quinta-feira, 13 de junho de 2024

Uma aventura no Pico Tiendas, Sierra de Gata...

Uns dias no "retiro" de Vale de Espinho ... normalmente significam uma ou mais jornadas pedestres de longo curso, do lado de cá ou do lado de lá da Raia. A belíssima Sierra de Gata há largos anos que está no meu curriculum ... particularmente o "meu" Xalmas (ou Jalama) e as suas encostas.
Pico Tiendas, 04.Jan.2013
Mais para leste, a cumeada das Jañonas, sobre a vila de Gata, também já foi alvo de várias incursões, bem como, há 11 anos, a zona do "vulcão" de El Gasco e o cume maior da Serra, o Pico Tiendas (1590m alt.), já na transição de Las Hurdes para a Peña de Francia. Aquela zona ficou-me sempre na memória; vales mágicos, cumes de agulhas rochosas apontadas ao céu ... tudo ingredientes apelativos às entregas ao Universo, a solo, porque aquelas "areias" não estão ao alcance da minha pequena arraiana.
Próximo de Pinofranqueado, à entrada do vale do Rio Esperabán, 12.Jun.2024, 16h15
E assim ... voltei ontem e hoje às terras extremeñas do nordeste da Sierra de Gata. Não levava um projecto de caminhada definido, apenas hipóteses; levava, isso sim, a intenção de dormir na serra, na pequena tenda que já tantas vezes me abrigou, bem como a intenção de o fazer num local de céu aberto ... onde pudesse ver e fotografar/filmar o firmamento. Muito mais do que estudar percursos ... estive em todos os dias anteriores a monitorizar as previsões de céu limpo, sem nuvens.
Sobre o vale do Rio Esperabán, 16h45. Mas iam começar os percalços... 🤔
Saí de Vale de Espinho depois do almoço, com a mochila com roupa para o frio da noite, com a tenda, com mantimentos para o resto do dia e manhã do dia seguinte, com o telemóvel / GPS e a GoPro carregado(a)s, com binóculos, boné, tudo. Tudo?! Hmm, quando me lembrei do que me esquecera ... ia desmaiando. Pois ... e as botas... 🙂?! Não gosto de conduzir com as botas de montanha ... e pela primeiríssima vez em mais de 50 anos de caminhadas ... esqueci-me das botas!!!
E agora ... o que faria sem botas de montanha?... 😂 Mas o Universo é inteligente...
O que fazer? O único calçado que tinha eram uns ténis super simples. Já tinha passado o Puerto de Perales, Villasbuenas de Gata, Hernán Perez, Pinofranqueado. Dos projectos em que tinha pensado, o do Pico Tiendas tinha sido o que prevalecera, o que supostamente me levaria a fazer quase 11 km ontem, a partir de Aldehuela, onde supostamente acabaria a estrada. Com aqueles tenizinhos de "passear na avenida" ... o que conseguiria? Mas ... a estrada não acabou em Aldehuela. O estradão que pensava subir já a pé ... vi-o transformado em boa estrada, sinuosa, de montanha, mas excelente ... e os 11 km transformavam-se assim em 4, a partir do Puerto de Esperabán, onde, aí sim, acaba o alcatrão, no limite entre a Extremadura e Castela. Ok ... excelente sítio para o T-ROC dormir... 😁
Puerto de Esperabán, 17h00: para minha grande surpresa ... cheguei de carro!
E assim, às 17h20 de ontem, iniciei a subida rumo ao Pico Tiendas. O puerto fica a 1290 metros de altitude ... o Pico a 1590; 300 metros de desnível em menos de 4 km ... sem botas ... é obra! Mas como o Universo é Inteligente ... 75 minutos bastaram para aquela autêntica subida aos céus!

Uma autêntica subida aos céus, do Puerto de Esperabán ao Pico Tiendas.
Aos meus pés, tal como há 11 anos, a aldeia de Horcajo
Em 2013 tinha ali chegado vindo de norte, de El Gasco e do vale do Malvellido. onde regressei no mesmo dia, numa caminhada circular. Para esta jornada, a ideia era dormir lá; para isso levei a tenda. Queria ver o pôr do Sol, as estrelas num firmamento sem iluminação, o nascer do Sol no dia seguinte. Os pés afinal até estavam bons, apesar dos ténis de passeio. Feitas as fotos da praxe, a tarefa seguinte foi a procura do local ideal para a tenda. Deveria estar o mais próximo possível do cume, mas ao mesmo tempo minimamente protegida do vento, que se estava a tornar agreste. No dia seguinte (hoje) logo decidiria se descia para o carro (hmm ... nunca gosto de ir e vir pelo mesmo caminho), para Horcajo ou mesmo para El Gasco, neste caso preferencialmente por caminho diferente do de 2013.


Pelo sim pelo não ... distribuí pedras dentro da tenda... 😜
Estudados vários possíveis sítios ... montei a tenda numa espectacular "varanda" virada a sudeste.
A envolvência era magnífica ... e aproximavam-se as horas mágicas ... com cores mágicas...
Sobre a magia em que eu me sentia mergulhado, um amigo e ainda parente, Valespinhense, escreveu que a tenda, naquele planalto, naquela envolvência ... era "uma imagem de liberdade ... um modo de ser livre ... uma errância, em modo de encontro". Obrigado, Ismael ... não podia ser mais verdade.

Entre as 21h45 e as 22h00, houve magia em modo de encontro, no Pico Tiendas ... um encontro com o Universo
O desfasamento entre a hora solar e a hora espanhola faz com que, nesta altura do ano, o pôr-do-Sol seja quase às dez da noite. O primeiro chamamento para esta "peregrinação" a solo estava respondido. E foi mágico ... mas também foi bastante frio. Sentia-me a gelar ... e o vento cortante aumentava, e muito, a sensação de frio. "Agora meto-me na tenda e aqueço", pensei ... mas não pensei durante muito tempo. O vento cortante ... numa rajada um pouco mais violenta rasgou a minha guarida! Como as fotos acima ilustram, eu tinha distribuído pedras dentro da tenda, nos 4 vértices. E efectivamente a tenda em si não levantou voo ... as "paredes" laterais é que não resistiram à pressão; em 2 ou 3 minutos ... vários pedaços voaram para longe ... e praticamente restou só o chão ... bem agarrado pelas pedras... 😱
Tudo se deu em poucos minutos. Às 22h15 ainda havia claridade solar ... e eu não pensei duas vezes...
Sem tenda, embora com duas camisolas, seria impensável ficar ali. Já tinha comido antes do pôr-do-Sol; rapidamente arrumei a mochila, agarrei os bastões ... e fiz o aquecimento nos 4 km de regresso ao carro em passada larga ... com algum receio de que também os pobres e singelos ténis acabassem os seus dias nas pedras do caminho. Descalço ... seria bem mais complicado... 🥹
Regresso ao
Puerto de Esperabán, com a Lua no céu e as luzes das aldeias ao longe...
E o céu do Puerto de Esperabán, pouco antes da meia noite...
Cheguei ao carro sensivelmente às onze horas; não cheguei a levar uma hora para baixo. Frio já não tinha ... pudera, tinha acelerado; com as botas teria voado!... 😋
Claro que no telefonema à moçoila, ainda na descida, nada disse sobre a aventura da tenda. "Está tudo bem, vou dormir, dorme também"... 😂. E estava, nunca estive mal, nem em perigo. E muito satisfeito fiquei ao descobrir que o T-ROC, além das suas outras qualidades ... também é um excelente aposento. Com os bancos traseiros rebatidos, faz uma excelente cama para duas pessoas!
O céu estava pejado de estrelas, como a previsão indicava ... o fotógrafo de estrelas é que não é grande coisa, como se vê acima. Só o nascer do Sol é que ficou comprometido, claro. O Sol nasce a nordeste, no azimute 58º ... que, tendo descido do Tiendas, ficou obviamente escondido.
E o céu como o via às 05h15 já de hoje, a sudeste ... mas em imagem da aplicação Stellarium
O que fazer, hoje? Acordado desde as quatro e pouco espanholas, analisei no Locus a hipótese de alguma curta visita e caminhada naqueles vales mágicos onde estava: Aldehuela, Erías e principalmente Horcajo, são as aldeias que merecerão de certeza atenção. Horcajo era aliás a hipótese que mais me agradara para a caminhada de regresso do Pico Tiendas. Mas o Pico Tiendas há-de ficar para a história (ou para as estórias) ... como o Pico onde uma vez montei uma tenda ... que literalmente se desfez pela inclemência do vento. Curiosamente ... a tenda era a mesma na qual dormi na cratera do Pico da ilha do Pico, quando em 2018 vivi "a mais bonita solidão do mundo"...

E o Universo Inteligente ainda me brindou, afinal, com estas magníficas cores do nascer-do-Sol, próximo de Torrecilla de los Ángeles ... de regresso a Vale de Espinho
Para grande alegria da minha pequena arraiana ... antes das oito da manhã estava em casa. Aborrecido com os percalços? Arrependido? Não, claro. Aliás ... que melhor noite de Santo António poderia desejar?... 😂 Fiz apenas 8 km a pé quando pensava fazer 20 ou 30 ... mas se não houvesse estas aventuras não havia muito para contar! Um dia meto a moçoila debaixo do braço e vamos os dois conhecer Horcajo, El Gasco e aqueles vales mágicos... 💖

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3 comentários:

José vaz disse...

Estes imprevistos são desafios à nossa capacidade de adaptação que tornam estas atividades em verdadeiras aventuras!

Anónimo disse...

"Apanhado do clima"??? Nãããão...
Que maluqueira saudável. Continua igual a ti próprio. Abraço.
Carlos Marques

Zé Rey disse...

Fabuloso amigo Zé.
As impressões, enriqueceram ao máximo a tua aventura.
Mais uma vez demonstraste que és "pau para toda a colher".
Um grande abraço.