domingo, 8 de setembro de 2024

Ascensão ao Teide, pelo trilho 0.4.0 (3)

3718 metros de emoção ... una aventura del mar al cielo... (2ª etapa)

Domingo, dia 8, era o dia em que tínhamos os bilhetes para o teleférico (3 de subida e 4 de descida) e o permiso para o cume do Teide. E era também o dia da minha 2ª etapa da ascensão a solo! Saí de Puerto de la Cruz mais cedo ainda do que na véspera. O taxista que me levou estava deveras preocupado, ao deixar-me sozinho à beira da carretera, ainda noite cerrada. Tengo luz, descansei-o eu ... e comecei a subir o trilho que na véspera havia descido, até à Degollada del cedro.
08.09.2024, 07h30 - A montanha
chama-me, o dia nasce, o caminho revela-se...
Degollada del cedro, 07h45 - Entre sombras e luz, a aurora pinta o Teide em tons de promessa e de esperança!
Até à base do imponente cone vulcânico, o trilho sobe suavemente, através de uma paisagem que começa a parecer lunar. Em sincronia com a terra, sentia-me ao mesmo tempo esperançoso e apreensivo, agradecendo ao Universo que me guiava, mas ao mesmo tempo pedindo forças para o enorme desafio que sabia ter pela frente.
Paisagem "lunar" entre a Montaña de los Tomillos e o Teide (2100 a 2400m alt.)
A meio daquela paisagem lunar, eram umas 08h40, recebo uma mensagem da Volcano Teide - a empresa do teleférico - informando-me que, por razones meteorológicas adversas ... não havia teleférico! Fiquei estupefacto, já que o dia estava fabuloso; só mais tarde me viria a aperceber que a razão era o vento forte, na encosta sul. As alternativas eram adiar para outra data, ou cancelar. Mas ... o que fazer? Em princípio teria tempo para descer do cume até algum ponto em que os meus três companheiros me resgatassem, mas eles ficavam sem a possibilidade de conhecer a montanha 😓

Zona dos Huevos del Teide, entre os 2400 e os 2700 metros de altitude ... ainda por estradão de bom piso...
Os huevos del Teide não são ovos de nenhuma criatura mítica! São bombas vulcânicas de acreção, expelidas durante as erupções ou desprendidas da frente de uma escoada de lava. Em contacto com o ar frio, solidificaram rapidamente, em formas ovaladas ou arredondadas, ao rolarem pela encosta.
Às 10h30 estava no fim do estradão, a 2720 metros de altitude. Faltavam subir mil metros ... em menos de 5 km
O que tinha agora pela frente sabia que era o troço mais duro desta aventura ... mas não sabia que ia levar 5 horas para subir menos de 5 km! Não há fotos nem texto que transmitam o que é esta ascensão do Teide, particularmente no esforço acumulado de uma subida desde o mar ... mesmo que em duas etapas. A carrinha da foto acima, no fim do estradão, é do Parque Nacional (os únicos veículos permitidos) e os dois guardas estavam ali para lembrar que não havia teleférico. Ao contrário da maior parte do percurso, desde os huevos del Teide que havia um número razoável de montanheiros, vindos principalmente do estacionamento de Montaña Blanca, na estrada TF-21. A maioria ultrapassava-me facilmente ... até porque optei por fazer paragens sucessivas, cada vez que via que atingia as 140 pulsações por minuto. A força anímica era grande ... mas convinha manter também o bom senso.

Às 11h30 passava os 3000m de altitude. Cada passo era uma batalha entre a rocha e o céu infinito...
A próxima meta era o Refúgio Altavista, a 3270 metros de altitude. Sabia contudo que o Refúgio está fechado, excepto um pequeno anexo com 3 beliches, mesmo assim semi-abandonado. Eram quase 12h30 quando o avistei. Faltavam 2,5 km para o cume. Levei ... 2 horas e 45 minutos...

Refúgio Altavista, 12h30, 3270m alt. ... e uma pena imensa de não poder desfrutar das suas acomodações 😓
Não se compreende o encerramento do Refúgio Altavista, desde a pandemia. Pelas descrições, as instalações eram óptimas e podiam acomodar um total de 54 montanhistas ... o que até talvez fosse demais. Se estivesse aberto ... certamente teria prolongado a primeira etapa até lá; chegaria seguramente ao pôr-do-Sol ... o que me permitiria testemunhar a sinfonia de cores do anoitecer e do amanhecer. Mas o que conta é cada vez mais o presente; a minha subida aos céus era para continuar...


Altavista ficou para trás. Nestas 6 fotos, subi apenas 200 metros ... em uma hora. Onde está o trilho?...
Escondido pela sua própria proximidade, o cume do Teide voltou a surgir aos 3480 metros de altitude. O calor que se fizera sentir até à base do cone já só se mantinha pelo esforço da subida ... e o vento frio obrigou a que, primeiro a camisola e depois o blusão, saíssem da mochila. Sabia que tinha montanhistas à minha frente e outros atrás de mim, o que me dava alguma segurança. Se estivesse completamente sozinho ... não sei se teria continuado. Mas o Universo parecia querer falar comigo ... eu ouvia-o dizer-me ... "tem fé ... vais conseguir ". E naquele passo cadenciado ... continuei.

La Rambleta (duas primeiras imagens), 13h55, 3540m alt. ... e, através de uma paisagem apocalíptica,
às 14h15 chego à estação superior do teleférico, encerrado devido ao vento forte
Vários dos montanheiros, de diversas nacionalidades, que tinham passado por mim, estavam na plataforma do teleférico. Uns já tinham subido ao cume, outros iam subir. Teoricamente, é dali ao cume que é obrigatório ter o permiso do Parque Nacional ... mas com o teleférico encerrado não há ninguém a pedi-lo! A vantagem de não haver teleférico é termos o Teide só para nós, dizia-me um espanhol que já era a segunda ou terceira vez que subia. Acredito que, com o teleférico a funcionar ... parte da magia da montanha se perca, com a massificação de turistas. Faltavam agora 700 metros para o cume!
A imensa cratera principal do Teide, vista da plataforma do teleférico. A partir daqui são só 700 metros ... levei 1 hora...
E também a estação do teleférico ficou para trás ... e para baixo. Eram 14h25
Na subida ao cume, uma pequena gruta serve-me
momentaneamente de guarida...
... e de repente ... espanto-me com a presença da neve, misturada aqui e ali com laivos de enxofre, cujo cheiro se sentia no ar!
Os últimos metros são quase de escalada. O registo da altitude vai marcando ... 3600m ... 3700m ... e o registo cardíaco volta a bater nas 140 pulsações. Mas já não era só o esforço físico ... era também o êxtase, a euforia do desafio superado ... tanto mais que cheguei ao cume completamente a solo, como a solo tinha feito quase toda a ascensão, desde as ondas na areia da Playa del Socorro.

15h00 ... por entre pequenas fumarolas, estou a chegar ao cume, numa mistura de sensações e emoções!
Eram três e pouco quando pisei as últimas rochas vindas das entranhas da Terra. O Universo deixou-me Viver aqueles momentos sozinho durante alguns minutos. Parecia-me tocar o céu com as mãos, parecia-me sentir um abraço entre o meu corpo e a montanha ... um abraço a selar desafio e recompensa! Mas entretanto chegou um espanhol, também a solo. Não nos tínhamos ainda encontrado, mas cada um fotografou o outro. Mais tarde, já de novo na estação do teleférico, confidenciou-me que as fotos que lhe tirei foram as últimas ... antes do telemóvel dele ficar sem bateria...
TEIDE ... 08.09.2024, 15h15 ... 3718 metros de emoção!
Parecia-me tocar o Céu com as mãos ... parecia-me sentir o abraço da Montanha ... do Universo ... do Sonho!
Terá sido esta a mais dura das minhas "aventuras", em mais de meio século "por fragas e pragas"? Estou em crer que sim. Em termos de altitude, já estive mais alto, no Toubkal, no Caminho Inca ... mas em nenhum desses casos parti da cota '0', do mar. O Pico da ilha do Pico é duro de subir ... mas das três vezes subi a partir da Casa da Montanha; são apenas 4 km; duros
2ª etapa da subida ao Teide, desde a Degollada del cedro
(Clique aqui para ver no Wikiloc)
          Nota: a velocidade média indicada é a velocidade média em
                    movimento ... quando num desafio deste tipo é mais o
                    tempo parado do que em movimento; a velocidade média
                    real é de ... 1,61 km/h ... 😏
... mas apenas 4 km! A travessia da Madeira de sul a norte, que incluiu a minha segunda subida ao Pico Ruivo, essa sim foi um desafio comparável, 35 km de montanha com mais de 2500 metros de desnível acumulado, numa única jornada! Mas o único troço efectivamente duro é a ligação do Pico do Areeiro ao Pico Ruivo. No Teide, ou pelo desnível permanente ou pelo piso ... ou pelas duas razões cumulativas ... não encontro comparação. Ou então ... é o peso dos meus 71 anos... 😟😱

No cume, a única opção é voltar a descer para a plataforma do teleférico. A partir daí e com o teleférico fechado, tinha duas opções: ou voltar a descer para os huevos del Teide e depois para a estrada TF-21 no parque de estacionamento de Montaña Blanca, ou descer para sudoeste, pelo chamado Pico Viejo e os Narices del Teide, rumo à estrada TF-38.
Cumprido o sonho ... há que descer! Lá em baixo está a estação superior do teleférico ... e a paisagem vulcânica que a envolve!
Nunca gosto de repetir caminho numa mesma jornada ... dois ou três montanheiros com quem troquei impressões disseram-me que a descida pelo Pico Viejo e os Narices del Teide é muito bonita ... mas nenhum dos que por ali se encontravam optou por ela, até porque tinham os carros na Montaña Blanca. Além disso eram quatro da tarde ... e tinha 9 km pela frente até lá ou quase 11 km até à TF-38. Sabia que a descer o meu andamento seria bem mais rápido ... mas o bom senso ditou que avisasse a minha arraiana e os "manos velhos" de que iria descer para o estacionamento de Montaña Blanca. Apesar da repetição até aos "ovos" do Teide, não me arrependi, porque o troço de ligação depois é também fabuloso. Dir-se-ia que estava a caminhar na Lua, ou em Marte...

Através de paisagens autenticamente lunares, rumo a Montaña Blanca
18h35 ... e chego ao parque de estacionamento de Montaña
(Clique em qualquer das fotos ou
Blanca (2360m alt.) ... onde a minha equipa me "resgatou"
aqui para ver o álbum completo)
No total das duas etapas da minha "aventura", com as ligações e a descida forçada do Teide (por não haver teleférico), fiz portanto sensivelmente 40 km ... com cerca de 4200 metros de desníveis acumulados de subida. O meu trilho 0.4.0 (numa única jornada) ... foi mais, portanto ... 0.4.2 (do mar quase aos quatro mil e destes aos dois mil, em duas jornadas). O sonho virara realidade!
Total da "aventura" de subida ao Teide pela Ruta 0.4.0
... adaptada para 0.4.2 ... (Clique aqui para ver no Wikiloc)
As mesmas observações para a velocidade média que as já feitas nos mapas das etapas


Regressados à "base" em Puerto de la Cruz, no dia seguinte daríamos quase a volta à ilha de Tenerife, a quatro ... e ainda nos faltava Lanzarote. Leiam, portanto ... a próxima crónica...

(Escrito após o regresso a Lisboa)

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