domingo, 12 de junho de 2022

Da Serra das Ellas a Quadrazais ... com o GCGC nos Trilhos Raianos

Nos meus quase 20 anos de e com o "Grupo de Caminheiros Gaspar Correia", já por diversas vezes levei aquela minha "família" caminheira às terras que adoptei e me adoptaram há quase meio século: a Raia Sabugalense ... a "minha" Vale de Espinho. Mas agora ... há já 7 anos que não partilhava com eles os trilhos e as velhas bredas das serras e das aldeias raianas. Era tempo de regressar...
Puerto de Santa Clara, 10.Junho.2022, 11h30
Com um feriado à sexta feira, tínhamos três dias pela frente, pelo que delineei três caminhadas raianas, a primeira do lado de lá da Raia, em terras dos nuestros hermanos do Vale do Xálima ... ou Xalmas.
Trilho da Serra das Ellas
Depois de pouco mais de quatro horas de viagem desde Lisboa, atravessando a raia entre Penamacor e Valverde, às onze e meia estávamos no Puerto de Santa Clara, onde já perdi a conta às vezes em que já ali comecei ou acabei "aventuras". Na base do "meu" Xalmas, a ideia era descer para sudoeste, vigiados pelos paredões rochosos das Torris de Fernán Centeno. Claro que, além das aventuras daquele senhor de Peñaparda e do seu lendário Castelo de Rapapelo, também falei aos meus "gasparitos" nos vetões, parentes próximos dos lusitanos, que aqui há 22 ou 23 séculos habitavam as terras das actuais províncias de Salamanca e de Cáceres e o leste da nossa Beira Interior; os leitores mais atentos destas fragas e pragas sabem, aliás, que Xalmas era o deus vetão das águas.
Vista "aérea" sobre San Martín de Trevejo e o Vale do Xálima ... sob um calor tórrido...
As previsões meteorológicas para estes dias eram de calor extremo ... e infelizmente confirmaram-se. No início da caminhada valeu-nos a altitude (1050m) e a aragem que corria na serra, mas, à medida que descíamos, as "tropas caminheiras" começavam a sentir na pele o calor das terras extremeñas, embora continuassem a extasiar-se com as panorâmicas que tínhamos a sul. Eu bem lhes falava no bosque em que iríamos entrar a seguir ao Cancho del Cuervo ... mas o bosque nunca mais chegava...

O granito reflecte o calor ... e qualquer pequena sombra foi aproveitada...
Mas finalmente o bosque chegou, permitindo o merecido almoço e o necessário descanso
O projecto era, passando as Ellas, continuar até Valverde del Fresno ... mas a temperatura ao Sol seguramente ultrapassava os 40º ... e fez-se sentir em meia dúzia de caminheiros e caminheiras que precisaram do apoio e da ajuda de todos; talvez os meus leitores fiquem perplexos, ao saberem que a faixa etária dos heróis e heroínas presentes ... vai até para além das oito décadas! E o que ali se viveu naquela descida da Serra das Ellas foi sem dúvida uma emocionante evidência ... de que a Amizade é um dom! Bem hajam, Caminheiro(a)s ... novos e "velhos" ... tanto em idade como no Grupo!
De novo ao Sol, implacável, com Valverde del Fresno ao fundo ... e as Ellas mais perto...
Não havia dúvidas: continuar para Valverde seria penoso ... e ninguém ali estava para sofrer. O autocarro foi-nos buscar às Ellas ... mas nas apertadas callis da aldeia geminada com os Fóios, um grupo tão grande ainda "tresmalhou" por caminhos diferentes, mas todos acabámos por ir dar à Plaza de la Constitución ... e às cañas do bar U Barruquiñu 😂
Por Navasfrias e Aldeia do Bispo regressámos a Portugal; afinal até era Dia de Portugal! À semelhança da última vez que levei o GCGC às terras raianas, o Hostal Pelicano foi a base onde o grupo pernoitou. Primeiro a piscina ... e mais tarde o belíssimo jantar do El Dorado, nos Fóios ... fizeram esquecer as agruras do calor tórrido, retendo apenas as belas panorâmicas.
Na piscina do Pelicano ... e no jantar do El Dorado
... dois momentos que fizeram esquecer as agruras 😊
Trilho das Aldeias
Em terras de RibaCôa, chamei "trilho das aldeias" ao segundo percurso deste fim de semana prolongado. Efectivamente, começando junto à raia dos Fóios e sempre por trilhos de pé posto, passaríamos por Aldeia do Bispo e Aldeia Velha, para terminarmos em Aldeia da Ponte. Para evitar o calor, começámos o mais cedo que foi possível, e o traçado permitia pontos de neutralização nas aldeias, ou até, como houve, a opção por percorrer apenas o primeiro e o terceiro troços.

Aldeia Velha, 11.Junho.2022, 10h55, depois dos primeiros 7 km de caminhada, passando por Aldeia do Bispo
Muito mais arborizado do que o anterior, apesar do calor a jornada decorreu sem incidentes, com uma boa paragem de descanso no aprazível parque de merendas de Aldeia Velha, junto à ribeira do mesmo nome, à qual no entanto alguma toponímia chama Ribeira de Aldeia da Ponte e outra chama Rio Cesarão. A atender pelas cartas militares, só se chama contudo Rio Cesarão depois da confluência com a Ribeira de Forcalhos. Mas ... a seca que temos vivido quase levou toda a água destas ribeiras, reduzidas na maior parte dos locais a meros fios de água quase estagnada 😒

Entre Aldeia Velha e Aldeia da Ponte, cruzando a Ribeira de Forcalhos e à beira do Cesarão ... quase secos...
14h35 ... e entramos em Aldeia da Ponte, cruzando o Cesarão pela ponte que dá o nome à aldeia
Se eu sou "filho adoptivo" de Vale de Espinho e da Raia ... um dos caminheiros presentes é filho biológico de Aldeia da Ponte. Há 10 anos já tínhamos tido aliás uma actividade raiana por ele organizada, centrada na Aldeia. Agora, a inestimável colaboração do caminheiro aldipontense complementou a jornada de sábado com uma belíssima visita cultural, que incluiu a Igreja Matriz de Santa Maria Madalena, o Museu Etnográfico e o Colégio de Aldeia da Ponte ... além de nos ter transmitido tanta da sua paixão pelas suas raízes. E, para terminar, além das visitas, o Zé André Vaz e a Licínia, com a presença e a colaboração da Associação de Amigos de Aldeia da Ponte, brindaram-nos com um opíparo lanche no parque de merendas ... onde até a família se associou, incluindo a sua estimada mãe. Sem dúvida ... um jorrar de Felicidade, Amizade e Espírito Raiano! Bem hajam!
Um aldipontense, que até já foi Presidente dos
Caminheiros Gaspar Correia, junto à casa onde nasceu
Trilho do Côa
Para terceiro e último dia ... Vale de Espinho tinha de fazer parte do programa! Mais curta, a caminhada começaria no Largo das Eiras, claro, e não poderia deixar de levar o Grupo à Igreja Matriz e ao velho Campanário; uma e outro fizeram as delícias de quem ainda não conhecia ... e o painel de azulejos alusivo à figura do Mestre-Escola foi excelentemente "emoldurado" pelos 42 elementos que participaram na festa da Amizade que foram estes três dias.

Largo das Eiras de Vale de Espinho, 12.Junho.2022, 8h35
Igreja Matriz e Campanário de Vale de Espinho (Foto de Grupo: André Sancho)
Pela velha estrada nunca acabada que ligaria Vale de Espinho a Malcata, descemos à praia fluvial e à Ponte Nova. O Côa foi o tema para este último trajecto; apesar de alguns troços mais ou menos a corta mato ... fiquei com a sensação que todos adoraram o cantar da água e a "aventura" das pontes suspensas do "Trilho do Manego", mesmo não o tendo percorrido na totalidade.
O Côa no sítio da Ponte Nova e da praia fluvial de Vale de Espinho, 9h40 
Hoje quem guiou a caminhada ... foi
a minha pequenina arraiana, à esquerda 💖
Recantos do paraíso à beira do Côa, próximo da Capela do Espírito Santo e da praia fluvial de Quadrazais
Da praia fluvial de Quadrazais às ruínas dos velhos Moinhos do Salgueiral, João Lourenço e Mursa ... quem levou calções activou um pouco a circulação sanguínea... 😂. Apesar da pouca chuva, esta primavera adubou bem os fieitos e demais vegetação ribeirinha; dir-se-ia ... que parecíamos exploradores tropicais ... num paraíso tropical.

(Foto: Natércia Dias)
Passado o Moinho das Poldrinhas e junto à ponte suspensa de Vale Cabreiro ... estávamos a terminar o "trilho do Côa"
Eram horas de almoçar ... mas a "crónica" destes belos três dias não ficaria completa sem algumas imagens da autêntica reportagem fotográfica do meu "Mano velho" Mousinho; uma reportagem a que ele próprio chamou ...
"Vida selvagem, ao longo dos Trilhos Raianos "
"Vida Selvagem ao longo dos Trilhos
Raianos" (Fotos de António Mousinho)
O almoço esperava por nós na TrutalCôa. Ao desenhar o "programa" desta actividade caminheira, quis também distribuir as três refeições principais por outras tantas unidades de restauração ... e também me quis parecer que a gastronomia agradou a esta "horda" de "gasparitos" que mais uma vez levei ... às "minhas" terras da Raia ... às terras que adoptei e me adoptaram há quase meio século.

Almoço de encerramento da 352ª Actividade dos Caminheiros Gaspar Correia, na TrutalCôa
Obrigado, Caminheiros Gaspar Correia; obrigado amigos! Se fossem precisas provas ... estes três dias foram a prova provada de que a Amizade é um Dom ... de que existe esperança. Curiosamente, nas vésperas desta actividade "tropecei" por acaso num pensamento que cada vez mais se aplica ao palco onde todos nós actuamos...

    A Vida é uma peça de teatro que não permite ensaios;
    por isso e por muito mais ... há que cantar, dançar, rir ... há que Viver ...
    antes que a cortina se feche e a peça termine sem aplausos... 💓💞

(Vale de Espinho - Quadrazais; qualquer das caminhadas pode ser vista no perfil Xalmas)

3 comentários:

Anónimo disse...

Que boa e completa descrição. Assim se vê a força e a amizade do nosso estimado grupo, agora evidenciada de forma tão eloquente. Obrigado Callixto, também pela narrativa.

José vaz disse...

O conhecimento e a paixão pela região raiana do concelho do Sabugal e não só, transparece no detalhado e belo texto com informação muito útil para futuros visitantes, salientando os atributos paisagísticos, gastronómicos e culturais da região!

Pereirinha disse...

Muito obrigado pela partilha, generosa, do seu vasto conhecimento. Como apaixonado pela geografia e história da raia do Sabugal e Penamacor, muito lhe agradeço. Bem haja