Uns dias no "retiro" de
Vale de Espinho ... normalmente significam uma
ou mais jornadas pedestres de longo curso, do lado de cá ou do lado de lá da
Raia. A belíssima
Sierra de Gata há largos
anos que está no meu
curriculum ... particularmente o "meu" Xalmas (ou
Jalama) e as suas encostas.
Mais para leste, a cumeada das
Jañonas, sobre a vila de Gata, também já foi alvo de várias incursões,
bem como, há 11 anos, a zona do "vulcão" de
El Gasco e o cume maior da
Serra, o
Pico Tiendas
(1590m alt.), já na transição de
Las Hurdes para a
Peña de Francia. Aquela zona ficou-me sempre na memória; vales mágicos,
cumes de agulhas rochosas apontadas ao céu ... tudo ingredientes apelativos às
entregas ao Universo, a solo, porque aquelas "areias" não estão ao alcance da
minha pequena arraiana.
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Próximo de Pinofranqueado, à entrada
do vale do Rio Esperabán,
12.Jun.2024, 16h15
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E assim ... voltei ontem e hoje às terras
extremeñas do nordeste da
Sierra de Gata. Não levava um projecto de
caminhada definido, apenas hipóteses; levava, isso sim, a intenção de dormir
na serra, na pequena tenda que já tantas vezes me abrigou, bem como a intenção
de o fazer num local de céu aberto ... onde pudesse ver e fotografar/filmar o
firmamento. Muito mais do que estudar percursos ... estive em todos os dias
anteriores a monitorizar as previsões de céu limpo, sem nuvens.
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Sobre o vale do Rio Esperabán, 16h45. Mas iam começar
os percalços... 🤔
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Saí de
Vale de Espinho depois do almoço, com a mochila com roupa para o
frio da noite, com a tenda, com mantimentos para o resto do dia e manhã do dia
seguinte, com o telemóvel / GPS e a GoPro carregado(a)s, com binóculos, boné,
tudo. Tudo?! Hmm, quando me lembrei do que me esquecera ... ia desmaiando.
Pois ... e as botas... 🙂?! Não gosto de conduzir com as botas de montanha ...
e pela primeiríssima vez em mais de 50 anos de caminhadas ... esqueci-me das
botas!!!
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E agora ... o que faria sem botas de montanha?... 😂 Mas o Universo é
inteligente...
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O que fazer? O único calçado que tinha eram uns ténis super simples. Já tinha
passado o
Puerto de Perales,
Villasbuenas de Gata,
Hernán Perez,
Pinofranqueado. Dos projectos em que tinha
pensado, o do
Pico Tiendas tinha
sido o que prevalecera, o que supostamente me levaria a fazer quase 11 km
ontem, a partir de
Aldehuela, onde
supostamente acabaria a estrada. Com aqueles tenizinhos de "passear na
avenida" ... o que conseguiria? Mas ... a estrada não acabou em
Aldehuela. O estradão que pensava subir já a pé ... vi-o transformado
em boa estrada, sinuosa, de montanha, mas excelente ... e os 11 km
transformavam-se assim em 4, a partir do
Puerto de Esperabán, onde, aí sim, acaba o alcatrão, no limite entre a
Extremadura e
Castela. Ok ... excelente sítio para o T-ROC dormir...
😁
E assim, às 17h20 de ontem, iniciei a subida rumo ao
Pico Tiendas. O
puerto fica a 1290
metros de altitude ... o Pico a 1590; 300 metros de desnível em menos de 4 km
... sem botas ... é obra! Mas como o Universo é Inteligente ... 75
minutos bastaram para aquela autêntica subida aos céus!
Em
2013
tinha ali chegado vindo de norte, de
El Gasco e do vale do
Malvellido.
onde regressei no mesmo dia, numa caminhada circular. Para esta jornada, a
ideia era dormir lá; para isso levei a tenda. Queria ver o pôr do Sol, as
estrelas num firmamento sem iluminação, o nascer do Sol no dia seguinte. Os
pés afinal até estavam bons, apesar dos ténis de passeio. Feitas as fotos da
praxe, a tarefa seguinte foi a procura do local ideal para a tenda. Deveria
estar o mais próximo possível do cume, mas ao mesmo tempo minimamente
protegida do vento, que se estava a tornar agreste. No dia seguinte (hoje)
logo decidiria se descia para o carro (hmm ... nunca gosto de ir e vir pelo
mesmo caminho), para
Horcajo ou mesmo para
El Gasco, neste caso preferencialmente por
caminho diferente do de 2013.
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Pelo sim pelo não ... distribuí pedras dentro da tenda... 😜
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Estudados vários possíveis sítios ... montei a tenda numa espectacular
"varanda" virada a sudeste. A envolvência era magnífica ... e
aproximavam-se as horas mágicas ... com cores mágicas...
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Sobre a magia em que eu me sentia mergulhado, um amigo e ainda parente,
Valespinhense, escreveu que a tenda, naquele planalto, naquela envolvência ...
era "
uma imagem de liberdade ... um modo de ser livre ... uma errância, em modo
de encontro". Obrigado, Ismael ... não podia ser mais verdade.
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Entre as 21h45 e as 22h00, houve magia em modo de encontro, no
Pico Tiendas ... um encontro
com o Universo
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O desfasamento entre a hora solar e a hora espanhola faz com que, nesta altura
do ano, o pôr-do-Sol seja quase às dez da noite. O primeiro chamamento para
esta "peregrinação" a solo estava respondido. E foi mágico ... mas também foi
bastante frio. Sentia-me a gelar ... e o vento cortante aumentava, e muito, a
sensação de frio. "
Agora meto-me na tenda e aqueço", pensei ... mas não
pensei durante muito tempo. O vento cortante ... numa rajada um pouco mais
violenta rasgou a minha guarida! Como as fotos acima ilustram, eu tinha
distribuído pedras dentro da tenda, nos 4 vértices. E efectivamente a tenda em
si não levantou voo ... as "paredes" laterais é que não resistiram à pressão;
em 2 ou 3 minutos ... vários pedaços voaram para longe ... e praticamente
restou só o chão ... bem agarrado pelas pedras...
😱
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Tudo se deu em poucos minutos. Às 22h15 ainda havia claridade solar
... e eu não pensei duas vezes...
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Sem tenda, embora com duas camisolas, seria impensável ficar ali. Já tinha
comido antes do pôr-do-Sol; rapidamente arrumei a mochila, agarrei os
bastões ... e fiz o aquecimento nos 4 km de regresso ao carro em passada
larga ... com algum receio de que também os pobres e singelos ténis
acabassem os seus dias nas pedras do caminho. Descalço ... seria bem mais
complicado... 🥹
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Regresso ao |
Cheguei ao carro sensivelmente às onze horas; não cheguei a levar uma hora
para baixo. Frio já não tinha ... pudera, tinha acelerado; com as botas teria
voado!... 😋
Claro que no telefonema à moçoila, ainda na descida, nada disse sobre a
aventura da tenda. "Está tudo bem, vou dormir, dorme também"... 😂. E
estava, nunca estive mal, nem em perigo. E muito satisfeito fiquei ao
descobrir que o T-ROC, além das suas outras qualidades ... também é um
excelente aposento. Com os bancos traseiros rebatidos, faz uma excelente cama
para duas pessoas!
O céu estava pejado de estrelas, como a previsão indicava ... o fotógrafo
de estrelas é que não é grande coisa, como se vê acima. Só o nascer do Sol é
que ficou comprometido, claro. O Sol nasce a nordeste, no azimute 58º ... que,
tendo descido do Tiendas, ficou obviamente escondido.
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E o céu como o via às 05h15 já de hoje, a sudeste ... mas em imagem da
aplicação
Stellarium
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O que fazer, hoje? Acordado desde as quatro e pouco espanholas, analisei no
Locus a hipótese de alguma curta visita e caminhada naqueles vales
mágicos onde estava:
Aldehuela,
Erías e principalmente
Horcajo, são as aldeias que merecerão de certeza atenção.
Horcajo era
aliás a hipótese que mais me agradara para a caminhada de regresso do Pico
Tiendas. Mas o Pico
Tiendas há-de ficar para a história (ou
para as estórias) ... como o Pico onde uma vez montei uma tenda ... que
literalmente se desfez pela inclemência do vento. Curiosamente ... a tenda era
a mesma na qual dormi na cratera do Pico da ilha do Pico, quando em 2018 vivi
"
a mais bonita solidão do mundo"...
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E o Universo Inteligente ainda me brindou, afinal, com estas
magníficas cores do nascer-do-Sol, próximo de
Torrecilla de los Ángeles ... de regresso a Vale de
Espinho
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Para grande alegria da minha pequena arraiana ... antes das oito da manhã
estava em casa. Aborrecido com os percalços? Arrependido? Não, claro. Aliás
... que melhor noite de Santo António poderia desejar?... 😂 Fiz apenas 8 km a
pé quando pensava fazer 20 ou 30 ... mas se não houvesse estas aventuras não
havia muito para contar! Um dia meto a moçoila debaixo do braço e vamos os
dois conhecer
Horcajo,
El Gasco e aqueles vales mágicos... 💖
3 comentários:
Estes imprevistos são desafios à nossa capacidade de adaptação que tornam estas atividades em verdadeiras aventuras!
"Apanhado do clima"??? Nãããão...
Que maluqueira saudável. Continua igual a ti próprio. Abraço.
Carlos Marques
Fabuloso amigo Zé.
As impressões, enriqueceram ao máximo a tua aventura.
Mais uma vez demonstraste que és "pau para toda a colher".
Um grande abraço.
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