, algum calor, o esforço acumulado e as águas límpidas
convidavam ao banho. Na margem mesmo da albufeira, larguei a tralha … e tentei
entrar. Mas a água era gélida! Até doía os ossos! Só deu portanto ... para
"chafurdar". Mas foi o suficiente para revitalizar! As vacas vigiavam-me,
atentas. E no
Porto da Laje havia que decidir: Fafião ou
Conho? Para o Conho, subiria o vale do rio da Touça, ao longo das
Sombrosas, contornando depois as
Fichinhas,
em direcção à
Mourisca e àqueles prados de altitude; seriam 5
km sempre a subir, voltando aos 1250 metros, num resto de manhã e tarde que
prometia ser quente. Para
Fafião era mais longe (cerca de 8
km), mas quase sempre a descer, ao longo das encostas do rio do Porto da Laje,
que não é mais do que a continuação, para sul, do rio da
Pigarreira. E foi esta última opção que tomei, deixando
portanto as Sombrosas gradualmente para trás, deixando também as Fichinhas,
Mourisca, Conho e outras zonas para outras "aventuras". As terras mágicas do
Gerês têm ainda muito para me revelar!
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Vale do Rio de Fafião
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Ainda as Sombrosas, agora vistas de sul
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À medida que progredia, ia achando que tinha tomado a melhor opção: o trilho
era espectacular, com panorâmicas assombrosas sobre o vale, sempre com as
Sombrosas a fechá-lo a norte; para sul, recomeçava a
desenhar-se o vale do
Cávado, com a
Serra da Cabreira a fechar o horizonte. O trilho por vezes
sobe um pouco a encosta, para contornar as cabeceiras das muitas corgas que
descem para a margem esquerda do rio Fafião … novo nome do mesmo rio do Porto
da Laje e da Pigarreira. Num pequeno troço do percurso … a parede rochosa é
nua e mal se sabe bem onde pôr os pés … mas rapidamente a sensação de
insegurança é ultrapassada; um corrimão de corda faria ali bastante falta. Um
pouco mais à frente o trilho continua estreito … mas suficientemente largo
para uma simpática vaca ter feito quase 1 km à minha frente... Ela lá saberia
de onde vinha e para onde ia, mas ficou a beber água num pequeno ribeiro,
quando o carreiro se abriu para novos e vastos prados verdes, uns 4,5 km ainda
a norte de
Fafião. Seguramente era para ali que ia a minha
companheira naquele último quilómetro, juntar-se às suas congéneres e aos
cavalos que por ali pastavam livremente.
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Prados a norte de Fafião
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Passados os prados, o trilho dá lugar a um estradão rural, com uma inclinação
bastante razoável nalguns troços; os dedos dos pés acusam a inclinação…!
Reaproximo-me do rio de
Fafião, a altitude é já de apenas 600
metros. Do outro lado do vale percebe-se a encosta do
rio Conho e da
Malhadoura … outras áreas a
explorar. 2,5 km antes de Fafião … surge uma fonte providencial; quase tomo
banho nela! E às 15:30h, mais cedo do que havia previsto, entro em
Fafião, a 500 metros de altitude, com 14,5 km percorridos
desde manhã.
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10.05.2011, 15:30h: Chego a Fafião ... e ao fim da
"aventura"
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Ao optar pela travessia para
Fafião - e tendo programado
regressar a casa amanhã, 4ª feira - a ideia era prosseguir para
Salamonde (menos de 5 km), ou para o
Gerês (14,5 km, pela
Malhadoura e
Arado); nesta segunda hipótese, dormiria provavelmente na
Malhadoura. Ou descansaria por ali mesmo, nos "arredores" de
Fafião; no dia seguinte rapidamente estaria em Salamonde. Depois, em Salamonde
ou no Gerês, apanharia o autocarro para Braga … e regressaria a casa.
Estava eu nestas congeminações … quando um simpático casal de aldeões, ele ao
volante de um velho Opel que mais parecia saído do "Conta-me como foi", se
aproxima de mim e pergunta: “então quem é o senhor? o que faz por aqui?”. Respondi: “se eu lhes disser de onde é que venho, a pé, não acreditam…”; e logo acrescentei: “venho dos Carris, e antes disso da Portela do Homem!”. Resposta: “acredito sim, a gente conhece isso tudo, dantes andava por aí sempre, com o
gado”. E eu esclareço: “amanhã vou apanhar o autocarro em Salamonde, ou no Gerês, para ir para
casa, já aqui ando há 3 dias”. É então que o diálogo me espanta: “homem, venha daí mas é connosco, nós vamos para o Gerês, lá tem mais
autocarros do que em Salamonde” … o que era um facto. A proposta era portanto tentadora … e aceitei-a.
Assim, meto a mochila no carro e, naquele velho Opel talvez dos anos 70, lá
vamos pela velha estrada da Ermida.
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